What sort of trick might things,
bored with matter, resort to?
The portrait doesn’t answer.
It stares at me and observes
itself in my dusty eyes.
My dead and living relatives
proliferate in the glass.
I’ve lost track of who went,
who stays. All I grasp
is the strange idea of family
moving through the flesh.
MOVIMENTO DA ESPADA
Estamos quites, irmão vingador.
Desceu a espada
e cortou o braço.
Cá está ele, molhado em rubro.
Dói o ombro, mas sobre o ombro
tua justiça resplandece.
Já podes sorrir, tua boca
moldar-se em beijo de amor.
Beijo-te, irmão, minha dívida
está paga.
Fizemos as contas, estamos alegres.
Tua lâmina corta, mas é doce,
a carne sente, mas limpa-se.
O sol eterno brilha de novo
e seca a ferida.
Mutilado, mas quanto movimento
em mim procura ordem.
O que perdi se multiplica
e uma pobreza feita de pérolas
salva o tempo, resgata a noite.
Irmão, saber que és irmão,
na carne como nos domingos.
Rolaremos juntos pelo mar …
Agasalhado em tua vingança,
puro e imparcial como um cadáver que o ar embalsamasse,
serei carga jogada às ondas,
mas as ondas, também elas, secam,
e o sol brilha sempre.
Sobre minha mesa, sobre minha cova, como brilha o sol!
Obrigado, irmão, pelo sol que me deste,
na aparência roubando-o.
Já não posso classificar os bens preciosos.
Tudo é precioso …
e tranquilo
como olhos guardados nas pálpebras.
SWIPE OF THE SWORD
We’re even, brother, you got your revenge.
Down came the sword
and off came my arm.
Here it is, dripping red.
My shoulder hurts, but upon it
your justice gleams.
Now you can smile, molding your lips
into a loving kiss.
I kiss you, brother,
my debt is paid.
We’ve settled accounts, we’re happy.
Your blade cuts but is sweet,
my flesh aches but will heal.
The eternal sun shines again
and dries the wound.
I’m mutilated, yes, but so much
movement in me seeks order.
What I’ve lost is multiplied,
and a poverty made of pearls
redeems time, saves the night.
Now I know you’re a brother,
in the flesh as well as on Sundays.
We’ll roll together in the sea …
Wrapped in your revenge,
pure and impartial as a corpse embalmed by air,
I’ll be cargo tossed to the waves,
but the waves dry up too,
and the sun always shines.
On my table, on my grave, how the sun shines!
Thank you, brother, for the sun you gave me
when it seemed you were taking it away.
I can no longer classify precious things.
Everything is precious …
and peaceful
like eyes ensconced behind eyelids.
ROLA MUNDO
Vi moças gritando
numa tempestade.
O que elas diziam
o vento largava,
logo devolvia.
Pávido escutava,
não compreendia.
Talvez avisassem:
mocidade é morta.
Mas a chuva, mas o choro,
mas a cascata caindo,
tudo me atormentava
sob a escureza do dia,
e vendo,
eu pobre de mim não via.
Vi moças dançando
num baile de ar.
Vi os corpos brandos
tornarem-se violentos
e o vento os tangia.
Eu corria ao vento,
era só umidade,
era só passagem
e gosto de sal.
A brisa na boca
me entristecia
como poucos idílios
jamais o lograram;
e passando,
por dentro me desfazia.
Vi o sapo saltando
uma altura de morro;
consigo levava
o que mais me valia.
Era algo hediondo
e meigo: veludo,
na mole algidez
parecia roubar
para devolver-me
já tarde e corrupta,
de tão babujada,
uma velha medalha
em que dorme teu eco.
Vi outros enigmas
à feição de flores
abertas no vácuo.
Vi saias errantes
demandando corpos
que em gás se perdiam,
e assim desprovidas
mais esvoaçavam,
tornando-se roxo,
azul de longa espera,
negro de mar negro.
Ainda se dispersam.
Em calma, longo tempo,
nenhum tempo, não me lembra.
Vi o coração de moça
esquecido numa jaula.
Excremento de leão,
apenas. E o circo distante.
Vi os tempos defendidos.
Eram de ontem e de sempre,
e em cada país havia
um muro de pedra e espanto,
e nesse muro pousada
uma pomba cega.
Como pois interpretar
o que os heróis não contam?
Como vencer o oceano
se é livre a navegação
mas proibido fazer barcos?
Fazer muros, fazer versos,
cunhar moedas de chuva,
inspecionar os faróis
para evitar que se acendam,
e devolver os cadáveres
ao mar, se acaso protestam,
eu vi; já não quero ver.
E vi minha vida toda
contrair-se num inseto.
Seu complicado instrumento
de voo e de hibernação,
sua cólera zumbidora,
seu frágil bater de élitros,
seu brilho de pôr de tarde
e suas imundas patas …
Joguei tudo no bueiro.
Fragmentos de borracha
e
cheiro de rolha queimada:
eis quanto me liga ao mundo.
Outras riquezas ocultas,
adeus, se despedaçaram.
Depois de tantas visões
já não vale concluir
se o melhor é deitar fora
a um tempo os olhos e os óculos.
E se a vontade de ver
também cabe ser extinta,
se as visões, interceptadas,
e tudo mais abolido.
Pois deixa o mundo existir!
Irredutível ao canto,
superior à poesia,
rola, mundo, rola, mundo,
rola o drama, rola o corpo,
rola o milhão de palavras
na extrema velocidade,
rola-me, rola meu peito,
rola os deuses, os países,
desintegra-te, explode, acaba!
ROLL, WORLD, ROLL
I saw girls shouting
in a thunderstorm.
What they were saying
the wind blew away,
then back again.
Alarmed, I listened
but understood nothing.
Perhaps they announced
that youth is dead.
But the rain, but the crying,
but the crashing cascade
were a torment to me
beneath the dark sky,
and while seeing it all,
I still couldn’t see.
I saw girls dancing
a dance of pure air.
I saw their soft bodies
becoming violent things
strummed by the wind.
I ran in the wind:
there was only wetness,
whooshing, and the taste
of salt.