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"E... é menino?"

"Não, senhor capitão, não é menino", sorriu a parteira, corando. "É um homem, benza-o Deus!"

"Um homem?"

"Um homem, senhor capitão. E muito homem, se quer que lhe diga!"

O capitão irrompeu no quarto e foi dar com a mulher estendida sobre a enorme cama, o cobertor a subir e a descer ao ritmo leve da respiração. A luz que jorrava das vastas janelas voltadas para a rua iluminava-lhe o rosto sulcado de fadiga e projectava-lhe um halo resplandecente nos cabelos desmaiados sobre a almofada, fazendo de Amélia um anjo exangue.

Atraídos pelo súbito rebuliço e pelo choro fraco do recém- nascido, os outros dois filhos do casal Branco convergiram para o corredor e, num tropel desordenado, invadiram o grande quarto do fundo, acotovelando-se numa algazarra alegre.

"Pouco barulho!", ordenou o pai, sentado na borda da cama, adoptando a sua voz profissional de comando. "A mãe está cansada."

Os filhos calaram-se de imediato e puseram-se em bicos de pés para espreitar o irmão recém-nascido. A frente plantou-se o mais velho, António, um rapaz orgulhoso e falador, apesar dos seus cinco anos. Depois vinha a primeira das raparigas, Rosa, uma menina de três anos, de traços finos, sensível, e tão responsável pelos irmãos que passara a ser conhecida por Mana. A pequena Lourdes apareceu instantes mais tarde nos braços de Beatriz; era uma bebé de apenas um ano, que a criada inclinou na direcção do recém-nascido, como se Lourdes fosse capaz de discernir os acontecimentos de que era testemunha inadvertida.

"É menina?", perguntou Rosa, sem tirar os olhos do novo irmão.

"Vamos ver", disse o pai, inclinando-se sobre o bebé.

O capitão entreabriu o manto para espreitar o ventre do pequeno, mas Amélia, buscando força onde não sabia que a tinha, estendeu o braço para repelir o marido e voltou a cobrir a criança.

"Não!", disse, apertando o bebé contra o peito.

O marido olhou para a mulher, admirado.

"Então, querida?"

"E menino."

"Mas não podemos ver?"

"Não!", limitou-se a dizer. "Nem pensar em exibir o... o coisinho a toda a gente."

"A toda a gente, querida?", espantou-se o capitão, sem compreender tanto pudor. "Mas nós somos a família, que diabo! Além disso ele ainda é pequenino, não tem mal nenhum."

"Não."

Beatriz percebeu o dilema da patroa e inclinou-se para o patrão.

"Senhor capitão", sussurrou-lhe ao ouvido. "O menino tem uma mingalhinha de homem."

"Como?"

"O menino, senhor capitão. Tem uma mingalhinha de homem."

"Uma quê?"

"O pirilau, senhor capitão." Baixou ainda mais a voz, como se estivesse a blasfemar. "O

pirilauzinho do menino, coitadinho. O bebé tem um pirilau de homem e a senhora não quer que as crianças vejam."

O capitão observou o recém-nascido com ar perplexo.

"Ah!", exclamou sem entender, mas suficientemente perspicaz para sentir que, se a mulher levantava objecções num momento como aquele, lá teria as suas razões e ele não deveria insistir.

"Depois vejo isso."

As crianças debruçaram-se sobre o peito da mãe para espreitar melhor o irmão; o bebé exibia um ar tranquilo, mergulhado num sono satisfeito, mas tinha os olhos ainda inchados e o rosto avermelhado. Parecia um pato esfolado.

"Boa!", observou António, o mais velho, fazendo sinal para as irmãs. "Ainda bem que é menino!

Já estou farto de galinhas!"

"Galinha és tu!", devolveu Rosa, empertigando-se.

"Eu cá sou galo."

"Galinha!"

António empurrou a irmã.

"Não me chamas galinha!"

"Galinha!"

"Quietos!", ordenou o capitão. "Juizinho."

As crianças voltaram a calar-se e a redireccionar as atenções para o irmão.

"Como se chama?", quis saber Rosa.

O capitão hesitou; era uma boa pergunta. Olhou para a mulher com ar de quem ainda não tinha pensado no assunto, mas, ao ver o sorriso ténue de Amélia, percebeu que a questão já estava fechada.

"José", murmurou ela antes de adormecer.

O pequeno José Branco teve umas primeiras semanas difíceis. Nasceu frágil, muito debilitado, magro como um coelho assado; do seu corpinho raquítico apenas se destacava o umbigo, uma cicatriz ensanguentada que demorava a cicatrizar e o pénis enorme, que dona Amélia teve o cuidado de ocultar dos olhares indiscretos. Num esforço de o subtrair aos insistentes esgares coscuvilheiros de amigos e familiares, encobriu-o sob pudicas camadas de fraldas de pano, verdadeiros véus censórios a que recorreu com zelo maternal para resguardar aquele verdadeiro milagre da natureza.

O esforço revelou-se vão, como é bom de calcular, pois a fama do recém-nascido e de tão viril atributo era de tal modo grande, correu tanto e tão longe chegou, que em breve a família em peso assomou em romaria à porta de casa. Mesmo os parentes mais afastados de Passos de Sousa e Castelo de Paiva e Bragança e Alfândega da Fé fizeram peregrinação a Penafiel para contemplar tamanho fenómeno; semelhante predicado só podia ser dádiva dos céus, graça divina que merecia devida glorificação.

"É verdade que o menino foi abençoado por Deus?", chegou a perguntar-lhe uma prima beata.

A moça mal conseguia conter o frémito irrequieto que percorria um grupinho de familiares distantes acabadas de chegar de Trás-os-Montes e que lhe havia invadido a casa.

"Todos os meus filhos foram abençoados pelo Senhor", limitou-se Amélia a retorquir, fazendo-se despercebida.

"Claro, minha querida, claro", assentiu a prima de Bragança, contraindo os músculos faciais com um tique de excitação. "Mas, ainda no outro dia, disse-me a prima Dulce... ela'esteve aqui, não esteve? Pois ela disse-me que o bebé... o menino... tem... enfim... sabe, não é? Tem a... a coisinha assim a modos que... que escandalosa, não é?"

"Escandalosa?"

"Bem... escandalosa é modo de dizer..." Soltou um risinho nervoso e esboçou um gesto indefinido, como se buscasse a palavra certa. "Tem... tem atributos de homem, se me faço entender." Sorriu, satisfeita por se ter enfim explicado com suficiente clareza, mas dentro dos limites de pudor que se exigiam de senhora da sua condição. "É verdade?"

"E verdade o quê?"

"Isso, menina."

"Isso o quê?"

"Oh!", exclamou, encolhendo os ombros. "Os atributos de homem, prima, o que haveria de ser?

E verdade que o menino os tem?"

"Quem vos anda a dizer essas coisas?"

A prima de Bragança esboçou um gesto pelo ar, como se tal informação não viesse de ninguém em especial e fosse tão do domínio público quanto as notícias na telefonia sobre as sábias decisões do senhor presidente do Conselho.

"Oh, conta-se... Mas é verdade?"

Amélia puxou o bebé mais para si e encostou-lhe a face quente.

"O meu Zezinho é normal!"

Determinadas a contornar a relutância da mãe em dar uma resposta clara às grandes perguntas do momento, todas insistiam em levar o pequeno ao banho, oportunidade única para apreciar de perto tão grandes e badalados atributos. Dona Amélia a tudo resistiu durante alguns dias, ciosa do recato do seu menino, mas com o tempo e o cansaço foi baixando a vigilância e depressa o pequeno Zezinho se transformou num verdadeiro brinquedo; até vizinhas e amigas acorriam para ajudar a pobre senhora a dar banho à avantajada criatura.

"Não é preciso, vizinha. Eu cá me arranjo."

"Oh, valha-me Deus! Onde já se viu uma senhora como a dona Amélia estar assim ao abandono? Tem outros três filhos para criar e nenhuma ajuda. As vizinhas servem para estas ocasiões!"

"Mas eu tenho a Beatriz..."

"A sopeira tem mais que fazer! Sempre são três andares neste casarão, não é verdade? Como pode ela dar conta do recado, coitada, sempre para cima e para baixo? é evidente que o menino acaba por ser negligenciado!"