But not death.
Life, in its irreducible form,
without embellishment or melodic commentary,
life aspired to like peace when we’re weary
(not death),
minimal, essential life; a beginning; a sleep;
less than earth, without warmth; without science or irony;
the least cruel thing we can desire: life
in which air isn’t breathed, but let it wrap me;
no wearing down of tissues; absence of tissues;
confusion between morning and afternoon, with no more pain,
since time’s no longer sectioned off; time
elided, subdued.
Not what’s dead or eternal or divine,
just what lives: tiny, quiet, indifferent,
solitary life.
That’s what I seek.
RESÍDUO
De tudo ficou um pouco.
Do meu medo. Do teu asco.
Dos gritos gagos. Da rosa
ficou um pouco.
Ficou um pouco de luz
captada no chapéu.
Nos olhos do rufião
de ternura ficou um pouco
(muito pouco).
Pouco ficou deste pó
de que teu branco sapato
se cobriu. Ficaram poucas
roupas, poucos véus rotos,
pouco, pouco, muito pouco.
Mas de tudo fica um pouco.
Da ponte bombardeada,
de duas folhas de grama,
do maço
— vazio — de cigarros, ficou um pouco.
Pois de tudo fica um pouco.
Fica um pouco de teu queixo
no queixo de tua filha.
De teu áspero silêncio
um pouco ficou, um pouco
nos muros zangados,
nas folhas, mudas, que sobem.
Ficou um pouco de tudo
no pires de porcelana,
dragão partido, flor branca,
ficou um pouco
de ruga na vossa testa,
retrato.
Se de tudo fica um pouco,
mas por que não ficaria
um pouco de mim? no trem
que leva ao norte, no barco,
nos anúncios de jornal,
um pouco de mim em Londres,
um pouco de mim algures?
na consoante?
no poço?
Um pouco fica oscilando
na embocadura dos rios
e os peixes não o evitam,
um pouco: não está nos livros.
De tudo fica um pouco.
Não muito: de uma torneira
pinga esta gota absurda,
meio sal e meio álcool,
salta esta perna de rã,
este vidro de relógio
partido em mil esperanças,
este pescoço de cisne,
este segredo infantil …
De tudo ficou um pouco:
de mim; de ti; de Abelardo.
Cabelo na minha manga,
de tudo ficou um pouco;
vento nas orelhas minhas,
simplório arroto, gemido
de víscera inconformada,
e minúsculos artefatos:
campânula, alvéolo, cápsula
de revólver … de aspirina.
De tudo ficou um pouco.
E de tudo fica um pouco.
Oh abre os vidros de loção
e abafa
o insuportável mau cheiro da memória.
Mas de tudo, terrível, fica um pouco,
e sob as ondas ritmadas
e sob as nuvens e os ventos
e sob as pontes e sob os túneis
e sob as labaredas e sob o sarcasmo
e sob a gosma e sob o vômito
e sob o soluço, o cárcere, o esquecido
e sob os espetáculos e sob a morte de escarlate
e sob as bibliotecas, os asilos, as igrejas triunfantes
e sob tu mesmo e sob teus pés já duros
e sob os gonzos da família e da classe,
fica sempre um pouco de tudo.
Às vezes um botão. Às vezes um rato.
RESIDUE
A little of everything remained.
Of my fear. Of your disgust.
Of stuttered cries. Of the rose
a little remained.
A little of the light glancing
off the hat remained.
A little (just a little)
of kindness remained
in the scoundrel’s eyes.
Little remained of the dust
that covered your white
shoes. A little clothing,
a few tattered veils, a little,
just a little, very little remained.
But a little of everything remains.
Of the bombed bridge,
of two blades of grass,
of the empty pack
of cigarettes a little remained.
Because a little of everything
remains: a little of your chin
in the chin of your daughter,
a little of your harsh silence
in the angry walls,
in the speechless,
climbing leaves.
A little of everything remained
in the porcelain saucer,
a cracked dragon, a white flower.
A few lines in your forehead,
a photo
remained.
If a little of everything remains,
why won’t a little of me
remain? In the train
for the north, in the boat,
in newspaper ads?
A little of me in London,
a little of me somewhere?
In that consonant …
In that well …
A little remains tossing
in the mouths of rivers,
and the fish don’t scorn it:
a little that isn’t in books.
A little of everything remains.
Not much: this absurd
drip from a faucet,
half salt, half alcohol,
this frog’s leg jumping,
this watch crystal shattered
into a thousand hopes,
this swan’s neck,
this childhood secret …
A little of everything remained:
of me, of you, of Abelard.
Hair on my sleeve,
a little of everything remained;
wind in my ears,
a silly burp, a groan
from a disgruntled bowel,
and minuscule artifacts:
bell jar, honeycomb, a bullet
casing, an aspirin capsule.
A little of everything remained.
And a little of everything remains.
Oh open these jars of lotion
and smother
the unbearable stench of memory.
But a little of everything terribly remains.
Under the breaking waves,
under the clouds and winds,
under bridges and under tunnels,
under flames and under sarcasm,
under slobber and under vomit,
under the sob, the jail, the forgotten,
under gala shows and scarlet deaths,
under libraries, asylums, and triumphant churches,
under you yourself and your crusty feet,
under the hinges of class and of family
a little of everything always remains.
Sometimes a button. Sometimes a rat.
OS ÚLTIMOS DIAS
Que a terra há de comer.
Mas não coma já.
Ainda se mova,
para o ofício e a posse.
E veja alguns sítios
antigos, outros inéditos.
Sinta frio, calor, cansaço;
pare um momento; continue.
Descubra em seu movimento
forças não sabidas, contatos.
O prazer de estender-se; o de
enrolar-se, ficar inerte.
Prazer de balanço, prazer de voo.
Prazer de ouvir música;
sobre papel deixar que a mão deslize.
Irredutível prazer dos olhos;
certas cores: como se desfazem, como aderem;
certos objetos, diferentes a uma luz nova.
Que ainda sinta cheiro de fruta,
de terra na chuva, que pegue,
que imagine e grave, que lembre.