— Parece as Mil e Uma Noites — disse o Inglês, impaciente para encontrar-se logo com o Alquimista.
Foram cercados logo pelas crianças, que olhavam curiosas os animais, os camelos, e as pessoas que chegavam.
Os homens queriam saber se tinham visto algum combate, e as mulheres disputavam entre si os tecidos e pedras que os mercadores haviam trazido.
O silêncio do deserto parecia um sonho distante; as pessoas falavam sem parar, riam e gritavam, como se tivessem saído de um mundo espiritual, para estarem de novo entre os homens. Estavam contentes e felizes.
Apesar das precauções do dia anterior, o cameleiro explicou ao rapaz que os oásis no deserto eram sempre considerados terrenos neutros, porque a maior parte dos habitantes eram mulheres e crianças. E haviam oásis tanto de um lado como de outro; assim, os guerreiros iam lutar do deserto, e deixavam os oásis como cidades de refúgio.
O Líder da Caravana reuniu todos com uma certa dificuldade, e começou a dar as instruções. Iam permanecer ali até que a guerra entre os clãs tivesse terminada. Como eram visitantes, deviam compartilhar as tendas com habitantes do oásis, que lhes dariam seus melhores lugares. Era a hospitalidade da Lei.
Depois pediu que todos, inclusive seus próprios sentinelas, entregassem as armas aos homens indicados pelos chefes tribais.
— São as regras da Guerra — explicou o Líder da Caravana. Desta maneira, os oásis não poderiam abrigar exércitos ou guerreiros.
Para surpresa do rapaz, o Inglês tirou de seu casaco um revólver cromado e entregou ao homem que recolhia as armas.
— Para que um revólver? — perguntou.
— Para aprender a confiar nos homens — respondeu o Inglês. Estava contente por haver chegado ao final de sua busca.
O rapaz, porém, pensava em seu tesouro. Quanto mais perto ele ficava de seu sonho, mais as coisas se tornavam difíceis.
Não funcionava mais aquilo que o velho rei havia chamado de «sorte de principiante».
O que funcionava, sabia ele, era o teste da persistência e da coragem de quem busca sua Lenda Pessoal. Por isso ele não podia se apressar, nem ficar impaciente. Se agisse assim, ia terminar sem ver os sinais que Deus havia posto no seu caminho.
«Deus colocou no meu caminho», pensou o rapaz, surpreso consigo mesmo. Até aquele momento considerava os sinais como uma coisa do mundo. Algo como comer ou dormir, algo como procurar um amor, ou conseguir um emprego. Nunca tinha pensado que esta era uma linguagem que Deus estava usando para mostrar-lhe o que devia fazer.
«Não fique impaciente», repetiu o rapaz para si mesmo. «Como disse o cameleiro, coma na hora de comer. E caminhe na hora de caminhar».
No primeiro dia todos dormiram de cansaço, inclusive o Inglês.
O rapaz havia ficado longe dele, numa tenda com outros cinco rapazes de idade quase igual a sua. Eram gente do deserto, e queriam saber histórias das grandes cidades.
O rapaz falou de sua vida como pastor, e ia começar a contar sua experiência na loja de cristais, quando o Inglês entrou na tenda.
— Procurei-o a manhã inteira — disse, enquanto carregava o rapaz para fora. — Preciso que me ajude a descobrir onde mora o Alquimista.
Primeiro os dois tentaram encontrar sozinhos. Um Alquimista devia viver de maneira diferente das outras pessoas do oásis, e em sua tenda era muito provável que um forno estivesse sempre aceso. Andaram bastante, até ficarem convencidos que o oásis era muito maior do que podiam imaginar, e com muitas centenas de tendas.
— Perdemos quase o dia inteiro — disse o Inglês, sentando-se com o rapaz perto de um dos poços do oásis.
— Talvez seja melhor perguntarmos — disse o rapaz.
O Inglês não queria contar aos outros sua presença no Oásis, e ficou bastante indeciso. Mas acabou concordando e pediu ao rapaz, que falava melhor o árabe, para fazer isto.
O rapaz se aproximou de uma mulher que havia chegado no poço para encher de água um saco de pele de carneiro.
— Boa tarde, senhora. Gostaria de saber onde vive um Alquimista neste oásis — perguntou o rapaz.
A mulher disse que jamais havia ouvido falar disso, e foi imediatamente embora. Antes, porém, avisou ao rapaz que não deveria conversar com mulheres vestidas de prêto, porque eram mulheres casadas. Ele tinha que respeitar a Tradição.
O Inglês ficou decepcionadíssimo. Tinha feito toda a sua viagem por nada. O rapaz também ficou triste; seu companheiro também estava em busca de sua Lenda Pessoal. E quando alguém faz isto, o Universo todo se esforça para que a pessoa consiga o que deseja, dissera o velho rei. Ele não podia estar enganado.
— Eu nunca tinha ouvido falar antes de alquimistas — disse o rapaz. — Senão tentaria ajudá-lo.
Alguma coisa brilhou nos olhos do Inglês.
— É isto! Talvez ninguém aqui saiba o que é um alquimista! Pergunte pelo homem que cura todas as doenças da aldeia!
Várias mulheres vestidas de prêto vieram buscar água no poço, e o rapaz não conversou com elas, por mais que o Inglês insistisse. Até que um homem se aproximou.
— Conhece alguém que cura as doenças da aldeia? — perguntou o rapaz.
— Allah cura todas as doenças, — disse o homem, visivelmente apavorado com os estrangeiros. — Vocês estão em busca de bruxos.
E depois de dizer alguns versículos do Alcorão, seguiu seu caminho.
Um outro homem se aproximou. Era mais velho, e trazia apenas um pequeno balde. O rapaz repetiu a pergunta.
— Por que vocês querem conhecer este tipo de homem? — respondeu o árabe com outra pergunta.
— Porque meu amigo viajou muitos meses para encontrá-lo — disse o rapaz.
— Se este homem existe no oásis, deve ser muito poderoso — disse o velho, depois de pensar por alguns instantes. — Nem os chefes tribais conseguiriam vê-lo quando precisam. Só quando ele assim determinasse.
«Esperem o final da guerra. E então partam com a caravana. Não procurem entrar na vida do oásis», concluiu, se afastando.
Mas o Inglês ficou exultante. Estavam na pista certa.
Finalmente surgiu uma moça que não estava vestida de negro. Trazia um cântaro no ombro, e a cabeça coberta com um véu, mas tinha o rosto descoberto. O rapaz aproximou-se para perguntar sobre o Alquimista.
Então foi como se o tempo parasse, e a Alma do Mundo surgisse com toda a força diante do rapaz. Quando ele olhou seus olhos negros, seus lábios indecisos entre um sorriso e o silêncio, ele entendeu a parte mais importante e mais sábia da Linguagem que o mundo falava, e que todas as pessoas da terra eram capazes de entender em seus corações.
E isto era chamado de Amor, uma coisa mais antiga que os homens e que o próprio deserto, e que no entanto ressurgia sempre com a mesma força onde quer que dois pares de olhos se cruzassem como se cruzaram aqueles dois pares de olhos diante de um poço. Os lábios finalmente resolveram dar um sorriso, e aquilo era um sinal, o sinal que ele esperou sem saber durante tanto tempo em sua vida, que tinha buscado nas ovelhas e nos livros, nos cristais e no silêncio do deserto.
Ali estava a pura linguagem do mundo, sem explicações, porque o Universo não precisava de explicações para continuar seu caminho no espaço sem fim.
Tudo o que o rapaz entendia naquele momento era que estava diante da mulher de sua vida, e sem nenhuma necessidade de palavras, ela devia saber disto também.
Tinha mais certeza disto do que de qualquer coisa no mundo, mesmo que seus pais, e os pais de seus pais dissessem que era preciso namorar, noivar, conhecer a pessoa e ter dinheiro antes de se casar.
Quem dizia isto talvez jamais tivesse conhecido a linguagem universal, porque quando se mergulha nela, é fácil entender que sempre existe no mundo uma pessoa que espera a outra, seja no meio de um deserto, seja no meio das grandes cidades. E quando estas pessoas se cruzam, e seus olhos se encontram, todo o passado e todo o futuro perde qualquer importância, e só existe aquele momento, e aquela certeza incrível de que todas as coisas debaixo do sol foram escritas pela mesma Mão. A Mão que desperta o Amor, e que fez uma alma gémea para cada pessoa que trabalha, descansa e busca tesouros debaixo do sol. Porque sem isto não haveria qualquer sentido para os sonhos da raça humana.