atrever-se-ia ela a pronunciar a palavra? Sim, um... um papa. Um papa! Ah, suspirou Amélia, embevecida. Como eram misteriosos e belos os desígnios do Senhor!
Amarga foi a decepção.
Tantos sonhos, imensos projectos acalentados, tamanhos desejos de glória, tanta coisa em vão; nenhum milagre se materializou. Nem José se tornou padre, nem Nossa Senhora lhe minguou o pirilau.
Apesar da contrariedade, Amélia soube superar o desapontamento com dignidade louvável e resignação estóica, mas o mesmo não se pode dizer do filho. José Branco não conseguia perceber por que razão Nossa Senhora, vendo-o sofrer tanto e rezar com tal fervor, não se compadecia das suas amarguras. Seria possível que Ela não o tivesse escutado? Era admissível pensar que a Mãe de Jesus, tão poderosa e bondosa, não quisesse resolver- lhe tão minúsculo problema? Seria birra da Virgem? A pequena dúvida, insidiosa e traiçoeira, corroeu-lhe por momentos o espírito, mas depressa a escorraçou, quase indignado. Não, não era possível tal coisa. Quem era ele para duvidar dela? Nossa Senhora estaria certamente a testar a sua fé, a ver até onde ele se manteria fiel na sua devoção. Se ele Lhe desse a prova final, raciocinou com inabalável certeza, o milagre produzir-se-ia inevitavelmente.
O mais pequeno dos Branco escolheu a Páscoa para apresentar a Nossa Senhora a prova da sua devoção e assim colher como prémio o milagre do pirilau minguado. Logo que as festividades começaram, o rapaz multiplicou-se em actividades. Eram tantas e tão variadas que se diria ser ele, e não Ele, o omnipotente e omnipresente. Integrou grande número das procissões que palmilhavam a cidade e percorreu várias igrejas, sempre a acompanhar os serviços pascais que decorriam desde Sexta-Feira Santa. Absteve-se até de se alambazar com os tradicionais doces da Páscoa, substituindo-os antes pelas insonsas hóstias das igrejas, decerto menos saborosas, mas sem dúvida mais puras.
Fez o que pôde para demonstrar a sua devoção a Nossa Senhora e foi tão sincero no seu piedoso compromisso que, na segunda- feira seguinte, ao levantar a manta para inspeccionar o resultado de tantos trabalhos e privações, não lhe ocorreu sequer que o milagre não se tivesse concretizado, tão grande era a sua fé na infinita bondade de Maria; a única dúvida que o corroía naquele supremo instante de realização era saber qual o novo tamanho que a Santa Mãe de Jesus havia escolhido para o pirilau.
A sua fé não resistiu ao devastador embate com a realidade. Quando espreitou para debaixo do cobertor e constatou que o milagre não se produzira, tomou a decisão de não voltar a pôr os pés numa igreja nem a confiar na Virgem Maria.
Por ironia do destino, foi justamente uma rapariga chamada Maria, por sinal já desvirginada, quem restituiu a fé a José. Tudo aconteceu no Outono de 1950, tinha o rapaz acabado de completar catorze anos e começado a experimentar, com inusitada frequência, um crescente e insuportável ardor entre as pernas. Sobretudo à noite.
Tinha dificuldade em adormecer, tão incómodo se revelava aquele ardor, e acordava de manhã com um verdadeiro chumaço dentro das calças do pijama; despertava tão rijo e monstruoso que precisava de aguardar uns bons cinco minutos até poder ir urinar ao quintal. Descobriu que conseguia aliviar o ardor com umas massagens, que fazia vigorosamente com a ponta dos dedos ou despejando álcool entre as pernas, o que lhe provocava uma sensação quente que o descontraía.
Mas esses remédios eram temporários, truques para enganar aquela fome inexplicável, formas pecaminosas de lidar com a vontade incontida de explodir entre as pernas e que, no rescaldo do alívio, o'deixavam a roer-se de culpa.
Acontece que Beatriz, a empregada da casa que servira de parteira no seu nascimento, teve nesse Outono de se ausentar um mês para ir à terra tratar de um familiar que adoecera. Ao fim de três dias, Amélia queixou-se ao marido de que não dava conta do recado. Não era criada nem nascera para aquilo, nunca na vida lavara tantos pratos. Onde já se vira uma senhora da boa sociedade penafidelense ser obrigada a limpar a cozinha e a encerar o chão? Tudo isso para dizer que precisava de alguém que substituísse temporariamente a fiel empregada. Tão massacrado pela mulher foi o capitão Mário Branco que lá deitou contas à vida e concluiu que, bem vistas as coisas, apertando um pouco ali e cortando acolá, sempre sobrava um dinheirinho para ir buscar uma nova rapariga.
A escolha recaiu em Maria Imaculada, uma moça do campo, dezoito anos de frescura, pele clara e faces avermelhadas. Parecia um pimentão saudável. A jovem camponesa ficou no quarto habitualmente ocupado por Beatriz, e Amélia, sem talvez ponderar o caso com a devida atenção, atribuiu-lhe de uma assentada todas as responsabilidades que pertenciam por hábito à empregada ausente. Ora uma dessas responsabilidades era justamente levar água quente para o banho mensal das duas filhas e do rapaz mais novo. Por fatal coincidência, o primeiro banho ocorreu poucos dias depois da entrada ao serviço da nova empregada.
Maria Imaculada desempenhou as suas funções com presteza e eficiência. Pôs as vasilhas ao lume, no fogão a carvão da cozinha, e, logo que a água ficou quente, desceu por ali fora, a bufar, para a levar ao pátio interno do rés-do-chão, onde as raparigas se juntaram para o banho. Depois de Mana e Lourdes completarem a higiene, foi a vez de José ser chamado pela mãe à ablução mensal, ritual que o rapaz desempenhava sempre com manifesta má vontade e apenas depois de o pai, movido pelos queixumes da mulher, soltar um aviso ameaçador. "Zéééé!..."
Instado pela severa advertência paterna, o mais novo lá seguiu, contrariado mas obediente, para o pátio interno onde habitualmente se tomava banho. Quando sentiu a empregada descer as escadas com a água a fumegar na vasilha, o rapaz despiu-se e meteu-se na banheira de alumínio. O
problema é que a criada, sendo nova na casa, desconhecia os pormenores relativos à virilidade inata do menino José, pormenor afamado já até entre os colegas de escola. Não admira por isso que, quando entrou no pátio interno, e ao observar distraidamente o moço na banheira, a rapariga quase tivesse deixado tombar a vasilha. Os seus olhos haviam pousado no que jamais imaginara ver.
"Ah!", exclamou, pasmada. "Meu Deus!"
A empregada corou e procurou recuperar a compostura, disfarçar a surpresa, desviar a atenção; esforçou-se por olhar para a frente, para o chão, para a vasilha, para aqui, para acolá, para qualquer lado, para tudo, tudo, tudo menos para ali. Ali. Porém, o esforço revelou-se inglório; era como se o rapaz tivesse pendurado entre as pernas um magneto potente, um poderoso íman a que os seus olhos não queriam, não podiam, não sabiam resistir.
Nessa noite, conhecendo já o hábito do rapaz de ir à cozinha para beber um copo de água antes de se deitar, Maria Imaculada permaneceu um longo tempo sentada na cama, à escuta, atenta aos ruídos provenientes do andar de cima. Logo que sentiu o movimento abafado de José a descer as escadas, entreabriu a porta do quarto e despiu a camisola de lã, deixando os seios lácteos e arredondados à vista. Pegou na camisa de noite e fingiu que se preparava para a vestir.
Para sua decepção, porém, o rapaz passou de largo e seguiu para a cozinha sem sequer espreitar pela porta entreaberta. Não se dando por vencida, porque não era rapariga para tal e porque a maravilhosa visão dessa manhã lhe ateara o desejo e lhe incendiara as entranhas, a empregada manteve-se sentada na cama de tronco nu, a camisa de noite nas mãos, a luz bruxuleante da lâmpada de petróleo a bailar-lhe no corpo curvilíneo. Num assomo de inspiração, pôs-se a tfautear com fingida inocência uma canção que se habituara a entoar com as raparigas do campo.