Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas
autos abertos correndo caminho do mar
voluptuosidade errante do calor
mil presentes da vida aos homens indiferentes,
que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.
O mar batia em meu peito, já não batia no cais.
A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu
a cidade sou eu
sou eu a cidade
meu amor.
MULTITUDINOUS HEART
It happened in Rio.
I was walking on the Avenida close to midnight.
Breasts were bouncing amid lights flashing countless stars.
The promise of the sea
and the jangle of streetcars
tempered the heat
that wafted in the wind
and the wind came from Minas Gerais.
My paralytic dreams the ennui of living
(life for me is the wish to die)
reduced me to a human barrel-organ remotely
in the shopping arcade of the Hotel Avenida sultry sultry
and since I knew no one, just the soft wind from Minas,
and didn’t feel like drinking, I said: Let’s end this.
But an excitement throbbed in the city its long buildings
cars with tops down zooming toward the sea
the sensuously roving heat
a thousand gifts of life for indifferent people,
and my heart beat violently, my useless eyes cried.
The sea was beating in my chest, no longer against the wharf.
The street ended, where did the trees go? the city is me
the city is me
I am the city
my love.
NOTA SOCIAL
O poeta chega na estação.
O poeta desembarca.
O poeta toma um auto.
O poeta vai para o hotel.
E enquanto ele faz isso
como qualquer homem da terra,
uma ovação o persegue
feito vaia.
Bandeirolas
abrem alas.
Bandas de música. Foguetes.
Discursos. Povo de chapéu de palha.
Máquinas fotográficas assestadas.
Automóveis imóveis.
Bravos …
O poeta está melancólico.
Numa árvore do passeio público
(melhoramento da atual administração)
árvore gorda, prisioneira
de anúncios coloridos,
árvore banal, árvore que ninguém vê
canta uma cigarra.
Canta uma cigarra que ninguém ouve
um hino que ninguém aplaude.
Canta, no sol danado.
O poeta entra no elevador
o poeta sobe
o poeta fecha-se no quarto.
O poeta está melancólico.
SOCIAL NOTES
The poet arrives at the station.
The poet steps off the train.
The poet takes a taxi.
The poet goes to the hotel.
And as he does all this
like any earthly man,
hoorays pursue him
like hoots.
Waving pennants
open up to make way.
Bands play. There are fireworks.
Speeches. People in straw hats.
Cameras ready to click.
Cars standing still.
Cheers …
The poet is melancholy.
In a tree on the public promenade
(laid out by the current administration),
in a fat tree imprisoned
by colorful posters,
in an ordinary tree that no one sees,
a cicada is singing.
A cicada that no one hears is singing
a song that no one applauds.
It sings, in the blistering sun.
The poet enters the elevator
the poet ascends
the poet shuts himself in his room.
The poet is melancholy.
POEMA DA PURIFICAÇÃO
Depois de tantos combates
o anjo bom matou o anjo mau
e jogou seu corpo no rio.
As águas ficaram tintas
de um sangue que não descorava
e os peixes todos morreram.
Mas uma luz que ninguém soube
dizer de onde tinha vindo
apareceu para clarear o mundo,
e outro anjo pensou a ferida
do anjo batalhador.
PURIFICATION POEM
After many battles
the good angel killed the bad angel
and threw his corpse in the river.
The waters were stained
by a blood whose red wouldn’t fade,
and the fish all died.
But one day a light
from nobody knew where
arrived to illumine the world,
and another angel nursed the wound
of the fighter angel.
BREJO DAS ALMAS / SWAMP OF SOULS (1934)
SONETO DA PERDIDA ESPERANÇA
Perdi o bonde e a esperança.
Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo.
Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora.
Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não? na noite escassa
com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno.
SONNET OF MISSING HOPE
I missed the streetcar and am missing
hope. Downhearted, I head
home. The street is useless,
and no car would run me over.
I’ll climb the slow slope
where the paths all come together.
They all lead back to the beginning
of the drama and the flora.
I don’t know if I’m suffering
or if someone’s having fun
(why not?) with a cryptic flute
on this stingy night. But I know
that for ages we’ve been crying
Yes! to the eternal.
POEMA PATÉTICO
Que barulho é esse na escada?
É o amor que está acabando,
é o homem que fechou a porta
e se enforcou na cortina.
Que barulho é esse na escada?
É Guiomar que tapou os olhos
e se assoou com estrondo.
É a lua imóvel sobre os pratos
e os metais que brilham na copa.
Que barulho é esse na escada?
É a torneira pingando água,
é o lamento imperceptível
de alguém que perdeu no jogo
enquanto a banda de música
vai baixando, baixando de tom.
Que barulho é esse na escada?
É a virgem com um trombone,
a criança com um tambor,
o bispo com uma campainha
e alguém abafando o rumor
que salta de meu coração.
EMPATHETIC POEM
What noise is that on the stairs?
It’s love coming to an end,
it’s the man who shut the door
and hung himself with the curtain.
What noise is that on the stairs?
It’s Guiomar covering her eyes
and blowing her nose like a horn.
It’s the plates and pans in the pantry
lit up by a still moon.
What noise is that on the stairs?
It’s the faucet dripping water,
it’s the indiscernible cursing
of someone who lost the game
while the music from the band