All she wants is her baby girl
who one afternoon long ago in Cachoeiro
was a newborn and smelled of milk,
colic, and tears.
Forget the physical description of Luisa
and excuse this photograph,
poor semblances of a more intense reality
that no public notice can convey.
Call off the searches. Radios, stop broadcasting.
The calm of flowers opening
in the blue flowerbed
with blossoming breasts and a virgin figure
undefiled for all time …
And feeling is a way of understanding.
It’s useless to keep searching
for my dear daughter Luisa,
since while I roam through the world’s ashes
with worthless, lame feet, and while I suffer
and by suffering release and recompose myself
and again live and walk,
she’s perfectly still,
embedded in the center of that invisible star
Love.
JARDIM
Negro jardim onde violas soam
e o mal da vida em ecos se dispersa:
à toa uma canção envolve os ramos,
como a estátua indecisa se reflete
no lago há longos anos habitado
por peixes, não, matéria putrescível,
mas por pálidas contas de colares
que alguém vai desatando, olhos vazados
e mãos oferecidas e mecânicas,
de um vegetal segredo enfeitiçadas,
enquanto outras visões se delineiam
e logo se enovelam: mascarada,
que sei de sua essência (ou não a tem),
jardim apenas, pétalas, presságio.
GARDEN
Black garden where guitars are playing
and the pain of life spreads out in echoes:
a song meanders through the branches,
as the hesitant statue reflects on itself
in the pond inhabited for untold years
by fish, not fish, they’re decayable matter,
but by pale beads from necklaces
that someone unstrings, with blank eyes
and outstretched hands that mechanically move
under the spell of a vegetable secret,
while other visions come into focus,
then blur and fade: a masquerade,
whose essence (if it has one) eludes me,
it’s just a garden, petals, a portent.
CANTO ESPONJOSO
Bela
esta manhã sem carência de mito,
e mel sorvido sem blasfêmia.
Bela
esta manhã ou outra possível,
esta vida ou outra invenção,
sem, na sombra, fantasmas.
Umidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.
Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.
SPONGE SONG
Beautiful
morning with no need of myths,
sipping honey without blasphemy.
Beautiful
morning, this or some other morning,
this life or some other invention,
without any ghosts in the shadows.
The sand’s dampness clings to my feet.
I swallow the sea, which swallows me.
Seashells, curved thoughts, shades of complete
blue
light
over materialized forms.
Beautiful
passing body, blended into the whole
body of the world.
An urge to sing, but so intense
I hold my tongue, replete.
CLARO ENIGMA / CLEAR ENIGMA (1951)
AMAR
Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
sempre, e até de olhos vidrados, amar?
Que pode, pergunto, o ser amoroso,
sozinho, em rotação universal, senão
rodar também, e amar?
amar o que o mar traz à praia,
o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha,
é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?
Amar solenemente as palmas do deserto,
o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o áspero,
um vaso sem flor, um chão de ferro,
e o peito inerte, e a rua vista em sonho, e uma ave de rapina.
Este o nosso destino: amor sem conta,
distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão,
e na concha vazia do amor a procura medrosa,
paciente, de mais e mais amor.
Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.
LOVE
What can one creature among other creatures
do but love?
love and forget,
love and mislove,
love, unlove, love?
always, and with wide eyes, love?
What, I ask, can a loving soul
alone in the universal rotation do
but spin with everything else, and love?
love what the wave brings to shore,
what it buries, and what in the ocean breeze
is salt, or the need for love, or mere longing?
Love solemnly the desert palms,
the act of surrender, or expectant adoration …
And love what’s rough or barren,
a flowerless vase, an iron land,
the unfeeling breast, the street from a dream, a bird of prey …
This is our destiny: to spread unmeasured love
among treacherous or worthless things,
to give without limits to a total ingratitude,
and to search with hopeful patience, in love’s empty
shell, for still more love.
To love our very lack of love, and to love in our dryness
the implicit water, and the tacit kiss, and that infinite thirst.
TARDE DE MAIO
Como esses primitivos que carregam por toda parte o maxilar inferior de seus mortos,
assim te levo comigo, tarde de maio,
quando, ao rubor dos incêndios que consumiam a terra,
outra chama, não perceptível, e tão mais devastadora,
surdamente lavrava sob meus traços cômicos,
e uma a uma, disjecta membra, deixava ainda palpitantes
e condenadas, no solo ardente, porções de minh’alma
nunca antes nem nunca mais aferidas em sua nobreza
sem fruto.
Mas os primitivos imploram à relíquia saúde e chuva,
colheita, fim do inimigo, não sei que portentos.
Eu nada te peço a ti, tarde de maio,
senão que continues, no tempo e fora dele, irreversível,
sinal de derrota que se vai consumindo a ponto de
converter-se em sinal de beleza no rosto de alguém
que, precisamente, volve o rosto, e passa …
Outono é a estação em que ocorrem tais crises,
e em maio, tantas vezes, morremos.
Para renascer, eu sei, numa fictícia primavera,
já então espectrais sob o aveludado da casca,
trazendo na sombra a aderência das resinas fúnebres
com que nos ungiram, e nas vestes a poeira do carro
fúnebre, tarde de maio, em que desaparecemos,
sem que ninguém, o amor inclusive, pusesse reparo.
E os que o vissem não saberiam dizer: se era um préstito