O rapaz também deu um salto, só que para trás. A cobra debatia-se sem cessar, emitindo ruídos e silvos que feriam o silêncio do deserto. Era uma naja, cujo veneno podia matar um homem em poucos minutos.
«Cuidado com o veneno», chegou a pensar o rapaz. Mas o Alquimista havia colocado a mão no buraco, e já devia ter sido mordido. Seu rosto, porém, estava tranquilo. «O Alquimista tem duzentos anos», havia falado o Inglês.
Já devia saber como lidar com cobras no deserto.
O rapaz viu quando seu companheiro foi até o cavalo e puxou a longa espada em forma de meia-lua.
Com ela, traçou um círculo no chão e colocou a cobra no meio. O animal aquietou-se imediatamente.
— Pode ficar tranquilo — disse o Alquimista. — Ela não vai sair dali. E você descobriu a vida no deserto, o sinal que eu estava precisando.
— Por que isto era tão importante?
— Porque as Pirâmides estão cercadas de deserto.
O rapaz não queria ouvir falar nas Pirâmides. Seu coração estava pesado e triste, desde a noite anterior. Porque seguir em busca do seu tesouro, significava ter que abandonar Fátima.
— Vou guiá-lo pelo deserto — falou o Alquimista.
— Quero ficar no oásis — respondeu o rapaz. — Já encontrei Fátima. E ela, para mim, vale mais que o tesouro.
— Fátima é uma mulher do deserto — disse o Alquimista. — Sabe que os homens devem partir, para poderem voltar. Ela já encontrou seu tesouro: você. Agora espera que você encontre o que busca.
— E se eu resolver ficar?
— Será o Conselheiro do Oásis. Tem ouro suficiente para comprar muitas ovelhas e muitos camelos. Vai casar-se com Fátima e viverão felizes o primeiro ano. Aprenderá a amar o deserto e vai conhecer cada uma das cinquenta mil tamareiras.
Perceberá como elas crescem, mostrando um mundo que muda sempre. E irá cada vez entender mais os sinais, porque o deserto é um mestre melhor que todos os mestres.
«No segundo ano você se lembrará que existe um tesouro. Os sinais começarão a falar insistentemente sobre isto, e você tentará ignorá-los. Usará seu conhecimento apenas para o bem-estar do oásis e dos seus habitantes.
Os chefes tribais lhe agradecerão por isto. Os seus camelos lhe trarão riqueza e poder.
«No terceiro ano os sinais continuarão a falar sobre seu tesouro e sua Lenda Pessoal. Você vai ficar noites e noites andando pelo oásis, e Fátima será uma mulher triste, porque fez com que seu caminho fosse interrompido.
Mas você lhe dará amor, e será correspondido.
Você vai se lembrar que ela jamais pediu que ficasse, porque uma mulher do deserto sabe esperar seu homem. Por isso não vai culpá-la.
Mas vai andar muitas noites pelas areias do deserto, e por entre as tamareiras, pensando que talvez pudesse ter ido adiante, ter confiado mais no seu amor por Fátima.
Porque o que o manteve no oásis foi seu próprio medo de não voltar nunca.
E a esta altura, os sinais lhe indicarão que seu tesouro está enterrado para sempre.
No quarto ano, os sinais o abandonarão, porque você não quis ouvi-los. Os Chefes Tribais irão entender isto, e você será destituído do Conselho. A esta altura será um rico comerciante, com muitos camelos e muitas mercadorias.
Mas passará o resto dos seus dias vagando entre as tamareiras e o deserto, sabendo que não cumpriu sua Lenda Pessoal, e que agora é tarde demais para isto.
«Sem jamais compreender que o Amor nunca impede um homem de seguir sua Lenda Pessoal. Quando isto acontece, é porque não era o verdadeiro Amor, aquele que fala a Linguagem do Mundo».
O Alquimista desfez o círculo no chão, e a cobra correu e desapareceu entre as pedras. O rapaz lembrava o mercador de cristais que sempre quis ir à Meca, e o Inglês que buscava um Alquimista. O rapaz lembrava de uma mulher que confiou no deserto, e o deserto um dia lhe trouxe a pessoa que desejava amar.
Montaram em seus cavalos, e desta vez foi o rapaz que seguiu o Alquimista. O vento trazia os ruídos do oásis, e ele tentava identificar a voz de Fátima. Naquele dia não tinha ido ao poço por causa da batalha.
Mas esta noite, enquanto olhavam uma cobra dentro de um círculo, o estranho cavaleiro com seu falcão no ombro havia falado de amor e de tesouros, das mulheres do deserto e da sua Lenda Pessoal.
— Vou com você — disse o rapaz. E imediatamente sentiu paz no seu coração.
— Partimos amanhã antes que o sol nasça — foi a única resposta do Alquimista.
O rapaz passou a noite inteira em claro. Duas horas antes do amanhecer, acordou um dos rapazes que dormia na sua tenda, e pediu para lhe mostrar onde morava Fátima. Saíram juntos, e foram até lá. Em troca, o rapaz lhe deu dinheiro para comprar uma ovelha.
Depois pediu que descobrisse onde Fátima dormia, e que lhe acordasse e dissesse que o rapaz a estava esperando. O jovem árabe fez isto, e em troca ganhou dinheiro para comprar outra ovelha.
— Agora deixe-nos a sós — disse o rapaz ao jovem árabe, que voltou à sua tenda para dormir, orgulhoso de haver ajudado o Conselheiro do Oásis; e contente por ter dinheiro para comprar ovelhas.
Fátima apareceu na porta da tenda. Os dois saíram para andar entre as tamareiras. O rapaz sabia que era contra a Tradição, mas isto não tinha nenhuma importância agora.
— Vou partir — disse. E quero que saiba que vou voltar. Eu te amo porque…
— Não diga nada — interrompeu Fátima. — Ama-se porque se ama. Não há qualquer razão para amar.
Mas o rapaz continuou:
— Eu te amo porque tive um sonho, encontrei um rei, vendi cristais, cruzei o deserto, os clãs declararam guerra, e estive num poço para saber onde morava um Alquimista. Eu te amo porque todo o Universo conspirou para que eu chegasse até você. —
Os dois se abraçaram. Era a primeira vez que um corpo tocava no outro.
— Voltarei — repetiu o rapaz.
— Antes eu olhava o deserto com desejo — disse Fátima. Agora será com esperança. Meu pai um dia partiu, mas voltou para minha mãe, e continua voltando sempre.
E não disseram mais nada. Andaram um pouco entre as tamareiras, e o rapaz a deixou na porta da tenda.
— Voltarei como seu pai voltou para a sua mãe — disse. Reparou que os olhos de Fátima estavam cheios d'água.
— Você chora?
— Sou uma mulher do deserto — disse ela, escondendo o rosto. — Mas acima de tudo, sou uma mulher.
Fátima entrou na tenda. Daqui a pouco o sol ia aparecer. Quando o dia chegasse, ela ia sair e fazer aquilo que havia feito durante tantos anos; mas tudo havia mudado.
O rapaz já não estava mais no oásis, e o oásis não teria mais o significado que tinha até pouco tempo antes. Não seria mais o lugar com cinquenta mil tamareiras e trezentos poços, onde os peregrinos chegavam contentes depois de uma longa viagem. O oásis, daquele dia em diante, seria um lugar vazio para ela.
A partir daquele dia, o deserto ia ser mais importante. Iria olhar para ele sempre, tentando saber qual estrela o rapaz estava seguindo em busca do tesouro. Haveria de mandar seus beijos pelo vento, na esperança de que ele tocasse o rosto do rapaz, e lhe contasse que estava viva, esperando por ele, como uma mulher espera um homem de coragem, que segue em busca de sonhos e tesouros. A partir daquele dia, o deserto ia ser apenas uma coisa: a esperança de sua volta.
— Não pense no que ficou para trás — disse o Alquimista, quando começaram a cavalgar pelas areias do deserto. — Tudo está gravado na Alma do Mundo, e ali permanecerá para sempre.