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Todo este progresso se afigurava esmagador a quem acabava de chegar da minúscula Penafiel, mas havia alguns pormenores bizarros que acharam hilariantes. No cruzamento da Avenida da Liberdade com a Rua Alexandre Herculano, por exemplo, depararam com um poste que mudava de cores e tudo, coisa engraçada que a todos divertiu; o mais caricato é que os carros e as bicicletas lhe obedeciam como se estivessem diante de um polícia.

"Chama-se semáforo!", exclamou Pires com tal orgulho que se diria ser ele o inventor de tão cómico dispositivo eléctrico. "É o primeiro do país." Ergueu a mão com a eloquência de um oráculo a anunciar o futuro. "Mais virão, meus amigos. Mais virão!"

Outra grande emoção foi o Elevador de Santa Justa. Sempre que tinham de voltar para a casa do Pires em Campolide faziam um desvio e, por dois tostões, compravam os bilhetes que lhes permitiam subir ao topo e apreciar Lisboa ao pôr do Sol.

Mas havia mais.

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"O regime até tem planos, veja-se bem, para a maior obra de todas", anunciou o Pires. "Uma grande ponte sobre o Tejo."

A revelação a todos surpreendeu. Bem vistas as coisas, o projecto só podia ser ambição de sonhadores e poetas, utopistas que viviam no mundo da fantasia; era lá possível erguer uma ponte sobre tão grande estuário?

O pasmo percorria o rosto de cada adulto do grupo, e mesmo das crianças mais velhas, mas todos sabiam que o melhor daquele magnífico passeio ainda estava para vir. A grande exposição.

Os quatro guerreiros gigantes protegiam a entrada com o seu ar de sentinelas atentas, os dois pares de espada para baixo, escudo ao peito, cota de malha a descer pelo corpo e capacete enterrado até aos olhos. Tratava-se de reproduções enormes, em relevo, de um grande combatente medieval multiplicado por quatro. As figuras gémeas, alinhadas em colunas, guardavam com rigoroso zelo a Porta dos Cavaleiros, a majestosa passagem por onde se acedia à exposição.

"Quem são aqueles, pai?", quis saber José, apontando para os enormes guerreiros a crescer diante dele.

"E D. Afonso Henriques", revelou o capitão com ar paternal. "Foi o primeiro rei de Portugal, o homem que criou o nosso país, em 1140, faz agora oitocentos anos." Esboçou um gesto circular, englobando toda a entrada. "E por isso que esta porta, chamada dos Cavaleiros, também é conhecida por Porta da Fundação."

Compraram os bilhetes e cruzaram a Porta dos Cavaleiros justamente no ponto onde começava a recém-construída marginal para Cascais. Entraram no recinto da Exposição do Mundo Português e admiraram o arranjo ordeiro do complexo, a pureza das linhas, a elegância dos monumentos, a majestade da arquitectura, tudo tão perfeito e tão sólido que nada parecia erguido em estafe e gesso. Uma animada música de fundo ecoava por todo o perímetro; era uma ópera italiana, composição épica que tudo engrandecia.

Em frente, à esquerda, ancorada na marina, balouçava uma grande caravela, colorida, de varandas trabalhadas e alegres bandeiras a dançar em todos os mastros.

"Oh, que graça!", comentou Amélia. "É a Nau Portugal."

"Pois", hesitou o capitão, consultando a brochura que adquirira à entrada. "Chama-se Nau de São Vicente."

"Vamos lááá!", pedinchou o Zezinho. "Vaaamos!"

"Siiim!", concordaram os irmãos, num coro desafinado, dando saltinhos de excitação. "Vamos!"

Mário Branco leu a brochura com atenção.

"Ó meninos, a nau tem lá um restaurante." Levantou a cabeça e mirou os filhos. "Ainda é cedo para comermos, não acham? Vamos mas é dar uma voltinha por aqui e depois voltamos à nau, está bem?"

Não foi uma decisão popular; no fim de contas a Nau Portugal era a grande atracção da pequenada, mas pai era pai e capitão era capitão, pelo que ninguém se atreveu a contestar a ideia.

Admiraram à esquerda o Pavilhão da Formação e Conquista, com a curiosa Esfera dos Descobrimentos na esquina, e avançaram pela grande avenida, contemplando a nau e o Padrão das Descobertas do lado do rio, enquanto o outro lado se abria para a grande Praça do Império, com o seu jardim geométrico e magníficos repuxos de água, o belo rendilhado da longa fachada do Mosteiro dos Jerónimos a prolongar-se lá ao fundo.

"Finalmente Lisboa abraça o rio", comentou o capitão. "Já era hora!"

"O que queres dizer com isso?", quis saber Amélia.

"No meu tempo, quando andei aqui na Escola de Guerra, a cidade vivia de costas voltadas para o Tejo. Cresceu em todas as direcções de forma caótica e sempre a ignorar o rio." Apontou para o espelho azul cintilante que se estendia até à faixa de terra na margem longínqua. "Mas agora não.

Lisboa voltou-se enfim para o Tejo."

Ao fundo da avenida entretiveram-se a apreciar as Diversões Náuticas dentro da marina e depois foram passear pelo emaranhado das Aldeias Portuguesas. Contornaram o posto de informações e percorreram a Praça do Império até ao Pavilhão dos Portugueses no Mundo, onde, junto à grande estátua da Soberania, viraram à direita e passaram diante da fachada dos Jerónimos, o capitão à frente, a acelerar o passo com a autoridade de quem comanda um regimento.

"Vamos rápido, vamos rápido!"

"O homem, valha-me Deus", protestou Amélia, já afogueada de tanto caminhar. "Porquê tanta pressa?"

"Quero levar-vos a ver uma coisa que vos vai espantar."

"O quê?"

"Vou mostrar-vos África."

Caminharam entre a Porta Sul dos Jerónimos e o Pavilhão da Honra e de Lisboa e entraram enfim na Secção de Etnografia Colonial. Toda a área ultramarina havia sido erguida ao longo do Jardim Colonial e separada por secções. Passaram pela índia, caracterizada pelos aromas fortes de Goa, e cruzaram o pavilhão de Macau, abrilhantado por uma curiosa rua cheia de tabuletas com caracteres chineses que a todos divertiu.

"Olha, diz ali Alfaiataria Chan Cheong", riu-se António, o mais velho dos irmãos.

"E aquela?", perguntou Mana, apontando para outra tabuleta. "Que palavras tão esquisitas!"

A tabuleta assinalava o Iat Ut Seng e dizia que a loja vendia artigos de electricidade.

"Diabo de nomes!"

Desembocaram por fim no grande Pavilhão de Angola e Moçambique, protegido por dois hipopótamos que ladeavam a escadaria. Ao fundo viam-se umas palhotas e uma multidão curiosa formigava em torno delas.

Aproximaram-se do local e logo o capitão exclamou:

"Estão a ver? Estão a ver? Eu não vos dizia?"

Amélia e Joana abriram a boca de espanto quando espreitaram entre os ombros e as cabeças das pessoas que se acotovelavam em frente, e o mesmo aconteceu com a criada e as crianças.

"Credo!", exclamou Joana, horrorizada. "Ai Jesus!"

"Ora esta!", concordou a irmã. "Realmente, se eu não visse não acreditava!"

António, o mais velho dos filhos, lançou ao capitão um olhar receoso.

"Ó pai, eles comem a gente?"

"Não, que disparate!"

"Comem, comem!", insistiu Lourdes. "Comem que eu sei!"

"Não comem nada."

E ali ficaram todos, embasbacados, num misto de repulsa e fascínio, a contemplar o espectáculo que se desenrolava diante deles, a mirar aquela extraordinária atracção: um homem de tronco nu e tanga e pele escura como carvão, os cabelos encaracolados e o olhar enfastiado, sentado diante da palhota como se estivesse encarcerado numa jaula. Se era homem ou besta ninguém tinha realmente a certeza, o assunto estava aberto a discussão, mas o facto era que ali não passava de uma bizarria exibida em número de circo, apontado a dedo e motivo de grande espanto. Sucediam-se os "ah!" e os "oh!", exclamações que denunciavam o mais absoluto dos pasmos. Todos o viam e cada um o comentava.