— Os homens sonham mais com a volta do que com a partida — disse o rapaz, que já estava se acostumando de novo com o silêncio do deserto.
— Se o que você encontrou é feito de matéria pura, jamais apodrecerá. E você poderá voltar um dia. Se foi apenas um momento de luz, como a explosão de uma estrela, então não vai encontrar nada quando voltar. Mas terá visto uma explosão de luz. E só isto já valeu a pena.
O homem falava em linguagem de alquimia. Mas o rapaz sabia que ele estava se referindo à Fátima.
Era difícil não pensar no que havia ficado para trás. O deserto, com sua paisagem quase sempre igual, costumava encher-se de sonhos. O rapaz ainda via as tamareiras, os poços, e o rosto da mulher amada.
Via o Inglês com seu laboratório, e o cameleiro que era um mestre e não sabia.
«Talvez o Alquimista jamais tenha amado», pensou o rapaz.
O Alquimista cavalgava na sua frente, com o falcão nos ombros. O falcão conhecia bem a linguagem do deserto, e quando paravam, ele saía do ombro do Alquimista e voava em busca de alimento. No primeiro dia trouxe uma lebre. No segundo dia trouxe dois pássaros.
De noite, estendiam seus cobertores e não acendiam fogueiras. As noites do deserto eram frias, e foram ficando escuras à medida que a lua começou a diminuir no céu. Durante uma semana andaram em silêncio, conversando apenas sobre as precauções necessárias para evitar os combates entre os clãs. A guerra continuava, e o vento às vezes trazia o cheiro adocicado de sangue. Alguma batalha havia sido travada por perto, e o vento recordava ao rapaz que havia a Linguagem dos Sinais, sempre pronta para mostrar o que seus olhos não conseguiam ver.
Quando completaram sete dias de viagem, o Alquimista resolveu acampar mais cedo do que de costume. O falcão saiu em busca de caça, e ele tirou o cantil de água e ofereceu ao rapaz.
— Você agora está quase no final da viagem — disse o Alquimista. — Meus parabéns por haver seguido sua Lenda Pessoal.
— E você está me guiando em silêncio — disse o rapaz. — Pensei que ia me ensinar aquilo que sabe. Faz algum tempo que estive no deserto com um homem que tinha livros de Alquimia. Mas não consegui aprender nada.
— Só existe uma maneira de aprender — respondeu o Alquimista — É através da ação. Tudo que você precisava saber, a viagem lhe ensinou. Falta apenas uma coisa.
O rapaz quis saber o que era, mas o Alquimista manteve os olhos fixos no horizonte, esperando pela volta do falcão.
— Por que o chamam de Alquimista?
— Porque sou.
— E o que havia de errado com os outros alquimistas, que buscaram ouro e não conseguiram?
— Buscavam apenas ouro — respondeu seu companheiro. — Buscavam o tesouro de sua Lenda Pessoal, sem desejarem viver a própria Lenda.
— O que me falta saber? — insistiu o rapaz.
Mas o Alquimista continuou olhando o horizonte. Depois de algum tempo o falcão retornou com a comida. Cavaram um buraco e acenderam a fogueira dentro dele, para que ninguém pudesse ver a luz das chamas.
— Sou um Alquimista porque sou um Alquimista — disse ele, enquanto preparavam a comida. — Aprendi a ciência de meus avós, que aprenderam de seus avós, e assim até a criação do mundo. Naquela época, toda a ciência da Grande Obra podia ser escrita numa simples esmeralda. Mas os homens não deram importância às coisas simples, e começaram a escrever tratados, interpretações, e estudos filosóficos. Começaram também a dizer que sabiam melhor o caminho que os outros.
«Mas a Táboa da Esmeralda continua viva até hoje».
— O que estava escrito na Táboa da Esmeralda? — quis saber o rapaz.
O Alquimista começou a desenhar na areia, e não demorou mais do que cinco minutos. Enquanto ele desenhava, o rapaz lembrou-se do velho rei, e da praça onde haviam se encontrado um dia; parecia que tinham se passado muitos e muitos anos.
— Isto estava escrito na Táboa da Esmeralda — disse o Alquimista, quando acabou de escrever.
O rapaz aproximou-se e leu as palavras na areia.
— É um código — disse o rapaz, um pouco decepcionado com a Táboa da Esmeralda. — Parece com os livros do Inglês.
— Não — respondeu o Alquimista. — É como o vôo dos gaviões; não deve ser compreendida simplesmente pela razão. A Táboa da Esmeralda é uma passagem direta para a Alma do Mundo.
«Os sábios entenderam que este mundo natural é apenas uma imagem e uma cópia do Paraíso. A simples existência deste mundo é a garantia de que existe um mundo mais perfeito que ele. Deus o criou para que, através das coisas visíveis, os homens pudessem compreender seus ensinamentos espirituais, e as maravilhas de sua sabedoria. Isto é que eu chamo de Ação».
— Devo entender a Táboa da Esmeralda? — perguntou o rapaz.
— «Talvez, se você estivesse num laboratório de Alquimia, agora seria o: momento certo para estudar a melhor maneira de entender a Táboa da Esmeralda. Entretanto, você está no Deserto. Então mergulhe no deserto. Ele serve para compreender o mundo tanto como qualquer outra coisa sobre a face da terra. Você nem precisa de entender o deserto: basta contemplar um simples grão de areia, e verá nele todas as maravilhas da Criação».
— Como faço para mergulhar no deserto?
— Escute seu coração. Ele conhece todas as coisas, porque veio da Alma do Mundo, e um dia retornará para ela.
Andaram em silêncio mais dois dias. O Alquimista estava muito mais cauteloso, porque se aproximavam da zona de combates mais violentos. E o rapaz procurava escutar seu coração.
Era um coração difícil; antes estava acostumado a partir sempre, e agora queria chegar a todo custo.
Às vezes, seu coração ficava muitas horas contando histórias de saudades, outras vezes se emocionava com o nascer do sol no deserto, e fazia o rapaz chorar escondido.
O coração batia mais rápido quando falava para o rapaz sobre o tesouro e ficava mais vagaroso quando os olhos do rapaz se perdiam no horizonte sem fim do deserto.
Mas nunca estava em silêncio, mesmo que o rapaz não trocasse uma palavra com o Alquimista.
— Por que temos que escutar o coração? — perguntou o rapaz quando acamparam aquele dia.
— Porque, onde ele estiver, é onde estará o seu tesouro.
— Meu coração é agitado — disse o rapaz. — Tem sonhos, se emociona, e está apaixonado por uma mulher do deserto. Ele me pede coisas e não me deixa dormir muitas noites, quando penso nela.
— É bom. Seu coração está vivo. Continue a ouvir o que ele tem para dizer. Nos três dias seguintes os dois passaram por alguns guerreiros, e viram
outros guerreiros no horizonte.
O coração do rapaz começou a falar sobre o medo. Contava para o rapaz histórias que tinha ouvido da Alma do Mundo, histórias de homens que foram em busca de seus tesouros e jamais o encontraram. Às vezes assustava o rapaz com o pensamento de que poderia não conseguir o tesouro, ou poderia morrer no deserto. Outras vezes dizia para o rapaz que já estava satisfeito, que já havia encontrado um amor e muitas moedas de ouro.
— Meu coração é traiçoeiro — disse o rapaz ao Alquimista, quando eles pararam para descansar um pouco os cavalos. — Não quer que eu continue.
— Isto é bom — respondeu o Alquimista. — Prova que seu coração está vivo. É natural ter medo de trocar por um sonho tudo aquilo que já se conseguiu.
— Então, para que devo escutar meu coração?
— Porque você não vai conseguir jamais mantê-lo calado. E mesmo que finja não escutar o que ele diz, ele estará dentro do seu peito, repetindo sempre o que pensa sobre a vida e o mundo.
— Mesmo que ele seja traiçoeiro?