Os olhos dela não haviam mudado de expressão. A voz áspera era paciente e delicada. Levou a mão em direção ao botão da campainha. — "Monsieur", creio que deve estar louco. Vou chamar o "valet de chambre", a fim de que o faça sair.
Bond nunca soube o que lhe salvou a vida. Talvez tivesse sido o fato de que não havia fios que ligassem a campainha à parede ou por baixo do tapete. Ou, talvez, o fato de ter-se lembrado, subitamente, de que ela respondera em inglês quando batera à porta. E, quando o dedo dela apertou o botão de marfim, atirou-se da cadeira, para um lado. Quando Bond caiu, ouviu o som de pano rasgado. Estilhaços da cadeira, voaram à sua volta. A cadeira desmantelou-se no chão.
Bond volteou o corpo, ao mesmo tempo que sacava a pistola. Viu, de soslaio, uma nuvem de fumaça azul sair do bocal do "telefone". A mulher atirou-se a ele, empunhando as agulhas de tricô.
Ela procurou atingir-lhe as pernas. Bond arremessou os pés e jogou-a para um lado. Ela fizera pontaria para as suas pernas! Enquanto se ajoelhava, Bond teve noção do que significavam as pontas coloridas das agulhas. Era veneno. Provavelmente, um desses que agem sobre o sistema nervoso, fabricados na Alemanha. Bastava, apenas, que ela o arranhasse, mesmo através da roupa.
Bond levantou-se. Ela tornava a arremeter. Ele deu ao gatilho, furiosamente. O silenciador havia engasgado. Viu um lampejo. Desviou-se. Uma das agulhas tilintou contra a parede, às suas costas, e aquela horrenda mulher atirou-se novamente a ele, a peruca escorregando-lhe da cabeça e os dentes à mostra por entre os lábios pegajosos.
Não ousando enfrentar as agulhas, apenas com os punhos, Bond protegeu-se dando volta à escrivaninha.
Rosa Klebb perseguiu-o ofegante e balbuciando em russo, empunhando a agulha restante como se esta fosse um punhal. Bond recuou, enquanto tentava fazer funcionar a arma. Tropeçou numa pequena cadeira. Largou a pistola e agarrou a cadeira. Segurou-a pelo encosto, com as pernas estiradas como chifres, e atacou sua oponente. Mas, esta alcançara o telefone falso. Ergueu-o e fez pontaria. Sua mão dirigiu-se para o botão. Bond pulou para a frente. Bateu com a cadeira com violência. As balas foram-se cravar no teto e a caliça caiu-lhe na cabeça.
Bond tornou a atacar. As pernas da cadeira prenderam a mulher, em volta da cintura e acima dos ombros. Como era forte! Ela recuou até encontrar a parede. Ali, continuou a resistir, cuspindo em direção a Bond, por cima da cadeira, enquanto a agulha procurava atingi-lo, como um longo ferrão de escorpião.
Bond deu um passo atrás, conservando a cadeira na mesma posição, com o braço esticado. Fez pontaria e lançou um pontapé no pulso da Klebb. A agulha volteou pela sala e caiu no chão, tilintando.
Bond aproximou-se. Examinou a posição. Sim, a mulher estava, realmente, presa à parede, pelas quatro pernas da cadeira. Não havia maneira de sair daquela jaula, a não ser pela força bruta. Seus braços, pernas e cabeça estavam livres, mas o corpo estava preso de encontro à parede.
Ela falou algo em russo, por entre os dentes. Tornou a cuspi-lo por cima da cadeira. Bond curvou a cabeça e enxugou o rosto com a manga do paletó. Encarou o rosto manchado.
— Basta, Rosa — disse ele. — O "Deuxième" chegará a qualquer instante. Dentro de mais ou menos uma hora, estará em Londres. Ninguém a verá sair do hotel, nem chegar à Inglaterra. Para falar a verdade, poucas pessoas tornarão a vê-la. De agora em diante, é apenas um número num Arquivo Secreto. Quanto terminarmos o nosso serviço, estará pronta para ser enviada a um hospital de alienados.
O rosto dela, a pouca distância do seu, passara por uma transformação. O sangue fugira-lhe das faces e estava amarelo. Mas não por medo, pensou Bond. Os olhos claros fitaram os seus. Não havia, neles, sinais de derrota.
A boca úmida e amorfa alongou-se num sorriso.
— E onde estará o sr. quando eu estiver no hospital, sr. Bond?
— Vivendo...
— Não creio, "angliski spion".
Bond mal ouviu as palavras. Prestava atenção a um ruído na porta. Ouviu, atrás de si, uma gargalhada.
— "Eh bien", — era aquela voz prazenteira que Bond conhecia tão bem. — A 70a. posição! Agora sim, já vi tudo. E inventada logo por um inglês! James, isso é um verdadeiro insulto aos nossos compatriotas.
— Não a recomendo -^- respondeu Bond por cima do ombro. — É muito cansativa. Ademais, agora é a sua vez. Eu farei as apresentações. O nome dela é Rosa. Você vai gostar dela. É muito importante na SMERSH; na realidade, é a encarregada das execuções.
Mathis aproximou-se. Dois empregados de lavanderia o acompanharam. Os três encararam a horrenda mulher com certo respeito.
— Rosa — disse Mathis, pensativamente. — Mas, desta vez, uma "Rose Malheur". Ora, ora! Creio que essa posição não deve ser muito confortável para ela. Vocês dois, tragam o "panier de fleurs". Deitada, ela ficará mais à vontade.
Os dois agentes encaminharam-se para a porta. Bond ouviu o ranger do cesto da lavanderia.
Os olhos da mulher ainda estavam presos aos de Bond. Moveu-se um pouco, apoiando-se numa só perna. Sem que Bond ou Mathis notassem, a ponta de um dos seus sapatos apertou o calcanhar do outro. Da ponta deste, surgiu uma pequena lâmina de metal. Tinha a mesma coloração azulada, das agulhas de tricô.
Os dois agentes aproximaram-se e pousaram o grande cesto ao lado de Mathis.
— Levem-na — disse. Fez uma ligeira mesura para a mulher. — Foi uma honra.
— "Au revoir", Rosa — disse Bond.
Os olhos amarelos faiscaram por um instante.
— Passe bem, sr. Bond.
Lançou a botina armada com sua pequenina lâmina.
Bond sentiu uma dor aguda no tornozelo direito. Teve apenas a sensação de que levara um pontapé. Desviou o corpo e recuou. Os dois agentes agarraram Rosa Klebb pelos braços.
Mathis riu. — Meu pobre James — disse ele. — A SMERSH timbra em ter, sempre, a última palavra.
A pequena lâmina voltara ao seu esconderijo, dentro do couro da botina. A mulher que foi colocada dentro da cesta, não passava de uma velhota inofensiva.
Mathis ficou observando, enquanto a tampa da cesta era amarrada. Voltou-se para Bond.
— Fez um bom trabalho, meu amigo. Mas parece cansado. Volte para a embaixada e descanse, porque, hoje à noite, iremos jantar juntos. No melhor restaurante de Paris. Eu lhe arranjarei uma bela pequena para fazer-lhe companhia.
Bond começava a sentir o corpo entorpecido. Sentia um frio intenso. Ergueu a mão para afastar a mecha de cabelos que lhe caía na testa. Não sentia os dedos. Estes pareciam tão grandes quanto pepinos. Sua mão caiu pesadamente.
Respirava com dificuldade. Procurou encher os pulmões. Apertou os dentes e semicerrou os olhos, como fazem os que procuram ocultar uma bebedeira.
Viu, por entre as pálpebras pesadas, quando a cesta foi levada através da porta. Forçou os olhos a se abrirem. Desesperado, olhou para Mathis.
— Não preciso de uma pequena, René — disse em voz pastosa.
Estava já sem fôlego. Tornou a levar a mão ao rosto gelado. Teve a impressão de que Mathis se aproximava dele.
Bond sentiu seus joelhos fraquejarem.
Disse, ou pensou dizer: — Eu já tenho a mais linda...
Girou, vagarosamente, no calcanhar e caiu estendido sobre o tapete vermelho-escuro.
{1} Escrito em março de 1956. — I. F.