They call me a dimwit because I peer into everything: nests, seashells, pots and pans, banana leaves, cracks in the wall, empty spaces.
So far I haven’t found anything. Or I’ve found things that weren’t the unknown thing I’m looking for, and longing for.
My brother says I’m a dummy, since I don’t get the same pleasure others do from eating, swimming at the dam, or playing hide-and-seek, and I’m trying to invent a pleasure that no one’s ever had.
He knows the woods and the city, how to explore worlds and time. I trip over what’s possible and keep hoping to discover what’s inside the shell of the impossible.
One day I’ll find it. It will be something simple, real, that I can pick up in my hand and feel. I don’t know what it is. I can’t imagine its shape, size, or color. On that day I’ll laugh at everyone.
Or I won’t. I won’t be able to show anyone the thing that’s waiting for me. It will be invisible to everyone but me, who looked so hard and long that I’ll deserve to find it and be entitled to hide it.
CUIDADO
A porta cerrada
não abras.
Pode ser que encontres
o que não buscavas
nem esperavas.
Na escuridão
pode ser que esbarres
no casal em pé
tentando se amar
apressadamente.
Pode ser que a vela
que trazes na mão
te revele, trêmula,
tua escrava nova,
teu dono-marido.
Descuidosa, a porta
apenas cerrada
pode te contar
conto que não queres
saber.
BE CAREFUL
Don’t open
the closed door.
You might find what
you weren’t seeking
or expecting.
In the darkness
you might stumble
on a hurried couple
trying to make
love standing up.
That candle
in your hand might
show you, fluttering,
your young slave girl,
your owner-husband.
If you’re not careful,
that just-closed door
might tell you a story
you don’t want
to know.
MULHER VESTIDA DE HOMEM
Dizem que à noite Márgara passeia
vestida de homem da cabeça aos pés.
Vai de terno preto, de chapéu de lebre
na cabeça enterrado, assume
o ser diverso que nela se esconde,
ser poderoso: compensa
a fragilidade de Márgara na cama.
Márgara vai em busca de quê? de quem?
De ninguém, de nada, senão de si mesma,
farta de ser mulher. A roupa veste-lhe
outra existência por algumas horas.
Em seu terno preto, foge das lâmpadas
denunciadoras; foge das persianas
abertas; a tudo foge
Márgara homem só quando noite.
Calças compridas, cigarro aceso
(Márgara fuma, vestida de homem)
corta, procissão sozinha, as ruas
que jamais viram mulher assim.
Nem eu a vejo, que estou dormindo.
Sei, que me contam. Não a viu ninguém?
Mas é voz pública: chapéu desabado,
casimira negra, negras botinas,
talvez bengala,
talvez? revólver.
Esta noite — já decidi — levanto,
saio solerte, surpreendo Márgara,
olho bem para ela
e não exclamo, reprovando
a clandestina veste inconcebível.
Sou seu amigo, sem desejo,
amigo-amigo puro,
desses de compreender sem perguntar.
Não precisa contar-me o que não conte
a seu marido nem a seu amante.
A (o) esquiva Márgara sorri
e de mãos dadas vamos
menino-homem, mulher-homem,
de noite pelas ruas passeando
o desgosto do mundo malformado.
WOMAN DRESSED AS A MAN
They say that Márgara goes out at night
dressed as a man from head to toe.
She wears a black suit and covers her head
with a hareskin hat, becoming
the different self that hides inside her,
a powerful self that compensates
for the helplessness of Márgara in bed.
What, or whom, is she searching for?
For nothing, for no one, except herself,
tired of being a woman. Clothes dress her
for several hours with another existence.
Clad in her black suit, she avoids
the glare of streetlights, she avoids unshuttered
windows. Márgara the man (only at night)
avoids everything.
With long trousers and a lit cigarette
(Márgara smokes when dressed as a man),
in a solitary procession she crosses streets
that have never seen a woman like that.
Nor do I see her — I’m in bed sleeping.
I know because they tell me. Nobody’s
seen her? But it’s public knowledge: a hat
with turned-down brim, a black cashmere jacket,
black boots, perhaps a cane,
maybe even a gun.
Tonight — I’ve decided — I’m going to get up,
sneak out of the house, and surprise Márgara.
I’ll look straight at her
and not cry out, not condemn
her outlandish clandestine outfit.
I’m your friend, without desire,
a pure friend-friend,
the kind who understands without asking.
You don’t need to tell me what
you don’t tell your husband or lover.
Cautious Márgara smiles at me,
and hand in hand we walk in the night,
a boy-man and a woman-man,
parading through the dark streets
our discontent with the malformed world.
O PADRE PASSA NA RUA
Beijo a mão do padre
a mão de Deus
a mão do céu
beijo a mão do medo
de ir para o inferno
o perdão
de meus pecados passados e futuros
a garantia de salvação
quando o padre passa na rua
e meu destino passa com ele
negro
sinistro
irretratável
se eu não beijar a sua mão.
THE PRIEST WALKS DOWN THE STREET
I kiss the hand of the priest
the hand of God
the hand of heaven
I kiss the hand of fear
of going to hell
forgiveness
for my past and future sins
the promise of salvation
when the priest walks down the street
and my fate walks with him
black
sinister
irrevocable
if I don’t kiss his hand.
CONFISSÃO
Na pequena cidade
não conta seu pecado.
É terrível demais para contar
nem merece perdão.
Conta as faltas simples
e guarda seu segredo de seu mundo.
A eterna penitência:
três padres-nossos, três ave-marias.
Não diz o padre, é como se dissesse:
— Peque o simples, menino, e vá com Deus.
O pecado graúdo
acrescido do outro de omiti-lo
aflora noite alta
em avenidas úmidas de lágrimas,
escorpião mordendo a alma
na pequena cidade.
Cansado de estar preso
um dia se desprende no colégio
e se confessa, hediondo.