One day this cow’s silence, this creaking,
will strike me in their phenomenal
perfection, wholly tangible,
in front and at the back and from the side.
Someone next to me asks:
What’s with you?
And it’s nothing
except the gate’s sound, the silent cow.
Landscape: a land
made from thoughts of landscape
in the creative distance of space-time,
when things, without any prints
or documents, exist more fiercely
than we do: they colonize
and watch us, stare at us. Submissive
objects of regard, we are their pasture.
We are the landscape’s landscape.
BOITEMPO / OXTIME (THREE VOLUMES, 1968/1973/1979)
BIBLIOTECA VERDE
Papai, me compra a Biblioteca Internacional de Obras Célebres.
São só 24 volumes encadernados
em percalina verde.
Meu filho, é livro demais para uma criança.
Compra assim mesmo, pai, eu cresço logo.
Quando crescer eu compro. Agora não.
Papai, me compra agora. É em percalina verde,
só 24 volumes. Compra, compra, compra.
Fica quieto, menino, eu vou comprar.
Rio de Janeiro? Aqui é o Coronel.
Me mande urgente sua Biblioteca
bem acondicionada, não quero defeito.
Se vier com arranhão recuso, já sabe:
quero devolução de meu dinheiro.
Está bem, Coronel, ordens são ordens.
Segue a Biblioteca pelo trem de ferro,
fino caixote de alumínio e pinho.
Termina o ramal, o burro de carga
vai levando tamanho universo.
Chega cheirando a papel novo, mata
de pinheiros toda verde. Sou
o mais rico menino destas redondezas.
(Orgulho, não; inveja de mim mesmo.)
Ninguém mais aqui possui a coleção
das Obras Célebres. Tenho de ler tudo.
Antes de ler, que bom passar a mão
no som da percalina, esse cristal
de fluida transparência: verde, verde.
Amanhã começo a ler. Agora não.
Agora quero ver figuras. Todas.
Templo de Tebas. Osíris, Medusa,
Apolo nu, Vênus nua … Nossa
Senhora, tem disso nos livros?
Depressa, as letras. Careço ler tudo.
A mãe se queixa: Não dorme este menino.
O irmão reclama: Apaga a luz, cretino!
Espermacete cai na cama, queima
a perna, o sono. Olha que eu tomo e rasgo
essa Biblioteca antes que pegue fogo
na casa. Vai dormir, menino, antes que eu perca
a paciência e te dê uma sova. Dorme,
filhinho meu, tão doido, tão fraquinho.
Mas leio, leio. Em filosofias
tropeço e caio, cavalgo de novo
meu verde livro, em cavalarias
me perco, medievo; em contos, poemas
me vejo viver. Como te devoro,
verde pastagem. Ou antes carruagem
de fugir de mim e me trazer de volta
à casa a qualquer hora num fechar
de páginas?
Tudo que sei é ela que me ensina.
O que saberei, o que não saberei
nunca,
está na Biblioteca em verde murmúrio
de flauta-percalina eternamente.
GREEN LIBRARY
Daddy, buy me the International Library of Famous Literature,
just 24 volumes, bound in green
percaline cloth.
Son, that’s too much reading for a little boy.
Buy it anyway, Daddy, I’ll grow up soon.
When you grow up, I’ll buy it. Not now.
Daddy, buy it for me now. It comes in green percaline,
just 24 volumes. Buy it, buy it, buy it.
Calm down, boy, I’ll buy it.
Rio de Janeiro? This is the Colonel.
Send me your Library posthaste.
Make sure it’s well packed, I want it
in perfect condition. If it arrives with scratches
I’ll refuse it and demand my money back.
No problem, Colonel, your wish is our command.
The Library is sent by train
in a fancy aluminum and pinewood crate.
From the end of the train line a pack mule
carries that enormous universe.
It arrives with the fragrance of brand-new
paper, a green pinewood forest.
I’m the richest boy in those parts.
(Not proud, just envious of myself.)
No one else around owns this collection
of Famous Literature. I have to read it all.
Before I start reading, how good it feels to pass
my hand over the sound of percaline,
that fluidly transparent crystaclass="underline" green, green.
Tomorrow I’ll start reading. Not now.
Now I want to see illustrations. All of them.
The temple of Thebes. Osiris, Medusa,
Apollo naked, Venus naked … Holy
Lord, the books show that?
Now the letters, the words. I have to read everything.
My mother complains: This child doesn’t sleep.
My brother gets mad: Turn the light off, moron!
Wax falls on the bed, burning
my leg, my sleep. You watch it or I’m going to rip
that Library to shreds before it sets the house
on fire. Go to bed, boy, before I lose
my temper and give you a good spanking. Sleep,
dear child, so silly, so weak.
But I read, I read. I trip and fall
on philosophies, then ride again
my green book, a knight caught up
in cavalries. I see myself living
in stories, poems. How I devour you,
green pasture. Or are you a carriage
for escaping myself and bringing me
instantly back home, just by my closing
the covers?
It teaches me everything I know.
What I’ll know much later,
or never,
is in that Library bound in murmuring-green
flute-percaline forever.
PROCURAR O QUÊ
O que a gente procura muito e sempre não é isto nem aquilo. É outra coisa.
Se me perguntam que coisa é essa, não respondo, porque não é da conta de ninguém o que estou procurando.
Mesmo que quisesse responder, eu não podia. Não sei o que procuro. Deve ser por isso mesmo que procuro.
Me chamam de bobo porque vivo olhando aqui e ali, nos ninhos, nos caramujos, nas panelas, nas folhas de bananeira, nas gretas do muro, nos espaços vazios.
Até agora não encontrei nada. Ou encontrei coisas que não eram a coisa procurada sem saber, e desejada.
Meu irmão diz que não tenho mesmo jeito, porque não sinto o prazer dos outros na água do açude, na comida, na manja, e procuro inventar um prazer que ninguém sentiu ainda.
Ele tem experiência de mato e de cidade, sabe explorar os mundos, as horas. Eu tropeço no possível, e não desisto de fazer a descoberta do que tem dentro da casca do impossível.
Um dia descubro. Vai ser fácil, existente, de pegar na mão e sentir. Não sei o que é. Não imagino forma, cor, tamanho. Nesse dia vou rir de todos.
Ou não. A coisa que me espera, não poderei mostrar a ninguém. Há de ser invisível para todo mundo, menos para mim, que de tanto procurar fiquei com merecimento de achar e direito de esconder.
LOOKING FOR WHAT
What I’m always and anxiously looking for isn’t this or that. It’s something else.
If I’m asked what that something is, I don’t answer, because it’s nobody’s business what I’m looking for.
Even if I wanted to answer, I couldn’t. I don’t know what I’m looking for. That must be why I’m looking.