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— Fumemos. — O general G. tirou um cigarro Moskwa-Volga e acendeu-o com um isqueiro Zippo, americano. Ouviu-se o ruído dos isqueiros, em torno da mesa. O general G. amassou a longa piteira de papelão do seu cigarro, até torná-la- quase chata, e colocou-a entre os dentes, no lado direito da boca. Esticou os lábios por sobre os dentes e começou a falar em frases curtas e contundentes, sibiladas entre os dentes e o cigarro semi-erguido.

— Camaradas, reunimo-nos segundo instruções do camarada general Serov. Como porta-voz do Presidium, ordenou-me que lhes transmitisse certas questões de política do Estado. Devemos depois deliberar e recomendar uma atitude que esteja de acordo com essa política, e dar-lhe toda a assistência. Devemos chegar rapidamente a uma decisão. Mas esta será de suprema importância para o Estado. A decisão, portanto, deverá ser exata.

O general G. fez uma pausa para que todos apreendessem o sentido de suas palavras. Examinou um por um o rosto dos três oficiais graduados, sentados ao redor da mesa. Eles o fitaram sem pestanejar. No íntimo, esses três homens tão importantes estavam perturbados. Estavam a ponto de espiar pela porta da fornalha. Iriam conhecer um segredo de Estado, conhecimento esse que um dia poderia trazer-lhes consequências perigosas. Sentados naquela sala silenciosa, sentiram-se envolvidos pela temível incandescência que emana do centro de todos os poderes na União Soviética: o Alto Presidium.

A cinza final do cigarro do General G. caiu sobre sua túnica. Ele a sacudiu e jogou o toco de papelão na cesta do lixo, ao lado da escrivaninha. Acendeu outro cigarro e falou, com ele entre os dentes.

— As instruções que recebemos dizem respeito a um conspícuo ato de terrorismo que deverá ser levado a efeito, em território inimigo, dentro de três meses.

Seis pares de olhos inexpressivos fitaram o chefe da SMERSH, em expectativa.

— Camaradas — o general G. reclinou-se na cadeira e sua voz tomou um tom declamatório — a política externa da U.R.S.S. entrou em nova fase. Antes, era uma política "inflexível"; uma política de aço — (permitiu-se esse trocadilho com o nome de Stalin). — Esta atitude, embora eficiente, fez surgir tensões no Ocidente, notadamente nos Estados Unidos, que estavam se tornando perigosas. Os norte-americanos são imprevisíveis. São histéricos. Os relatórios do nosso Serviço Secreto começaram a demonstrar que estávamos forçando os Estados Unidos a um bombardeio atômico sobre a U.R.S.S., sem prévio aviso. Já leram esses relatórios e sabem que falo a verdade. Não queremos essa guerra. Se houver necessidade de uma, seremos nós quem escolherá a oportunidade. Certos norte-americanos de influência, especialmente o Grupo do Pentágono chefiado pelo Almirante Radford, foram auxiliados em seus planos belicosos pela nossa própria política "inflexível". Decidiu-se, pois, que era chegada a hora de mudar de tática, embora conservando os mesmos objetivos. Foi criada uma nova política: o método "Inflexível-Brando". Em Genebra demos início à mesma. Fomos "brandos". A China ameaçou Quemoy e Matsu. Tornamo-nos "inflexíveis". Abrimos nossas fronteiras a inúmeros jornalistas, atores e artistas, embora saibamos que muitos deles são espiões. Nossos líderes riem e gracejam nas recepções em Moscou. Em meio a esses gracejos, soltamos a maior bomba experimental de todos os tempos. Os camaradas Bulganin, Kruchev e o camarada General Serov — (o general G. incluiu, cautelosamente, os nomes de todos aqueles que iriam ouvir a gravação) — visitam a índia e o Oriente, e insultam os ingleses. Quando voltam, têm amáveis conferências com o embaixador britânico sobre sua próxima visita a Londres. E assim prosseguimos: primeiro a chibata, depois o afago; o sorriso e, a seguir, a carranca. O Ocidente está confuso. As tensões se dissipam antes mesmo de se enrijecerem. As reações dos nossos inimigos são descontroladas, sua estratégia desorganiza-se. Enquanto isso, o povo em geral ri dos nossos gracejos, aclama os nossos times de futebol e baba de prazer quando soltamos alguns prisioneiros de guerra, que não desejamos mais alimentar.

Houve sorrisos de prazer e orgulho entre os participantes da mesa. Que brilhante política! Como fazíamos de idiotas aos Ocidentais!

— Ao mesmo tempo — continuou o general G. esboçando um sorriso ante a sensação que causara — continuamos a conspirar: revolução em Marrocos; armas para o Egito; tratados de amizade com a Iugoslávia; desordens em Chipre; motins na Turquia; greves na Inglaterra; vantagens eleitorais na França. Não há setor do mundo onde não estejamos avançando, silenciosamente.

O general G. notou o brilho de cobiça nos olhos dos seus auxiliares. Eles haviam sido abrandados. Era chegada a hora de se tornar inflexível. Era tempo de fazê-los sentir em si mesmos a nova política. O Serviço Secreto teria de utilizá-los nessa grande partida que se jogava em benefício deles próprios. O general G. curvou-se mansamente para a frente. Fincou o cotovelo direito sobre a escrivaninha e ergueu o punho no ar.

— Mas, camaradas — a voz era suave — onde tem havido falhas na política de Estado da U. R. S. S.? Quem tem sido brando mesmo quando desejávamos ser inflexíveis? Quem tem sofrido derrotas, quando todos os outros departamentos do Estado conquistavam vitórias? Quem, com seus erros idiotas, fez com que a União Soviética parecesse tola e fraca aos olhos do mundo? QUEM?

A voz erguera-se quase em um grito. O general G. pensou como estava transmitindo bem as ordens do Presidium. Quão formidável isso não soaria a Serov quando este ouvisse a gravação!

Olhou fixamente para os rostos pálidos e ansiosos, reunidos à volta da mesa. O punho do general G. chocou-se contra a escrivaninha.

— Todo o "apparat" do Serviço Secreto Soviético, camaradas. — A voz era agora um furioso rugido. — Somos nós os desleixados, os sabotadores, os traidores! Somos nós que estamos faltando à União Soviética, no seu grande e glorioso esforço! Nós! — Abrangeu a sala com um movimento do braço. — Todos nós! — A voz voltou ao normal, tornou-se mais razoável. — Camaradas, olhem para os relatórios, "sookin sin" — deu-se ao luxo de proferir essa obscenidade (filho da ...) — olhem para os resultados! Primeiro, perdemos Guzenko, todo o "apparat" canadense e o cientista Fuchs; depois, o "apparat" norte-americano é desmantelado; a seguir, perdemos homens como Tokaev; logo, temos o escandaloso caso Khoklov que prejudicou tremendamente o nosso país; e, ainda, Petrov e sua mulher, na Austrália, uma falta de habilidade como jamais se viu igual! A lista é infindável; derrota após derrota, e o diabo sabe que não citei nem metade delas.

O general G. fez uma pausa. Prosseguiu no mais suave tom de voz. — Camaradas, devo adverti-los de que teremos complicações, a menos que, nesta noite, tracemos um plano para uma grande vitória do Serviço Secreto; a menos que esse plano seja bem feito e aprovado.

O general G. procurou uma frase final que desse idéia da ameaça, sem defini-la. — Haverá — fez uma pausa e olhou com fingida humildade para os componentes do grupo — descontentamento.

 

Capítulo 5 — "KONSPIRATSIA”

 

OS mujiques haviam sentido o "knut". O general G. concedeu-lhes alguns minutos para cuidarem das feridas e se recobrarem do choque causado pela flagelação oficial a que haviam sido submetidos.

Ninguém proferiu uma palavra de defesa. Ninguém justificou o seu departamento ou mencionou as inúmeras vitórias do "Intelligence" soviético, para confrontá-las com esses poucos erros. E nenhum deles criticou o direito do chefe da SMERSH, que se incluía entre os culpados, de fazer essa terrível denúncia. A "fala do trono" fora ouvida, e o general G. havia sido escolhido para seu arauto. Isso era um grande privilégio para ele, sinal de boas-graças, de promoção à vista, e todos os presentes, por prudência, guardaram em mente que o general G., e toda a SMERSH com ele, haviam atingido o pináculo na hierarquia do Serviço Secreto.