Numa destas conversas o cameleiro começou a falar de sua vida.
— Eu morava num lugar perto de El Cairum — contou. — Tinha minha horta, meus filhos e uma vida que não ia mudar até o dia de minha morte. Num ano em que a colheita foi melhor, seguimos todos para Meca, e eu cumpri a única obrigação que estava faltando na minha vida. Podia morrer em paz, e gostava disto.
«Certo dia a terra começou a tremer, e o Nilo subiu além do seu limite. Aquilo que eu pensava que só acontecia com os outros, terminou acontecendo comigo. Meus vizinhos tiveram medo de perder suas oliveiras com a inundação; minha mulher teve receio de que nossos filhos fossem levados pelas águas. E eu tive pavor de ver destruído tudo que havia conquistado.
«Mas não houve jeito. A terra ficou imprestável e tive que arranjar outro meio de vida.
Hoje sou cameleiro. Mas aí entendi a palavra de Allah: ninguém sente medo do desconhecido, porque qualquer pessoa é capaz de conquistar tudo que quer e necessita.
«Só sentimos medo de perder aquilo que temos, sejam nossas vidas ou nossas plantações. Mas este medo passa quando entendemos que nossa história e a história do mundo foram escritas pela mesma Mão».
Às vezes as caravanas se encontravam durante a noite. Sempre uma delas tinha o que a outra estava precisando — como se realmente tudo fosse escrito por uma só Mão. Os cameleiros trocavam informações sobre as tempestades de vento, e se reuniam em torno das fogueiras, contando as histórias do deserto.
Outras vezes chegavam misteriosos homens encapuçados; eram beduínos que espionavam a rota seguida pelas caravanas. Davam notícias de assaltantes e tribos bárbaras. Chegavam no silêncio e partiam no silêncio, com as roupas negras deixando apenas os olhos de fora.
Numa destas noites o cameleiro veio até a fogueira onde o rapaz e o Inglês estavam sentados.
— Há rumores de guerra entre os clãs — disse o cameleiro.
Os três ficaram quietos. O rapaz notou que havia medo no ar, mesmo que ninguém tivesse dito nenhuma palavra. Mais uma vez estava percebendo a linguagem sem palavras, a Linguagem Universal.
Depois de certo tempo, o Inglês perguntou se havia perigo.
— Quem entra no deserto não pode voltar — disse o cameleiro. — Quando não se pode voltar, só devemos ficar preocupado com a melhor maneira de seguir em frente. O resto é por conta de Allah, inclusive o perigo.
E concluiu dizendo a misteriosa palavra: «Maktub».
— Você precisa prestar mais atenção às caravanas — disse o rapaz ao Inglês, depois que o cameleiro saiu. — Elas dão muitas voltas, mas rumam sempre para o mesmo lugar.
— E você devia ler mais sobre o mundo — respondeu o Inglês. — Os livros são iguais às caravanas.
O imenso grupo de homens e animais começou a andar mais rápido.
Além do silêncio durante o dia, as noites — quando as pessoas costumavam se reunir para conversar em torno das fogueiras — começaram a ficar também silenciosas. Certo dia o Líder da Caravana decidiu que nem fogueiras podiam mais ser acesas, para não chamar a atenção sobre a caravana.
Os viajantes passaram a fazer uma roda de animais, e dormiam todos juntos no centro, tentando se proteger do frio no turno.
O Líder passou a instalar sentinelas armadas em volta do grupo.
Numa daquelas noites o Inglês não conseguiu dormir. Chamou o rapaz e começaram a passear pelas dunas em volta do acampamento. Era uma noite de lua cheia, e o rapaz contou ao Inglês toda a sua história.
O Inglês ficou fascinado com a loja que havia progredido depois que o rapaz começou a trabalhar nela.
— Este é o princípio que move todas as coisas — disse. — Na Alquimia é chamado de Alma do Mundo. Quando você deseja algo de todo o seu coração, você está mais próximo da Alma do Mundo. Ela é sempre uma força positiva.
Disse também que isto não era apenas um dom dos homens: todas as coisas sobre a face da Terra tinham também uma alma, não importando se era mineral, vegetal, animal, ou apenas um simples pensamento.
— Tudo que está sob e sobre a face da Terra se transforma sempre, porque a Terra está viva; e tem uma alma. Somos parte desta Alma, e raramente sabemos que ela sempre trabalha em nosso favor.
Mas você deve entender que, na loja dos cristais, até mesmo os vasos estavam colaborando para o seu sucesso.
O rapaz ficou em silêncio por algum tempo, olhando a lua e a areia branca.
— Tenho visto a caravana caminhando através do deserto — disse, por fim. — Ela e o deserto falam a mesma língua, e por isso ele permite que ela o atravesse. Vai testar cada passo seu, para ver se está em perfeita sintonia com ele; e se estiver, ela chegará até o oásis.
«Se um de nós chegasse aqui com muita coragem, mas sem entender esta língua, ia morrer no primeiro dia.»
Continuaram olhando a lua, juntos.
— Esta é a magia dos sinais — continuou o rapaz. — Tenho visto como os guias lêem os sinais do deserto, e como a alma da caravana conversa com a alma do deserto.
Depois de algum tempo, foi a vez do Inglês falar.
— Preciso prestar mais atenção à caravana — disse, por fim.
— E eu preciso ler seus livros — falou o rapaz.
Eram livros estranhos. Falavam em mercúrio, sal, dragões e reis, mas ele não conseguia entender nada. Entretanto, havia uma ideia que parecia repetida em quase todos os livros: todas as coisas eram manifestações de uma coisa só.
Num dos livros ele descobriu que o texto mais importante da Alquimia tinha apenas poucas linhas, e havia sido escrito numa simples esmeralda.
— É a Táboa da Esmeralda — falou o Inglês, orgulhoso por ensinar alguma coisa ao rapaz.
— E então, para que tantos livros?
— Para entender estas linhas — respondeu o Inglês, sem estar muito convencido da própria resposta.
O livro que mais interessou ao rapaz contava a história dos alquimistas famosos. Eram homens que tinham dedicado sua vida inteira a purificar metais nos laboratórios; acreditavam que se um metal fosse cozinhado durante muitos e muitos anos, terminaria se libertando de todas as suas propriedades individuais, e em seu lugar sobrava apenas a Alma do Mundo.
Esta Coisa Única permitia que os alquimistas entendessem qualquer coisa sobre a face da Terra, porque ela era a linguagem pela qual as coisas se comunicavam. Eles chamavam esta descoberta de Grande Obra — que era composta de uma parte líquida e uma parte sólida.
— Não basta observar os homens e os sinais, para se descobrir esta linguagem? — perguntou o rapaz.
— Você tem mania de simplificar tudo — respondeu o Inglês irritado. — A Alquimia é um trabalho sério. Precisa que cada passo seja seguido exatamente como os mestres ensinaram.
O rapaz descobriu que a parte líquida da Grande Obra era chamada de Elixir da Longa Vida, e curava todas as doenças, além de evitar que o alquimista ficasse velho. E a parte sólida era chamada de Pedra Filosofal.
— Não é fácil descobrir a Pedra Filosofal — disse o Inglês. — Os alquimistas ficavam muitos anos nos laboratórios, olhando aquele fogo que purificava os metais. Olhavam tanto o fogo, que aos poucos suas cabeças iam perdendo todas as vaidades do mundo. Então, um belo dia, descobriam que a purificação dos metais havia terminado por purificar a eles mesmos.
O rapaz se lembrou do Mercador de Cristais. Ele havia falado que tinha sido bom limpar seus vasos, para que ambos se libertassem também dos maus pensamentos. Estava cada vez mais convencido de que a Alquimia poderia ser aprendida na vida diária.
— Além disso — falou o Inglês — a Pedra Filosofal tem uma propriedade fascinante. Uma pequena lasca dela é capaz de transformar grandes quantidades de metal em ouro.
A partir desta frase, o rapaz ficou interessadíssimo em Alquimia.