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"Pois não estava lá."

"Homessa!"

Acossada por um súbito e terrível sentimento de desconfiança, Amélia despediu-se apressadamente da beata e acelerou o passo escadaria acima. Chegou à igreja e foi de imediato depositar a esmola na respectiva caixinha, após o que se dirigiu ao pároco. O padre Jacinto abençoou-a junto à sacristia e, após algumas palavras de circunstância, confirmou não ter visto o filho por aquelas paragens.

Balbuciando um adeus abreviado, a senhora saiu em fúria e veio monte abaixo a bufar, abespinhada, interrogando-se sobre o que diabo acontecera para o seu José lhe ter desobedecido.

Entrou em casa e quis logo saber do pequeno; responderam-lhe que ele ainda não havia chegado.

Dez minutos volvidos, ouviu a porta de entrada bater e sentiu-o trepar as escadas; vinha esbaforido, as faces coradas, o olhar excitado.

"Olha lá, ó malandro!", interpelou-o, sem o cumprimentar. "Por onde andaste tu?"

José estacou, atrapalhado. Era evidente que não esperava ser questionado sobre o seu paradeiro e a expressão de culpa denunciou-o irremediavelmente.

"Eu?"

"Sim, tu! Por onde andaste tu, pode saber-se?"

Corou, indeciso. Sabia que devia dizer a verdade, mas havia verdades e verdades e aquela parecia-lhe gratuita por natureza e potencialmente devastadora nas consequências. Não ouvira já numa missa o padre Jacinto falar nas mentiras piedosas?

"Eu fui... fui ao terço."

"Não foste nada!"

"Fui, fui!"

"Mentiroso, tu não foste ao terço! Por onde andaste tu? Vá, diz!"

O rapaz quase se engasgou de atarantação.

"Ó mãe, eu fui ao terço, fui", balbuciou. "Não s'acredita?"

"Mentira!"

"É verdade!..."

"Ninguém te viu lá! Ninguém!" José abanou a cabeça, confuso. "Mas eu fui."

"Como, se ninguém te viu?" "Eu fui, mãe." "Não foste!"

"Fui, fui", titubeou, a desorientação a tomar conta dele. "Fui direitinho para lá. E verdade. Só que, quando lá cheguei, já estava 3-0."Foi no balneário do Colégio do Carmo, após uma aula de ginástica, que o franzino José Branco percebeu que tinha um pénis consideravelmente maior que os dos colegas. Na altura a descoberta não o encheu de orgulho, como seria legítimo e natural em qualquer macho cioso da sua masculinidade, mas antes de espanto embaraçado, de vergonha até.

Seria, aliás, o seu amigo Justino o primeiro a reparar nesse pormenor quando, voltado para o urinol, captou pelo canto do olho um enorme volume que balouçava nas mãos do companheiro e não resistiu a uma fugaz espreitadela.

Ficou abismado.

"Eh, pessoal", gritou em pleno balneário, atraindo as atenções gerais. "Já viram a verga do Zé?

Isto não é uma pila, camano. Isto é um chourição!"

Assim postas as coisas, pode imaginar-se a algazarra que se desencadeou naquele balneário logo que palavras tão explosivas foram proferidas. Os miúdos atropelaram-se na disputa da melhor posição para verificar se era mesmo como o Justino dizia, se o tanso do lingrinhas tinha de facto uma verga da grossura deum chourição. O assustado e embaraçado José viu-se de repente arremessado para um canto do balneário, as calças e as cuecas arrancadas das pernas e a virilidade exposta aos olhares indiscretos dos colegas, entre os comentários e as gargalhadas mais inconvenientes.

"Porra!", gritou um com uma risada boçal. "Ó p'ra isto!"

"Que g'anda mangalho!", comentou outro. "Parece um boi, carago!

O pequeno sentiu-se uma bizarria, um enjeitado, transformado numa atracção de feira. O beiço pôs-se-lhe a tremelicar e as lágrimas inundaram-lhe os olhos; chorou de vergonha por se ver assim tratado, por verificar que era diferente dos amigos, por transportar tamanho monstro entre as pernas, por todos já o saberem e por a escola inteira o comentar entre gargalhadas grosseiras, tornando-o o alvo infeliz de todos os olhares, de todas as troças, de todas as brincadeiras.

Porquê eu?, interrogou-se mil vezes nesse dia.

Porquê eu?

Foi para casa vergado pela humilhação. Não disse palavra à hora do jantar e nessa noite, no quarto do sótão, quando as lâmpadas se apagaram e a casa mergulhou no sono, José ajoe- lhou-se ao lado da cama e rezou a Nossa Senhora, rezou como nunca tinha rezado. Rogou à Virgem que o fizesse como os outros, implorou que a sua verga minguasse, que se tornasse tão pequena e tão normal e tão insignificante quanto as dos amigos. O seu horizonte de sonhos reduzira-se à simples ambição de um dia ter uma pilinha pequerrucha, discreta, uma minhoquinha humilde, jamais um canhão daquele calibre.

No domingo seguinte, quando subiu ao Sameiro para a missa da manhã, passou toda a homilia de joelhos nus sobre a pedra, em sofrimento, a rezar e a implorar, a fazer promessas a Nossa Senhora, sempre com solenidade e fervor piedoso. Jurou que não voltaria a roubar amêndoas às irmãs, afiançou que não mais diria um palavrão na vida, comprometeu-se a ir todas as quartas-feiras à missa, chegou até a assegurar que jamais assistiria de novo a uma partida do Sport. A tudo se mostrou disposto, mesmo aos mais duros sacrifícios, desde que Ela, a bondosa e compreensiva Nossa Senhora, lhe consentisse a Sua Graça e lhe concedesse o milagre de uma virilidade modesta como a de todos os outros. As promessas foram tantas e feitas com tamanho fervor e devoção que José acabou por se convencer de que Maria, Nossa Senhora e Mãe de Deus, não teria outro remédio que não fosse aceder às suas humildes súplicas e minguar-lhe o pirilau.

A vida de José tornou-se, durante um mês, um verdadeiro ritual. O seu primeiro acto ao acordar era erguer a manta e espreitar por baixo das calças do pijama para verificar se a graça lhe fora ou não concedida nessa noite. Recuperava rapidamente da decepção, recriminando-se a si próprio por não ter sido suficientemente devoto nas orações e assumindo o solene compromisso de ser ainda mais fervoroso da vez seguinte. Logo tudo recomeçava, com novas promessas de fidelidade beata e juras renovadas de rejeição do pecado e da tentação.

Chegou ao ponto de ir todos os dias à missa, um zelo tão súbito e rigoroso que levantou as suspeitas de Amélia. A mãe tanto estranhou tamanha piedade que até se plantou de vigia; cheirava-lhe que havia por ali artimanha. Mas não, concluiu depois, compadecida; o rapaz ia mesmo à missa, o vigário confirmava-o diariamente entre profusos encómios ao espantoso despertar daquela devoção. Moço pio mais pio nunca se vira em parte alguma de Penafiel desde que o padre Américo dali abalara para fundar a Casa do Gaiato.

"Ainda acaba papa", gracejou o padre Jacinto, erguendo o indicador para o céu. "Papa, digo-lhe eu!"

A mãe, porém, não interpretou este comentário inocente como um gracejo, um mero dito espirituoso, mas como o arauto de coisas grandes, imensas, maiores do que a imaginação. Essas palavras, achou ela, constituíam uma premonição! A verdade é que a devoção manifestada por José era tanta e tornara-se tão intensa que Amélia começou a alimentar uma hipótese acima de todas as outras. Desde que a irmã perdera o marido que Amélia, num acto em que todos viam a prova da mais zelosa das amizades e solidariedades fraternais, se recolhera ao mundo espiritual. Procurou na alma a resposta para o enigma do sofrimento e pareceu-lhe então que a graça de Deus se manifestava na luz que guiava os passos do seu mais novo até ao altar do Sameiro.

Foi assim que, em segredo, Amélia se pôs a olhar para José e a ver um sacristão. Depois o sonho cresceu e já ali estava um padre, um bispo, um cardeal, ou até... até... quem sabe se o pároco do Sameiro não teria acertado em cheio? Talvez algo de verdadeiramente grandioso, um... um...