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— Estou acostumado com minha vida. Antes de você, eu pensava que havia perdido tanto tempo no mesmo lugar, enquanto meus amigos todos mudavam, quebravam, ou progrediam. Isto me deixava com uma imensa tristeza.

Agora eu sei que não era bem assim: a loja tem o exato tamanho que eu sempre quis que ela tivesse. Não quero mudar, porque não sei como mudar. Já estou muito acostumado comigo mesmo.

O rapaz não sabia o que dizer. O velho então continuou:

— Você foi uma bênção para mim. E hoje estou entendendo uma coisa: toda bênção que não é aceita, transforma-se numa maldição. Eu não quero mais da vida. E você está me forçando a ver riquezas e horizontes que eu nunca conheci. Agora que os conheço, e que conheço minhas possibilidades imensas, vou me sentir pior do que me sentia antes. Porque sei que posso ter tudo, e não quero.

«Ainda bem que eu não disse nada ao pipoqueiro», pensou o rapaz.

Continuaram fumando o narguilé por algum tempo, enquanto o sol se escondia. Estavam conversando em árabe, e o rapaz estava satisfeito consigo mesmo, porque falava árabe. Houve uma época em que ele achou que as ovelhas podiam ensinar tudo sobre o mundo. Mas as ovelhas não sabiam ensinar árabe.

«Devem ter outras coisas no mundo que as ovelhas não sabem ensinar», pensou o rapaz, enquanto olhava o Mercador em silêncio. «Porque elas só estão em busca de água e comida.

«Acho que não são elas que ensinam: eu é que aprendo».

— Maktub — disse finalmente o mercador.

— O que é isto?

— Você precisaria ter nascido árabe para compreender — respondeu ele. — Mas a tradução seria algo como «está escrito».

E enquanto apagava as brasas do narguilé, disse que o rapaz podia começar a vender chá nos vasos. Às vezes, é impossível deter o rio da vida.

Os homens subiam a ladeira e ficavam cansados. Então, lá no seu topo, havia uma loja de belos cristais com chá de menta refrescante. Os homens entravam para beber o chá, que era servido em lindos vasos de cristal.

«Jamais minha mulher pensou nisto», lembrava um, e comprava alguns cristais, porque ia ter visitas naquela noite: seus convidados ficariam impressionados com a riqueza das taças.

Outro homem passou a garantir que o chá era sempre mais gostoso quando servido em recipientes de cristal, pois conservavam melhor o aroma. Um terceiro disse ainda que era tradição no Oriente utilizar vasos de cristal junto com chá, por causa de seus poderes mágicos.

Em pouco tempo, a novidade se espalhou, e muitas pessoas passaram a subir até o topo da ladeira para conhecer a loja que estava fazendo algo de novo num comércio tão antigo. Outras lojas de chá em copos de cristal foram abertas, mas não ficavam em cima de uma ladeira, e por isso estavam sempre vazias.

Em pouco tempo, o Mercador teve que contratar mais dois empregados. Passou a importar, junto com os cristais, quantidades enormes de chá, que eram diariamente consumidas pelos homens e mulheres com sede de coisas novas.

E assim transcorreram seis meses.

O rapaz acordou antes do sol nascer. Tinham-se passado onze meses e nove dias desde que ele havia pisado pela primeira vez no continente africano.

Vestiu sua roupa árabe, de linho branco, comprada especialmente para aquele dia. Colocou o lenço na cabeça, fixo por um anel feito de pele de camelo. Calçou as sandálias novas, e desceu sem fazer qualquer ruído.

A cidade ainda dormia. Ele fez um sanduíche de gergelim, e bebeu chá quente no vaso de cristal. Depois sentou-se na soleira da porta, fumando sozinho o narguilé.

Fumou em silêncio, sem pensar em nada, escutando apenas o ruído sempre constante do vento que soprava trazendo o cheiro do deserto. Depois que acabou de fumar, enfiou a mão num dos bolsos do traje, e ficou alguns instantes contemplando o que havia retirado lá de dentro.

Havia um grande maço de dinheiro. O suficiente para comprar cento e vinte ovelhas, uma passagem de volta, e uma licença de comércio entre seu país e o país onde estava.

Esperou pacientemente que o velho acordasse e abrisse a loja. Os dois então foram juntos tomar mais chá.

— Vou embora hoje — disse o rapaz. — Tenho dinheiro para comprar minhas ovelhas. Você tem dinheiro para ir à Meca.

O velho não disse nada.

— Peço sua bênção — insistiu o rapaz. — Você me ajudou.

O velho continuou a preparar o chá em silêncio. Depois de um certo tempo, porém, virou-se para o rapaz.

— Tenho orgulho de você — disse. — Você trouxe alma para a minha loja de cristais. Mas sabe que eu não vou à Meca. Como sabe que não voltará a comprar ovelhas.

— Quem lhe disse isto? — perguntou o rapaz, assustado.

— Maktub — disse simplesmente o velho Mercador de Cristais. E o abençoou.

O rapaz foi até seu quarto e juntou tudo que tinha. Eram três sacolas cheias. Quando já estava saindo, notou que, num canto do quarto, havia seu velho alforje de pastor. Estava todo amassado, e ele quase nem se lembrava mais dele.

Lá dentro estava ainda o mesmo livro e o casaco. Quando ele tirou o casaco, pensando em dar de presente para um rapaz na rua, as duas pedras rolaram pelo chão. O Urim e o Tumim.

O rapaz então se lembrou do velho rei, e ficou surpreso em perceber há quanto tempo não pensava mais nisto. Durante um ano havia trabalhado sem parar, pensando apenas em conseguir dinheiro para não voltar de cabeça baixa para a Espanha.

«Nunca desista dos seus sonhos», havia falado o velho rei. «Siga os sinais».

O rapaz pegou o Urim e o Tumim no chão, e teve novamente aquela estranha sensação de que o rei estava perto. Trabalhara duro durante um ano, e os sinais indicavam que agora era o momento de partir.

«Vou voltar exatamente a ser o que era antes», pensou o rapaz. «E as ovelhas não me ensinaram a falar árabe».

As ovelhas, entretanto, tinham ensinado uma coisa muito mais importante: que havia uma linguagem no mundo que todos compreendiam, e que o rapaz tinha utilizado durante todo aquele tempo para fazer a loja progredir. Era a linguagem do entusiasmo, das coisas feitas com amor e com vontade, em busca de algo que se desejava ou em que se acreditava. Tânger já não era mais uma cidade estranha, e ele sentiu que da mesma maneira que tinha conquistado aquele lugar, poderia conquistar o mundo.

«Quando você deseja uma coisa, todo o Universo conspira para que possa realizá-la», havia falado o velho rei.

Mas o velho rei não falara de assaltos, de desertos imensos, de pessoas que conhecem os seus sonhos mas não desejam realizá-los.

O velho rei não havia falado que as Pirâmides eram apenas um monte de pedras, e qualquer um podia fazer um monte de pedras em seu quintal. E tinha se esquecido de dizer que, quando se tem dinheiro para comprar um rebanho maior do que o que possuía, deve-se comprar este rebanho.

O rapaz pegou o alforje e juntou com seus outros sacos. Desceu as escadas; o velho estava atendendo um casal estrangeiro, enquanto dois outros fregueses andavam pela loja, tomando chá em vasos de cristal. Era um bom movimento para aquela hora da manhã. Do lugar onde estava, notou pela primeira vez que o cabelo do Mercador lembrava muito o cabelo do velho rei. Lembrou-se do sorriso do doceiro, no primeira dia em Tânger, quando não tinha para onde ir nem o que comer; também aquele sorriso lembrava o velho rei.

«Como se ele tivesse passado por aqui e deixado uma marca», pensou. «E cada pessoa não tivesse já conhecido este rei em algum momento de suas existências. Afinal de contas, ele disse que sempre aparecia para quem vive sua Lenda Pessoal».

Saiu sem se despedir do Mercador de Cristais. Não queria chorar porque as pessoas podiam ver. Mas ia ter saudade de todo aquele tempo, e de todas as coisas boas que havia aprendido. Estava mais confiante em si e tinha vontade de conquistar o mundo.

«Mas estou indo para os campos que já conheço, conduzir de novo as ovelhas». E não estava mais contente com sua decisão. Tinha trabalhado um ano inteiro para realizar um sonho, e este sonho, a cada minuto, ia perdendo sua importância. Talvez porque não fosse seu sonho.