— Tudo na vida são sinais — disse o Inglês, desta vez fechando a revista que estava lendo. O Universo é feito por uma língua que todo mundo entende, mas que já se esqueceu. Estou procurando esta Linguagem Universal, além de outras coisas.
«Por isso estou aqui. Porque tenho que encontrar um homem que conhece esta Linguagem Universal. Um Alquimista.»
A conversa foi interrompida pelo chefe do armazém. — Vocês estão com sorte—disse o árabe gordo. — Sai hoje à tarde uma caravana para Al-Fayoum.
— Mas eu vou ao Egito — disse o rapaz.
— Al-Fayoum é no Egito — disse o dono. — Que tipo de árabe você é?
O rapaz disse que era espanhol. O Inglês ficou satisfeito: mesmo vestido como árabe, o rapaz pelo menos era europeu.
— Ele chama de «sorte» os sinais — disse o Inglês, depois que o gordo árabe saiu. — Se eu pudesse, escreveria uma gigantesca enciclopédia sobre as palavras «sorte» e «coincidência». É com estas palavras que se escreve a Linguagem Universal.
Depois comentou com o rapaz que não havia sido «coincidência» encontrá-lo com o Urim e o Tumim na mão. Perguntou se ele também estava indo em busca do Alquimista.
— Estou indo em busca de um tesouro — disse o rapaz, e arrependeu-se imediatamente. Mas o Inglês pareceu não dar importância.
— De certa forma, eu também estou, disse.
— E nem sei o que quer dizer Alquimia — completou o rapaz, quando o dono do armazém começou a chamá-los para fora.
— Eu sou o Líder da Caravana — disse um senhor de barba longa e olhos escuros. — Tenho poder de vida e de morte sobre cada pessoa que carrego. Porque o deserto é uma mulher caprichosa, e às vezes deixa os homens loucos.
Haviam quase duzentas pessoas, e o dobro de animais. Eram camelos, cavalos, burros, aves.
O Inglês tinha várias malas, cheias de livros. Haviam mulheres, crianças, e vários homens com espadas na cintura e longas espingardas nos ombros.
Um imenso burburinho enchia o local, e o Líder teve que repetir várias vezes suas palavras para que todos entendessem.
— Há vários homens e deuses diferentes no coração destes homens. Mas meu único Deus é Allah, e por ele eu juro que farei o possível e o melhor para vencer mais uma vez o deserto. Agora quero que cada um de vocês jure pelo Deus em que acredita, no fundo do seu coração, de que irá me obedecer em qualquer circunstância. No deserto, a desobediência significa a morte.
Um murmúrio correu baixo por todas as pessoas. Estavam jurando em voz baixa diante de seu Deus. O rapaz jurou por Jesus Cristo. O Inglês ficou em silêncio. O murmúrio se estendeu um tempo maior do que uma simples jura; as pessoas também estavam pedindo proteção aos céus.
Ouviu-se um longo toque de clarim, e cada um montou em seu animal. O rapaz e o Inglês haviam comprado camelos, e subiram com uma certa dificuldade. O rapaz ficou com pena do camelo do Inglês: estava carregado com as pesadas sacolas de livros.
— Não existem coincidências — disse o Inglês, tentando continuar a conversa que haviam iniciado no armazém. — Foi um amigo que me trouxe até aqui, porque conhecia um árabe, que…
Mas a caravana começou a andar, e ficou impossível escutar o que o Inglês estava dizendo. Entretanto, o rapaz sabia exatamente do que se tratava: a cadeia misteriosa que vai unindo uma coisa com a outra, que o tinha levado a ser pastor, a ter o mesmo sonho, e estar numa cidade perto da África, e encontrar na praça um rei, e ser roubado para conhecer um mercador de cristais, e…
«Quanto mais se chega perto do sonho, mais a Lenda Pessoal vai se tornando a verdadeira razão de viver», pensou o rapaz.
A caravana começou a seguir em direção ao poente. Viajavam de manhã, paravam quando o sol ficava mais forte, e seguiam de novo ao entardecer.
O rapaz conversava pouco com o Inglês, que passava a maior parte do tempo entretido pelos livros.
Então, passou a observar em silêncio a marcha de animais e homens pelo deserto. Agora tudo era muito diferente do dia em que haviam partido: naquele dia, confusão e gritos, choros e crianças e relinchar de animais, se misturavam com as ordens nervosas dos guias e dos comerciantes.
No deserto, porém, havia apenas o vento eterno, o silêncio, e o casco dos animais. Mesmo os guias conversavam pouco entre si.
«Já cruzei muitas vezes estas areias» — disse um cameleiro certa noite. «Mas o deserto é tão grande, os horizontes ficam tão longe, que fazem a gente se sentir pequeno e permanecer em silêncio».
O rapaz entendeu o que o cameleiro queria dizer, mesmo sem ter pisado antes num deserto. Todas as vezes que olhava o mar ou o fogo, era capaz de ficar horas em silêncio, sem pensar em nada, mergulhado na imensidão e na força dos elementos.
«Aprendi com ovelhas e aprendi com cristais», pensou ele. «Posso também aprender com o deserto. Ele me parece mais velho e mais sábio».
O vento não parava nunca. O rapaz lembrou-se do dia em que sentiu este mesmo vento, sentado num forte em Tarifa. Talvez ele agora estivesse roçando de leve pela lã de suas ovelhas, que seguiam em busca de alimento e água pelos campos de Andaluzia.
«Não são mais minhas ovelhas», disse para si mesmo, sem sentir saudades. «Devem ter se acostumado a um novo pastor, e já me esqueceram. Isto é bom. Quem está acostumado a viajar, como as ovelhas, sabe que é sempre necessário partir um dia».
Lembrou-se depois, da filha do comerciante, e teve certeza de que ela já havia casado. Quem sabe com um pipoqueiro, ou com um pastor que também soubesse ler e contasse histórias extraordinárias; afinal, ele não devia ser o único. Mas ficou impressionado com o seu pressentimento: talvez ele estivesse aprendendo também esta história de Linguagem Universal, que sabe o passado e o presente de todos os homens. «Pressentimentos», como sua mãe costumava dizer. O rapaz começou a entender que os pressentimentos eram os rápidos mergulhos que a alma dava nesta corrente Universal de vida, onde a história de todos os homens está ligada entre si, e podemos saber tudo, porque tudo está escrito.
«Maktub», disse o rapaz, lembrando-se do Mercador de Cristais.
O deserto era às vezes feito de areia, e às vezes feito de pedra. Se a caravana chegava em frente a uma pedra, ela a contornava; se estavam diante de um rochedo, davam uma longa volta. Se a areia era fina demais para o casco dos camelos, procuravam um lugar onde a areia fosse mais resistente. Às vezes o chão estava coberto de sal, no lugar onde um lago devia haver existido. Os animais então se queixavam, e os cameleiros desciam e desatolavam os animais.
Depois colocavam as cargas nas próprias costas, passavam pelo chão traiçoeiro, e novamente carregavam os animais.
Se um guia ficava doente ou morria, os cameleiros lançavam a sorte e escolhiam um novo guia.
Mas tudo isto acontecia por uma única razão: não importava quantas voltas tivesse que dar, a caravana seguia sempre em direção a um mesmo ponto. Depois de vencidos os obstáculos, ela voltava de novo sua frente para o astro que indicava a posição do oásis. Quando as pessoas viam aquele astro brilhando no céu pela manhã, sabiam que ele indicava um lugar com mulheres, água, tâmaras e palmeiras. Só o Inglês não percebia aquilo: estava a maior parte do tempo imerso na leitura dos seus livros.
O rapaz também tinha um livro, que havia tentado ler nos primeiros dias de viagem. Mas achava muito mais interessante olhar a caravana e escutar o vento. Assim que aprendeu a conhecer melhor seu camelo e a se afeiçoar a ele, jogou o livro fora. Era um peso desnecessário, apesar do rapaz haver criado a superstição de que toda vez que abria o livro, encontrava alguém importante.
Terminou fazendo amizade com o cameleiro que viajava sempre ao seu lado. De noite, quando paravam em volta das fogueiras, costumava contar suas aventuras como pastor ao cameleiro.