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— Mas você tem certeza de que fez

o que pensa que fez, ou sonha apenas?

Há pecados maiores do que nós.

Em vão tentamos cometê-los, ainda é cedo.

Vá em paz com seus pecados simples,

reze três padres-nossos, três ave-marias.

CONFESSION

In that small town

he doesn’t tell his sin.

It’s too terrible to tell

and doesn’t deserve forgiveness.

He tells his little misdeeds

and hides the secret of his world.

The eternal penance:

three Our Fathers and three Hail Marys.

The priest doesn’t say it, but it’s as if he said,

“Stick to little sins, son, and God be with you.”

His big sin,

compounded by the sin of not telling it,

rears its head at night

on tear-soaked avenues,

a scorpion gnawing at his soul

in that small town.

Tired of being enchained,

one day at school he breaks loose

and tells the awful truth in confession.

“But are you certain of having done

what you think you did, or are you just dreaming?

There are sins bigger than we are,

and in vain we try to commit them. You’re still young.

“Go in peace with your little sins.

Say three Our Fathers and three Hail Marys.”

A PUTA

Quero conhecer a puta.

A puta da cidade. A única.

A fornecedora.

Na Rua de Baixo

onde é proibido passar.

Onde o ar é vidro ardendo

e labaredas torram a língua

de quem disser: Eu quero

a puta

quero a puta quero a puta.

Ela arreganha dentes largos

de longe. Na mata do cabelo

se abre toda, chupante

boca de mina amanteigada

quente. A puta quente.

É preciso crescer

esta noite a noite inteira sem parar

de crescer e querer

a puta que não sabe

o gosto do desejo do menino

o gosto menino

que nem o menino

sabe, e quer saber, querendo a puta.

THE WHORE

I want to know the whore.

The town whore. The only one.

The supplier.

On Lower Street,

where we’re not allowed to go.

Where the air is burning glass

and flames sear the tongue

of whoever says: I want

the whore

I want the whore I want the whore.

She bares large teeth

from afar. In her forest of hair

she opens wide the sucking

mouth of a hot buttery

mine. The hot whore.

I’ve got to grow

tonight all night unceasingly

to grow and to want

the whore who doesn’t know

the taste of the boy’s desire,

the boyish taste

not even the boy knows,

and he wants to know, wanting the whore.

TRÊS NO CAFÉ

No café semideserto

a mosca tenta

pousar no torrão de açúcar sobre o mármore.

Enxoto-a. Insiste. Enxoto-a.

A luz é triste, amarela, desanimada.

Somos dois à espera

de que o garçom, mecânico, nos sirva.

Olho para o companheiro até a altura da gravata.

Não ouso subir ao rosto marcado.

Fixo-me na corrente do relógio

presa ao colete; velhos tempos.

Pouco falamos. O som das xícaras,

quase uma conversa. Tão raro

assim nos encontrarmos frente a frente

mais que por minutos.

Mais raro ainda,

na banalidade do café.

A mosca volta.

Já não a espanto. Queda entre nós,

partícipe de mútuo entendimento.

Então, é este o mesmo homem

de antes de eu nascer

e de amanhã e sempre?

Curvado.

Seu olhar é cansaço de existência,

ou sinto já (nem pensar) a sua morte?

Este estar juntos no café,

não hei de esquecê-lo nunca, de tão seco

e desolado — os três

eu, ele, a mosca—:

imagens de mera circunstância

ou do obscuro

irreparável sentido de viver.

THREESOME IN A CAFÉ

In the half-empty café

a fly circling over the marble table

tries to land on a lump of sugar.

I shoo it away. It insists. I shoo it away.

The lighting is sad, yellow, discouraged.

There are two of us waiting

to be served by the mechanical waiter.

I look at my companion as far up as his necktie.

I don’t dare go as high as his furrowed face.

I fix my eyes on the watch chain

attached to his vest: the old days.

We hardly talk. The clinking of our teacups,

a quasi-conversation. It’s rare

for us to meet like this, face to face,

for more than a few minutes.

Rarer still,

in the banal setting of a café.

The fly returns.

I no longer fight it. It sits between us,

partaking in our mutual understanding.

So is this the same man

from when I wasn’t yet born,

from tomorrow and forever?

Hunched over.

Weariness of existing fills his gaze,

or do I already feel (God forbid) his death?

I’ll surely never forget this time spent

together, so arid and desolate, here

in this café, the three of us:

me, him, the fly: images

of mere circumstance

or of the obscure

irreparable meaning of life.

CORPO / BODY (1984)

AS CONTRADIÇÕES DO CORPO

Meu corpo não é meu corpo,

é ilusão de outro ser.

Sabe a arte de esconder-me

e é de tal modo sagaz

que a mim de mim ele oculta.

Meu corpo, não meu agente,

meu envelope selado,

meu revólver de assustar,

tornou-se meu carcereiro,

me sabe mais que me sei.

Meu corpo apaga a lembrança

que eu tinha de minha mente.

Inocula-me seu patos,

me ataca, fere e condena

por crimes não cometidos.

O seu ardil mais diabólico

está em fazer-se doente.

Joga-me o peso dos males

que ele tece a cada instante

e me passa em revulsão.

Meu corpo inventou a dor

a fim de torná-la interna,

integrante do meu Id,

ofuscadora da luz

que aí tentava espalhar-se.

Outras vezes se diverte

sem que eu saiba ou que deseje,

e nesse prazer maligno,

que suas células impregna,

do meu mutismo escarnece.

Meu corpo ordena que eu saia

em busca do que não quero,

e me nega, ao se afirmar

como senhor do meu Eu

convertido em cão servil.

Meu prazer mais refinado,

não sou eu quem vai senti-lo.

É ele, por mim, rapace,

e dá mastigados restos

à minha fome absoluta.

Se tento dele afastar-me,

por abstração ignorá-lo,

volta a mim, com todo o peso

de sua carne poluída,

seu tédio, seu desconforto.

Quero romper com meu corpo,

quero enfrentá-lo, acusá-lo,