As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
SEVEN-SIDED POEM
When I was born, one of those twisted
angels who live in the shadows said:
“Carlos, get ready to be a misfit in life!”
The houses watch the men
who chase after women.
If desire weren’t so rampant,
the afternoon might be blue.
The passing streetcar’s full of legs:
white and black and yellow legs.
My heart asks why, my God, so many legs?
My eyes, however,
ask no questions.
The man behind the mustache
is serious, simple, and strong.
He hardly ever talks.
Only a very few are friends
with the man behind the glasses and mustache.
My God, why have you forsaken me
if you knew that I wasn’t God,
if you knew that I was weak.
World so large, world so wide,
if my name were Clyde,
it would be a rhyme but not an answer.
World so wide, world so large,
my heart’s even larger.
I shouldn’t tell you,
but this moon
but this brandy
make me sentimental as hell.
INFÂNCIA
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala — e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
— Psiu … Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro … que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
CHILDHOOD
My father rode off on his horse to the fields.
My mother sat in a chair and sewed.
My little brother slept.
And I, on my own among the mango trees,
read the story of Robinson Crusoe.
A long story that never ends.
In the white light of noon, a voice that learned lullabies
in shanties from the slave days and never forgot them
called us for coffee.
Coffee as black as the old black maid,
pungent coffee,
good coffee.
My mother, still sitting there sewing,
looked at me:
“Shhh … Don’t wake the baby.”
Then at the crib where a mosquito had landed.
She uttered a sigh … how deep!
Far away my father was riding
in the ranch’s endless pasture.
And I didn’t know that my story
was more beautiful than Robinson Crusoe’s.
LAGOA
Eu não vi o mar.
Não sei se o mar é bonito,
não sei se ele é bravo.
O mar não me importa.
Eu vi a lagoa.
A lagoa, sim.
A lagoa é grande
e calma também.
Na chuva de cores
da tarde que explode
a lagoa brilha
a lagoa se pinta
de todas as cores.
Eu não vi o mar.
Eu vi a lagoa …
LAKE
I never saw the sea.
I don’t know if it’s pretty,
I don’t know if it’s rough.
The sea doesn’t matter to me.
I saw the lake.
Yes, the lake.
The lake is large
and also calm.
The rain of colors
from the exploding afternoon
makes the lake shimmer
makes it a lake painted
by every color.
I never saw the sea.
I saw the lake …
NO MEIO DO CAMINHO
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra.
IN THE MIDDLE OF THE ROAD
In the middle of the road there was a stone
there was a stone in the middle of the road
there was a stone
in the middle of the road there was a stone.
I will never forget that event
in the life of my exhausted retinas.
I will never forget that in the middle of the road
there was a stone
there was a stone in the middle of the road
in the middle of the road there was a stone.
QUADRILHA
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi pra os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história.
SQUARE DANCE
João loved Teresa who loved Raimundo
who loved Maria who loved Joaquim who loved Lili
who didn’t love anyone.
João went to the United States, Teresa to a convent,
Raimundo died in an accident, Maria became a spinster,
Joaquim committed suicide, and Lili married J. Pinto Fernandes,
who had nothing to do with the story.
CORAÇÃO NUMEROSO
Foi no Rio.
Eu passeava na Avenida quase meia-noite.
Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.
Havia a promessa do mar
e bondes tilintavam,
abafando o calor
que soprava no vento
e o vento vinha de Minas.
Meus paralíticos sonhos desgosto de viver
(a vida para mim é vontade de morrer)
faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente
na Galeria Cruzeiro quente quente
e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro,
nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.