os olhos policiais do amor-vigia.
Não me procurem que me perdi eu mesmo
como os homens se matam, e as enguias
à loca se recolhem, na água fria.
Dia,
espelho de projeto não vivido,
e contudo viver era tão flamas
na promessa dos deuses; e é tão ríspido
em meio aos oratórios já vazios
em que a alma barroca tenta confortar-se
mas só vislumbra o frio noutro frio.
Meu Deus, essência estranha
ao vaso que me sinto, ou forma vã,
pois que, eu essência, não habito
vossa arquitetura imerecida;
meu Deus e meu conflito,
nem vos dou conta de mim nem desafio
as garras inefáveis: eis que assisto
a meu desmonte palmo a palmo e não me aflijo
de me tornar planície em que já pisam
servos e bois e militares em serviço
da sombra, e uma criança
que o tempo novo me anuncia e nega.
Terra a que me inclino sob o frio
de minha testa que se alonga,
e sinto mais presente quanto aspiro
em ti o fumo antigo dos parentes,
minha terra, me tens; e teu cativo
passeias brandamente
como ao que vai morrer se estende a vista
de espaços luminosos, intocáveis:
em mim o que resiste são teus poros.
Corto o frio da folha. Sou teu frio.
E sou meu próprio frio que me fecho
longe do amor desabitado e líquido,
amor em que me amaram, me feriram
sete vezes por dia em sete dias
de sete vidas de ouro,
amor, fonte de eterno frio,
minha pena deserta, ao fim de março,
amor, quem contaria?
E já não sei se é jogo, ou se poesia.
ELEGY
I’ve earned (I’ve lost) my day.
And that cold thing called night
falls, and the cold blends with cold
to make fog, in a breath.
And I question myself and breathe that same self
in the parting of this day that was a thousand
for me who expected
big, explosive suns. I felt rich
with this day, and there it quietly went,
behind the cold ridge.
Did I lose my soul in the prime of day, or had I lost
that vague treasure in a prior age?
But why wonder when, if I was lost
before birth
and in birth I woke up to a life of losing
fruits I never had and would never harvest?
I spent my day. And lost myself.
Out of so many losses a clear path
was bound to open
from me to me, a cold headstone.
The trees outside reflect on their treeness.
In me the winter’s warm, since I cradle it,
and it melts in me
this crying lump of salt.
Oh, enough laments and verses uttered
to the ear of a faceless being without justice,
to the ear of a wall,
to the smooth, dripping ear
of a pool that distractedly weaves
its watery rug, indifferent to time.
I’m going to retreat
to the strongbox of ghosts, where news
of the lost can’t reach me nor catch the attention
of watchful love’s patrolling eyes.
Don’t look for me: I’ve lost myself
as some men kill themselves, and eels
retreat to their cold-water dens.
Day:
a mirror of what I didn’t live,
and yet the life the gods promised
was so vibrant; and it is so austere
amid deserted chapels
where a baroque soul seeking comfort
discerns, in the coldness, only more coldness.
My God, essence extraneous
to the vessel or useless form I feel is me,
since I, in my essence, am not fit
to inhabit your lofty architecture;
my God and my conflict,
I don’t plead my cause or defy
your ineffable claws. I witness
my slow dissolution, resigned
to becoming open country treaded on
by serfs, oxen, and soldiers in the service
of darkness, and by a child
the new era promises but denies me.
Earth I bow to, under the cold
of my brow growing longer in time,
earth I feel closer to, the more I inhale
the ancient scent of my relatives in you,
earth that’s my earth, I’m yours; and indulgently
you stroll your captive
even as men doomed to die are given
to see luminous, untouchable expanses:
what in me still resists are your pores.
I cut the leaf’s coldness. I am your coldness.
And I’m my own cold closing in on me,
far from the liquid love I fled,
the love of others loving me, wounding me,
seven times a day seven days out of seven
in seven golden lives,
love, fountain of eternal cold,
my pain and pen abandoned, at the end of March,
love, who’d tell the story?
And I don’t know if it’s a game, or poetry.
A VIDA PASSADA A LIMPO / FAIR COPY OF LIFE (1959)
NUDEZ
Não cantarei amores que não tenho,
e, quando tive, nunca celebrei.
Não cantarei o riso que não rira
e que, se risse, ofertaria a pobres.
Minha matéria é o nada.
Jamais ousei cantar algo de vida:
se o canto sai da boca ensimesmada,
é porque a brisa o trouxe, e o leva a brisa,
nem sabe a planta o vento que a visita.
Ou sabe? Algo de nós acaso se transmite,
mas tão disperso, e vago, tão estranho,
que, se regressa a mim que o apascentava,
o ouro suposto é nele cobre e estanho,
estanho e cobre,
e o que não é maleável deixa de ser nobre,
nem era amor aquilo que se amava.
Nem era dor aquilo que doía;
ou dói, agora, quando já se foi?
Que dor se sabe dor, e não se extingue?
(Não cantarei o mar: que ele se vingue
de meu silêncio, nesta concha.)
Que sentimento vive, e já prospera
cavando em nós a terra necessária
para se sepultar à moda austera
de quem vive sua morte?
Não cantarei o morto: é o próprio canto.
E já não sei do espanto,
da úmida assombração que vem do norte
e vai do sul, e, quatro, aos quatro ventos,
ajusta em mim seu terno de lamentos.
Não canto, pois não sei, e toda sílaba
acaso reunida
a sua irmã, em serpes irritadas vejo as duas.
Amador de serpentes, minha vida
passarei, sobre a relva debruçado,
a ver a linha curva que se estende,
ou se contrai e atrai, além da pobre
área de luz de nossa geometria.
Estanho, estanho e cobre,
tais meus pecados, quanto mais fugi
do que enfim capturei, não mais visando
aos alvos imortais.
Ó descobrimento retardado
pela força de ver.
Ó encontro de mim, no meu silêncio,
configurado, repleto, numa casta
expressão de temor que se despede.
O golfo mais dourado me circunda
com apenas cerrar-se uma janela.
E já não brinco a luz. E dou notícia
estrita do que dorme,
sob placa de estanho, sonho informe,
um lembrar de raízes, ainda menos
um calar de serenos
desidratados, sublimes ossuários
sem ossos;
a morte sem os mortos; a perfeita
anulação do tempo em tempos vários,