«Quem sabe é melhor ser como o Mercador de Cristais: nunca ir à Meca, e viver da vontade de conhecê-la». Mas estava segurando o Urim e o Tumim nas mãos, e estas pedras lhe traziam a força e a vontade do velho rei.
Por uma coincidência — ou um sinal, pensou o rapaz — ele chegou ao bar onde havia entrado no primeiro dia. Não havia mais o ladrão, e o dono lhe trouxe uma xícara de chá.
«Sempre poderei voltar a ser pastor», pensou o rapaz. «Aprendi a cuidar das ovelhas, e nunca mais me esquecerei de como elas são. Mas talvez não tenha outra oportunidade de chegar até as Pirâmides do Egito. O velho tinha um peitoral de ouro, e sabia minha história. Era um rei de verdade, um rei sábio».
Estava apenas a duas horas de barco das planícies de Andaluzia, mas havia um deserto inteiro entre ele as Pirâmides. O rapaz percebeu talvez esta maneira de pensar a mesma situação: na verdade, ele estava duas horas mais perto do seu tesouro. Mesmo que, para caminhar estas duas horas, tivesse demorado quase um ano inteiro.
«Sei porque quero voltar para minhas ovelhas. Eu já conheço as ovelhas; não dão muito trabalho, e podem ser amadas. Não sei se o deserto pode ser amado, mas é o deserto que esconde o meu tesouro. Se eu não conseguir encontrá-lo, poderei sempre voltar para casa. Mas de repente a vida me deu dinheiro suficiente, e eu tenho todo o tempo que preciso; por que não?»
Sentiu uma alegria imensa naquele momento. Sempre podia voltar a ser pastor de ovelhas. Sempre podia voltar a ser vendedor de cristais. Talvez o mundo tivesse muitos outros tesouros escondidos, mas ele havia tido um sonho repetido e encontrado um rei. Não acontecia com qualquer pessoa.
Estava contente quando saiu do bar. Havia se lembrado que um dos fornecedores do Mercador trazia os cristais em caravanas que cruzavam o deserto. Manteve o Urim e o Tumim nas mãos; por causa daquelas duas pedras, estava de volta ao caminho de seu tesouro.
«Sempre estou perto dos que vivem a Lenda Pessoal», dissera o velho rei.
Não custava nada ir até o armazém, saber se as Pirâmides eram de fato muito longe.
O Inglês estava sentado numa construção cheirando a animais, suor, e poeira. Não podia chamar aquilo de armazém; era apenas um curral. «Toda a minha vida para ter que passar por um lugar como este», pensou enquanto folheava distraído uma revista de química. «Dez anos de estudo me conduzem a um curral».
Mas era preciso seguir adiante. Tinha que acreditar em sinais. Toda a sua vida, todos os seus estudos foram em busca da linguagem única que o Universo falava.
Primeiro havia se interessado por Esperanto, depois por religiões, e finalmente por Alquimia. Sabia falar Esperanto, entendia perfeitamente as diversas religiões, mas ainda não era um Alquimista.
Tinha conseguido decifrar coisas importantes, é verdade. Mas suas pesquisas chegaram a um ponto onde não conseguia progredir mais. Tinha tentado em vão entrar em contato com algum alquimista. Mas os alquimistas eram pessoas estranhas, que só pensavam neles mesmos, e quase sempre recusavam ajuda.
Quem sabe, não haviam descoberto o segredo da Grande Obra — chamada de Pedra Filosofal — e por isso se fechavam no silêncio.
Já havia gasto parte da fortuna que seu pai lhe deixara, buscando inutilmente a Pedra Filosofal. Tinha frequentado as melhores bibliotecas do mundo, e comprado os livros mais importantes e mais raros sobre alquimia. Num deles descobriu que há muitos anos atrás, um famoso alquimista árabe havia visitado a Europa. Diziam que ele tinha mais de duzentos anos, que havia descoberto a Pedra Filosofal e o Elixir da Longa Vida.
O Inglês ficou impressionado com a história. Mas tudo não teria passado de mais uma lenda, se um amigo seu — voltando de uma expedição arqueológica no deserto — não lhe tivesse contado sobre um árabe que tinha poderes excepcionais.
— Mora no oásis de Al-Fayoum — disse seu amigo. — E as pessoas contam que tem duzentos anos, e que é capaz de transformar qualquer metal em ouro.
O Inglês não coube em si de tanta excitação. Imediatamente cancelou todos os seus compromissos, juntou os livros mais importantes, e agora estava ali, naquele armazém parecido com um curral, enquanto lá fora uma imensa caravana se preparava para cruzar o Saara. A caravana passava por Al-Fayoum.
«Tenho que conhecer este maldito Alquimista», pensou o Inglês. E o cheiro dos animais tornou-se um pouco mais tolerável.
Um jovem árabe, também carregado de malas, entrou no lugar onde o Inglês estava e o cumprimentou.
— Aonde você vai? — perguntou o jovem árabe.
— Para o deserto — respondeu o Inglês, e voltou para a sua leitura.
Não queria conversar agora. Precisava recordar tudo que havia aprendido em dez anos, pois o Alquimista deveria submetê-lo a alguma espécie de prova.
O jovem árabe tirou um livro e começou a ler. O livro estava escrito em espanhol.
«Ainda bem», pensou o Inglês. Sabia falar espanhol melhor que árabe, e se este rapaz fosse até Al-Fayoum, ia ter alguém para conversar quando não estivesse ocupado com coisas importantes.
«Que coisa engraçada» — pensou o rapaz enquanto tentava mais uma vez ler a cena do enterro que iniciava o livro. — «Faz quase dois anos que comecei a ler, e não consigo passar destas páginas».
Mesmo sem um rei para interrompê-lo, ele não conseguia se concentrar. Ainda estava em dúvida quanto à sua decisão.
Mas estava percebendo uma coisa importante: as decisões eram apenas o começo de alguma coisa. Quando alguém tomava uma decisão, na verdade estava mergulhando numa correnteza poderosa, que levava a pessoa para um lugar que jamais havia sonhado na hora de decidir.
«Quando resolvi ir em busca do meu tesouro, nunca imaginei trabalhar numa loja de cristais», pensou o rapaz, para confirmar seu raciocínio.
«Da mesma maneira, esta caravana pode ser uma decisão minha, mas seu percurso será sempre um mistério».
Na sua frente havia um europeu também lendo um livro. O europeu era antipático, e tinha olhado com desprezo quando ele entrou.
Podiam até ter se tornado bons amigos, mas o europeu havia interrompido a conversa.
O rapaz fechou o livro. Não queria fazer nada que o deixasse parecido com aquele europeu. Tirou o Urim e o Tumim do bolso, e começou a brincar com eles.
O estrangeiro deu um grito:
— Um Urim e um Tumim!
O rapaz, mais que depressa, guardou as pedras no bolso.
— Não estão à venda — disse.
— Não valem muito — disse o Inglês. — São cristais de rocha, nada mais. Há milhões de cristais de rocha na terra, mas para quem entende, estes são Urim e Tumim. Não sabia que eles existiam nesta parte do mundo.
— Foi o presente de um rei — disse o rapaz.
O estrangeiro ficou mudo. Depois enfiou a mão no bolso e retirou, tremendo, duas pedras iguais.
— Você falou em um rei — disse.
— E você não acredita que os reis conversem com pastores — disse o rapaz, desta vez querendo encerrar a conversa.
— Ao contrário. Os pastores foram os primeiros a reconhecer um rei que o resto do mundo recusou-se a conhecer. Por isso é muito provável que os reis conversem com pastores.
E completou, com medo que o rapaz não estivesse entendendo:
— Está na Bíblia. No mesmo livro que me ensinou a fazer este Urim e este Tumim.
Estas pedras eram a única forma de adivinhação permitida por Deus. Os sacerdotes as carregavam num peitoral de ouro.
O rapaz ficou contente de estar naquele armazém.
— Talvez isto seja um sinal — disse o Inglês, como quem pensa alto.
— Quem lhe falou em sinais? — o interesse do rapaz crescia a cada momento.