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JOSÉ RODRIGUES DOS SANTOS

O ANJO BRANCO

GRADIVA

>OBRAS DO AUTOR

ENSAIO

Comunicação, Difusão Cultural, 1992; Prefácio, 2001. Crónicas de Guerra I — Da Crimeia a Dachau, Gradiva, 2001;

Círculo de Leitores, 2002. Crónicas de Guerra II— De Saigão a Bagdade, Gradiva, 2002;

Círculo de Leitores, 2002. A Verdade da Guerra, Gradiva, 2002; Círculo de Leitores, 2003.

Conversas de Escritores - Diálogos com os Grandes Autores da Literatura Contemporânea, Gradiva/RTP, 2010. A Ultima Entrevista de José Saramago, Usina de Letras, Rio de Janeiro, 2010.

FICÇÃO

A Ilha das Trevas, Temas & Debates, 2002; Círculo de Leitores, 2003; Gradiva, 2007. A Filha do Capitão, Gradiva, 2004. O Codex 632, Gradiva, 2005. A Fórmula de Deus, Gradiva, 2006. O Sétimo Selo, Gradiva, 2007. A Vida Num Sopro, Gradiva, 2008. Fúria Divina, Gradiva, 2009. O Anjo Branco, Gradiva, 2010.

CONTACTO COM O AUTOR

Se desejar entrar em contacto com o autor para comentar o romance O Anjo Branco, escreva para o

e-mail

jrsnovels@gmail.com

O autor terá o maior gosto em responder a qualquer leitor que se lhe dirija a propósito desta obra.

J O S É R O D R I G U E S D O S S A N T O S

O ANJO BRANCO

gradiva

r o m a n c e

© José Rodrigues dos Santos/Gradiva Publicações, S. A. Revisão de texto Helena Ramos Capa e sobrecapa Armando Lopes (concepção gráfica) Fotocomposição, impressão e acabamento Multitipo — Artes Gráficas, L.da

Reservados os direitos para Portugal por Gradiva Publicações, S.A.

Rua Almeida e Sousa, 21 - r/c esq. — 1399-041 Lisboa

Telef. 21 393 37 60 — Fax 21 395 34 71

Dep. comercial Telefs. 21 397 40 67/8 — Fax 21 397 14 11

geral@gradiva.mail.pt / www.gradiva.pt

l.a edição Outubro de 2010 Depósito legal 315 946/2010

ISBN 978-989-616-390-7

gradiva

Editor GUILHERME VALENTE

Visite-nos na Internet www.gradiva.pt Maior espectáculo que o mar é o céu; maior espectáculo que o céu é a alma.

VICTOR HUGO

Ao meu pai, que se chamava Paz

À minha mãe, que com ele esteve na guerra

Embora obra de ficção, este romance é inspirado em factos reais.

íis^p Parte Um

Paraíso

Há tal grandeza em ti, há tal pujança

DANTE

Quando o quarto e último filho do casal Branco nasceu, a coisa mais invulgar que a todos chamou a atenção foi que o bebé ostentava um pénis enorme.

"Está quase..."

A primeira pessoa a ser honrada com o privilégio de contemplar semelhante prodígio foi Beatriz, uma rapariga do campo contratada para ajudar na lida doméstica, moça franzina, respeitadora da moral e temente a Deus, vinte e cinco anos de vida difícil, parteira nas horas de aflição, como aquelas que a fecharam nesse sábado de 1936 no quarto mais soalheiro da casa, em plena parte alta de Penafiel.

"Já falta pouco."

Desde o final da manhã que Beatriz ajudava dona Amélia na sua agonia parideira, e só agora, já a tarde ia a meio, a parturiente se preparava para dar à luz, entre gritos e gemidos, encharcada de suor naquele dia fresco de Outono. Amélia sentia-se cansada, mas sabia que era chegado o momento que requeria mais energia, o instante final, e não era altura para desfalecimentos.

"Agora, minha senhora!", exortou a criada, a voz já rouca de fadiga. "Agora! Força! Força!"

A dona da casa correspondeu com um derradeiro e supremo esforço, berrando de dor, e a parteira sentiu a cabeça do bebé emergir das entranhas. Beatriz mergulhou as mãos nas profundezas dilatadas de Amélia, agarrou os ombros escorregadios do pequenito e puxou, puxou até o corpo minúsculo deslizar para fora, abandonando o calor protector da mãe e expondo-se enfim à agressão do mundo.

"Está tudo bem?", perguntou uma voz masculina, do outro lado da porta do quarto.

Era o capitão Mário Branco, que aguardava no corredor, com mal contida ânsia, notícias do parto.

Ignorando as perguntas angustiadas e insistentes do marido, Amélia ergueu a cabeça e viu a jovem parteira pegar no recém- nascido, cortar o cordão umbilical, pendurar o bebé pelos pés e sacudi-lo. Só descansou quando o escutou a chorar; era um miado fraco e desamparado, feito de desespero, a lamúria atormentada de um pequeno ser expulso do aconchego protector do útero e atirado para a imensidão fria do desconhecido.

"E menino!", anunciou Beatriz. "E menino!"

"Dê-mo!", gemeu a mãe, exausta. "Beatriz, dê-me o meu bebé!"

"É só um instante."

Vendo a criada limpar o seu filho, Amélia estendeu as mãos para o pedir mas depressa deixou tombar os braços, exausta; sabia que teria de aguardar ainda uns momentos até que a criança lhe fosse para o regaço.

Beatriz usava uma toalha húmida e quente. Enquanto passava o pano pela pele engelhada do bebé foi examinando o minúsculo corpo com prazer, como se apreciasse um troféu, até que o olhar se lhe franziu ao descobrir uma grossa salsicha pendurada entre as pernas do pequenito. Ainda julgou que se tratava dos restos do cordão umbilical e aproximou os olhos, arregalando-os de surpresa quando percebeu que afinal não era o cordão, mas a sua virilidade.

"Credo!", exclamou, pasmada, levando a mão à boca. "Ai que mingalha tão grande!"

"Está tudo bem?", insistiu o capitão Branco, impacientando-se para lá da porta.

Beatriz embrulhou o recém-nascido à pressa num manto amarelo, não fosse ele constipar-se, coitadinho, e depositou-o nos braços da extenuada mãe com um murmúrio carinhoso. Amélia acolheu a criança com alívio, acariciou-lhe a cabeça e espreitou- lhe o corpo; queria confirmar o sexo. Tal como a parteira, momentos antes, também ela ficou de olhos esbugalhados ao deparar-se com o apêndice monstruoso que o bebé ostentava no ventre.

"O que é isto?", perguntou Amélia, levemente assustada.

"E a mingalhinha dele, minha senhora", esclareceu Beatriz, mal contendo uma risada.

"A quê?"

"O pirilau, minha senhora. E o pirilauzinho do menino, coitadinho."

Amélia voltou a fixar os olhos na minhoca gorda, primeiro incrédula, por fim resignando-se à incrível evidência. Aquele monstro era o pénis do bebé.

E que pénis.

"Valha-me Deus!", foi tudo o que conseguiu balbuciar.

Beijou o filho na testa, como se assim o absolvesse dos pecados que aquele instrumento lhe augurava, e aninhou-o entre os braços, mantendo-o quentinho. Esgotada, deixou a cabeça abater-se pesadamente na almofada e, sem querer ralar-se com inquietações prematuras, respirou fundo e repousou.

Vendo o bebé confortado no abraço da mãe, Beatriz limpou as mãos ao avental e dirigiu-se à entrada do quarto, de onde vinham perguntas cada vez mais insistentes.

Abriu a porta e mirou o capitão Branco.

"Parabéns, senhor capitão", exclamou. "Já tem mais um filho."