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— Mas eu não sei transformar-me em vento.

— Quem vive sua Lenda Pessoal, sabe tudo que precisa saber. Só uma coisa torna um sonho impossíveclass="underline" o medo de fracassar.

— Não tenho medo de fracassar. Apenas não sei transformar-me em vento.

— Pois terá que aprender. Sua vida depende disto.

— E se eu não conseguir?

— Vai morrer enquanto vivia sua Lenda Pessoal. É muito melhor do que morrer como milhões de pessoas, que jamais souberam que a Lenda Pessoal existia.

«Entretanto, não se preocupe. Geralmente a morte faz com que as pessoas fiquem mais sensíveis à vida.»

O primeiro dia se passou. Houve uma grande batalha nas imediações, e vários feridos foram trazidos para o acampamento militar. «Nada muda com a morte», pensava o rapaz. Os guerreiros que morriam eram substituídos por outros, e a vida continuava.

— Poderias ter morrido mais tarde, meu amigo — disse o guarda para o corpo de um companheiro seu. — Poderias ter morrido quando chegasse a paz. Mas irias terminar morrendo de qualquer jeito.

No final do dia, o rapaz foi procurar o Alquimista. Estava levando o falcão para o deserto.

— Não sei transformar-me em vento — repetiu o rapaz.

— Lembre-se do que eu lhe disse: de que o mundo é apenas a parte visível de Deus. De que a Alquimia é trazer para o plano material a perfeição espiritual.

— O que você faz?

— Alimento meu falcão.

— Se eu não conseguir transformar-me em vento, nós vamos morrer — disse o rapaz. — Para que alimentar o falcão?

— Quem vai morrer é você — disse o Alquimista. — Eu sei transformar-me em vento.

No segundo dia o rapaz foi para o alto de uma rocha que ficava perto do acampamento. As sentinelas o deixaram passar; já ouviram falar do bruxo que se transformava em vento, e não queriam chegar perto dele. Além disso, o deserto era uma grande e intransponível muralha.

Ficou o resto da tarde do segundo dia olhando o deserto. Escutou seu coração. E o deserto escutou seu medo.

Ambos falavam a mesma língua.

No terceiro dia o general reuniu-se com os principais comandantes.

— Vamos ver o garôto que se transforma em vento — disse o General ao Alquimista.

— Vamos ver — respondeu o Alquimista.

O rapaz os conduziu até o lugar onde havia estado no dia anterior. Então pediu que todos se sentassem.

— Vai demorar um pouco — disse o rapaz.

— Não temos pressa — respondeu o General. — Somos homens do deserto.

O rapaz começou a olhar o horizonte a sua frente. Haviam montanhas ao longe, haviam dunas, rochas e plantas rasteiras que insistiam em viver onde a sobrevivência era impossível. Ali estava o deserto, que ele havia percorrido durante tantos meses, e que, mesmo assim, só conhecia uma parte muito pequena. Nesta pequena parte ele havia encontrado ingleses, caravanas, guerras de clãs, e um oásis com cinquenta mil tamareiras e trezentos poços.

— O que você quer aqui hoje? — perguntou o deserto. — Já não nos contemplamos o suficiente ontem?

— Em algum ponto você guarda a pessoa que eu amo — disse o rapaz. -Então, quando olho suas areias contemplo também a ela. Quero voltar a ela e preciso de sua ajuda para transformar-me em vento.

— O que é o amor? — perguntou o deserto.

— O amor é quando o falcão voa sobre suas areias. Porque para ele você é um campo verde, e ele nunca voltou sem caça. Ele conhece suas rochas, suas dunas, e suas montanhas, e você é generoso com ele.

— O bico do falcão tira pedaços de mim — disse o deserto. — Durante anos eu cultivo sua caça, alimento com a pouca água que tenho, mostro onde está a comida. E um dia, desce o falcão do céu, justamente quando eu ia sentir o carinho da caça sobre minhas areias. Ele carrega aquilo que eu criei.

— Mas foi para isto que você criou a caça — respondeu o rapaz. — Para alimentar o falcão. E o falcão alimentará o homem. E o homem então alimentará um dia tuas areias, de onde a caça tornará a surgir. Assim move-se o mundo.

— É isto o amor?

— É isto o amor. É o que faz a caça transformar-se em falcão, o falcão em homem, e o homem de novo em deserto. É isto que faz o chumbo transformar-se em ouro; e o ouro voltar a esconder-se sob a terra.

— Não entendo suas palavras — disse o deserto.

— Então entenda que em algum lugar de suas areias, uma mulher me espera. E para isto, tenho que transformar-me em vento.

O deserto ficou em silêncio por alguns instantes.

— Eu lhe dou minhas areias para que o vento possa soprar. Mas sozinho, não posso fazer nada. Peça ajuda ao vento.

Uma pequena brisa começou a soprar. Os comandantes olhavam o rapaz ao longe, falando uma linguagem que eles não conheciam.

O Alquimista sorria.

O vento chegou perto do rapaz e tocou seu rosto. Havia escutado sua conversa com o deserto, porque os ventos sempre conhecem tudo. Percorriam o mundo sem um lugar onde nascer e sem um lugar onde morrer.

— Me ajude — disse o rapaz ao vento. — Certo dia escutei em você a voz da minha amada.

— Quem lhe ensinou a falar a linguagem do deserto e do vento?

— Meu coração — respondeu o rapaz.

O vento tinha muitos nomes. Ali ele era chamado de siroco, porque os árabes acreditavam que ele vinha das terras cobertas de água, onde habitavam homens negros. Na terra distante de onde vinha o rapaz, eles o chamavam de Levante, porque acreditavam que trazia as areias do deserto e os gritos de guerra dos mouros. Talvez num lugar mais distante dos campos de ovelhas, os homens pensassem que o vento nascia em Andaluzia. Mas o vento não vinha de lugar nenhum, e não ia para lugar nenhum, e por isso era mais forte que o deserto. Um dia eles poderiam plantar árvores no deserto, e até mesmo criar ovelhas, mas jamais iriam conseguir dominar o vento.

— Você não pode ser o vento — disse o vento. — Somos de naturezas diferentes.

— Não é verdade — disse o rapaz. — Conheci os segredos da Alquimia, enquanto vagava o mundo com você. Tenho em mim os ventos, os desertos, os oceanos, as estrelas, e tudo que foi criado no Universo. Fomos feitos pela mesma Mão, e temos a mesma Alma. Quero ser como você, penetrar em todos os cantos, atravessar os mares, tirar a areia que cobre meu tesouro, trazer para perto a voz de minha amada.

— Ouvi sua conversa com o Alquimista outro dia — disse o vento. — Ele falou que cada coisa tem sua Lenda Pessoal. As pessoas não podem se transformar em vento.

— Me ensine a ser vento por alguns instantes, — disse o rapaz. — Para que possamos conversar sobre as possibilidades ilimitadas dos homens e dos ventos.

O vento era curioso, e aquilo era uma coisa que ele não conhecia. Gostaria de conversar sobre aquele assunto, mas não sabia como transformar homens em vento. E olha que ele conhecia tanta coisa! Construía desertos, afundava navios, derrubava florestas inteiras, e passeava por cidades cheias de música e de ruídos estranhos. Achava que era ilimitado, e no entanto ali estava um rapaz dizendo que ainda havia mais coisas que um vento podia fazer.

— E isto que chamam de Amor — disse o rapaz, ao ver que o vento estava quase cedendo ao seu pedido. — Quando se ama é que se consegue ser qualquer coisa da Criação. Quando se ama não temos necessidade nenhuma de entender o que acontece, porque tudo passa a acontecer dentro de nós, e os homens podem se transformar em vento. Desde que os ventos ajudem, é claro.

O vento era muito orgulhoso, e ficou irritado com o que o rapaz dizia. Começou a soprar com mais velocidade, levantando as areias do deserto. Mas finalmente teve que reconhecer que, mesmo havendo percorrido o mundo inteiro, não sabia como transformar homens em ventos. E não conhecia o Amor.

— Enquanto passeava pelo mundo, notei que muitas pessoas falavam de amor olhando para o céu — disse o vento, furioso por ter que aceitar suas limitações. — Talvez seja melhor perguntar ao céu.