NADA DURA PARA SEMPRE
SIDNEY SHELDON
Titulo originaclass="underline" NOTHING LASTS FOREVER
Para Anastasia e Roderick Nlann, com amor
O que não se pode curar com medicamentos, cura-se com a faca; o que a faca não consegue curar, cura-se com o ferro cauterizador; e tudo o que isto não consegue curar deve ser considerado incurável.
HIPÓCRATES, SÉCULO V A.C.
Existem três classes de seres humanos: homens, mulheres e médicas.
SIR WILLIAM OSLER
O autor deseja expressar os seus mais sinceros agradecimentos a todos os médicos, enfermeiras e pessoal que com ele partilharam os seus conhecimentos.
Prólogo
São Francisco Primavera de 1995
O promotor público Carl Andrews estava furioso:
- Que raio se passa aqui? - perguntou. - Temos três médicas a viverem juntas e a trabalhar no mesmo hospital. Uma delas quase consegue fechar um hospital inteiro, a segunda mata um doente por um milhão de dólares e a terceira é assassinada!
- Interrompeu-se para tomar fôlego: - E todas são mulheres! Três malditas médicas!
A comunicação social trata-as como celebridades. São vistas em todos os canais. O Sessenta Minutos mostrou um programa sobre elas. Barbara Walters fez um especial sobre elas. Não consigo pegar num jornal ou revista sem ver a fotografia ou ler artigos sobre elas. O Two to one, de Hollywood, vai fazer um filme sobre elas e transformar as putas numa espécie de heroínas! Não me espantava nada que o Governo pusesse a cara delas em selos de correio, tal como Presley. Ora, valha-me Deus, eu não suporto isso! - Deu um murro na fotografia da mulher da capa de uma revista Time. A legenda dizia: “Dra. Paige Taylor Anjo da Misericórdia ou Discípula do Diabo?” - Doutora Paige Taylor - disse o promotor público cheio de asco. Voltouse para Gus Venable, o seu melhor advogado de acusação: - Vou entregarte este caso, Gus. Quero uma condenação. Assassinato de primeiro grau!
Câmara de gás!
- Não se preocupe - disse Gus Venable, baixinho - Eu tratarei disso.
Sentado na sala do tribunal a olhar para a Dra. Paige Taylor, Gus Venable pensou: “Ela é à prova de júri.” Depois, sorriu-se: “Ninguém é à prova de júri.” Era alta e esbelta, com penetrantes olhos castanhos num rosto pálido.
Um observador desinteressado tê-la-ia considerado uma mulher atraente.
Outro mais atento teria notado algo mais - que todas as diferentes fases da sua vida coexistiam nela. Notava-se a alegria da infância, sobreposta pela incerteza tímida da adolescência e a sabedoria e dor da mulher adulta.
Exibia um aspecto inocente. “É o tipo de rapariga”, pensou cinicamente Gus Venable, “que um homem apresentaria com orgulho à mãe. Se a mãe apreciasse assassinas a sangue-frio.”
Notava-se um ar longínquo, quase misterioso, nos seus olhos, um olhar que dizia que a Dra. Paige Taylor, bem lá no íntimo, se tinha retirado para um lugar diferente, numa época diferente, longe da fria e assépica sala de tribunal onde estava encurralada.
O julgamento tinha lugar no velho Palácio da Justiça de São Francisco, na Bryant Street. O edifício, que albergava o Tribunal Superior e a Cadeia Municipal, era uma construção de mau aspecto, com sete andares e feito de blocos quadrados de pedra cinzenta. Os visitantes do tribunal tinham de passar por postos de segurança eletrônicos. Em cima, no terceiro andar, encontrava-se o Tribunal Superior. Na Sala 121, onde se julgavam os assassinos, a cadeira do juiz estava encostada à parede traseira, com uma bandeira americana como pano de fundo. À esquerda da cadeira encontrava-se a bancada do júri e ao centro estavam duas mesas separadas por uma passagem: uma para o advogado de acusação e a outra para o advogado de defesa.
A sala de tribunal estava repleta de jornalistas e do tipo de espectadores amantes de acidentes de viação fatais e de julgamentos por assassinato.
Relativamente aos julgamentos por assassinato, este era espetacular. Gus Venable, o advogado de acusação, era por si só um espetáculo. Era um homem gordo, muito gordo, de cabelo grisalho comprido, pêra e os modos característicos de um fazendeiro do Sul. Nunca esteve no Sul.
Exibia um ar desgrenhado, mas o cérebro de um computador. A sua marca registrada, quer no Verão quer no Inverno, era um fato branco com uma camisa antiquada de colarinho engomado.
O advogado de Paige Taylor, Alan Penn, era o oposto de Venable, um tubarão compacto e enérgico, que criou a fama de conseguir a absolvição para os seus clientes.
Os dois homens já se tinham enfrentado antes e o relacionamento entre eles era de respeito relutante e desconfiança total. Para surpresa de Venable, Alan Penn tinha-o ido visitar uma semana antes de o julgamento ter início.
- Vim cá para te fazer um favor, Gus.
“Cuidado com os advogados de defesa que levam presentes.,
- O que é que tens em mente, Alan?
- Ouve com atenção… Ainda não discuti isto com a minha cliente, mas supõe, supõe apenas… que consigo persuadi-la a confessar-se culpada para reduzir a pena e poupar ao Estado o custo de um julgamento…
- Estás a pedir-me para negociar?
- Sim.
Gus Venable dirigiu-se à secretária para procurar algo.
- Não encontro o raio do meu calendário. Sabes que dia é hoje?
- Um de Junho. Porquê?
- Por um minuto, pensei que já estávamos no Natal, ou não me pedirias tal presente.
- Gus… - Venable inclinou-se na cadeira - Sabes, Alan, normalmente sentir-me-ia inclinado a concordar contigo.
Para dizer a verdade, neste preciso momento gostaria de estar no Alasca a pescar. Mas a resposta é não. Estás a defender uma assassina a sangue-frio que, por dinheiro, matou um doente indefeso. Vou exigir a pena de morte.
- Penso que ela está inocente, e eu…
Venable soltou uma enorme gargalhada:
- Não, não pensas nada. E ninguém mais pensa assim. Este é um caso de abrir e fechar. A sua cliente é tão culpada quanto Caim.
- Só será quando o júri o decidir, Gus.
- Decidi-lo-á. - Fez uma pausa. - Decidi-lo-á.
Depois de Alan Penn ter saído, Gus Venable sentou-se a pensar na conversa. A visita de Penn era sinal de fraqueza.
Penn sabia que não tinha hipóteses de ganhar o julgamento. Gus Venable pensou nas provas irrefutáveis que possuía e nas testemunhas que iria chamar, e sentiu-se satisfeito.
Não havia qualquer dúvida. A Dra. Paige Taylor iria para a câmara de gás.
Não foi fácil escolher o júri. O caso tinha ocupado as primeiras páginas durante meses. O sangue-frio da assassina havia desencadeado uma onda de fúria.
A juíza era Vanessa Young, uma inflexível e brilhante jurista negra que, segundo constava, era a próxima indigitada para o Tribunal Supremo dos Estados Unidos. Sabia-se que era pouco tolerante com os advogados e temperamental. Havia um adágio entre os advogados de São Francisco: “Se o teu cliente é culpado e pretendes pedir clemência, mantém-te afastado da sala de tribunal da juíza Young.”
No dia anterior ao início do julgamento, a juíza Young chamou os dois advogados ao seu gabinete.
- Senhores, vamos estabelecer algumas regras básicas.
Devido à grave natureza deste caso, estou disposta a fazer determinadas concessões para que a ré obtenha um julgamento justo. Mas aviso-vos de que não podem aproveitar-se disso.
Entenderam bem?
- Sim, meritíssima.
- Sim, meritíssima.
Gus Venable estava a terminar o discurso de abertura:
- E assim, senhores jurados, o Estado irá provar, sim, provar sem a mínima dúvida - que a doutora Paige Taylor matou o seu doente, John Cronin. E não só cometeu assassinato, mas fê-lo por dinheiro… muito dinheiro.
Matou John Cronin por um milhão de dólares.
“Acredito que depois de considerarem todas as provas, não vos será difícil declarar a doutora Paige Taylor culpada de assassinato em primeiro grau.