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Com um gesto hábil, lançou o negócio na tigela do imperador, onde a coisa se agitou até parar. O garoto olhou-a durante algum tempo, e então fisgou-a com o palitinho.

— Ah! — exclamou. — Mas também não foi escrito por ninguém menos do que o grande filósofo Yin Gha No que o erudito está acima dos príncipes? Lembro-me da ocasião em que o senhor me deu esse trecho para ler, ó Fiel e Assíduo Explorador do Conhecimento.

O negócio traçou outro breve arco no ar e caiu na tigela do vizir. Ele o pegou com um movimento rápido e ergueu-o para o segundo round. Os olhos se apertaram.

— Talvez em geral seja esse o caso, ó Rio Brilhante da Sabedoria, mas especificamente não estou acima do imperador a quem amo como filho e assim tenho feito desde a desgraçada morte de seu falecido pai, e portanto ponho essa pequena oferenda a seus pés.

Os olhos da corte seguiram o deplorável órgão em sua terceira viagem por sobre a esteira, mas o imperador pegou o leque e deu uma rebatida perfeita, jogando-o de volta à tigela do vizir com tanta força que fez derramar um pouco da alga marinha.

— Alguém coma isso, pelo amor de Deus! — gritou Mort, sem ser ouvido. — Estou com pressa!

— O senhor é sem dúvida o mais atencioso dos servos, ó Devotada Companhia Única de Meus Falecidos Pai e Avô Ao Morrerem, e portanto decreto que sua recompensa seja a mais rara e requintada das guloseimas.

Irresoluto, o vizir espetou o negócio e olhou o sorriso do Imperador. Era alegre e terrível. Ele procurou uma desculpa.

— Ai de mim! Acho que já comi demais... — começou, mas o imperador acenou para que se calasse.

— Sem dúvida merece um tempero apropriado — disse, e bateu as mãos.

A parede atrás dele se rasgou de alto a baixo, e quatro guardas divinos entraram na sala, três deles brandindo espadas e o quarto se apressando em tentar engolir uma guimba acesa.

A tigela do vizir lhe caiu das mãos.

— O mais fiel dos meus servos acha que não tem espaço para um último bocado — informou o imperador. — Talvez vocês possam investigar o estômago dele para ver se é verdade. Por que esse homem está com fumaça saindo pelas orelhas?

— Sede de ação, ó Eminência Celestial — respondeu o sargento, com rapidez. — Não tem o que o faça parar.

— Então deixe-o pegar a faca e... ah, parece que o vizir está com fome afinal. Muito bem.

Houve silêncio absoluto quando o vizir começou a comer. Então engoliu.

— Delicioso — atestou. — Esplêndido. Realmente o manjar dos deuses. E agora, se o senhor me permite...

Ele esticou as pernas e se preparou para levantar. Pequenas gotas de suor haviam lhe brotado na testa.

— Quer se retirar? — perguntou o imperador, erguendo as sobrancelhas.

— Urgentíssimos assuntos de Estado, ó Sagaz Alteza do...

— Fique sentado. Levantar tão rápido depois das refeições pode ser péssimo para a digestão — argumentou o imperador, e os guardas assentiram. — Além do mais, não existe nenhum assunto de Estado urgente, a menos que o senhor esteja se referindo ao que se encontra no vidrinho vermelho rotulado de “Antídoto”, no armário laqueado preto sobre a esteira dos seus aposentos, ó Luz das Altas Horas.

Surgiu um zumbido nos ouvidos do vizir. O rosto começou a ficar azul.

— Está vendo? — indagou o imperador. — Muita atividade de estômago cheio causa indisposição. Que essa lição chegue a todos os cantos do país, que todos os homens saibam do seu estado lamentável e tirem proveito dele.

— Devo... parabenizá-lo... ó Excelência, por essas considerações — disse o vizir, e caiu para frente, na travessa de caranguejos de casca mole.

— Tive um ótimo professor — rebateu o imperador.

— E JÁ NÃO ERA SEM TEMPO — disse Mort, agitando a espada. Um instante depois, a alma do vizir se levantava da esteira e olhava Mortimer dos pés à cabeça.

— Quem é você, bárbaro? — perguntou.

— Morte.

— Não o meu Morte — retrucou o vizir, com firmeza. — Onde está o Celestial Dragão Negro do Fogo?

— NÃO PÔDE VIR — desculpou-se Mort.

Havia sombras se formando atrás da alma do vizir. Várias delas usavam o manto imperial, mas havia muitas outras, e todas pareciam ansiosas para receber o recém-chegado à terra dos mortos.

— Acho que tem umas pessoas aqui para ver o senhor — adiantou Mort, e se foi.

Quando alcançou o corredor, a alma do vizir começou a gritar...

Ysabell aguardava pacientemente ao lado de Pituco, que estava almoçando um bonsai de 500 anos.

— Menos um! — gritou Mort, montando na sela. — Vamos. Estou com um pressentimento ruim em relação ao próximo, e não temos muito tempo.

Albert se materializou bem no centro da Universidade Invisível, no mesmo lugar em que havia se despedido do mundo cerca de 2 mil anos antes.

Resmungou satisfeito e limpou algumas manchas de poeira do manto.

Então percebeu que estava sendo observado: olhando para cima, descobriu que ganhara existência sob o ríspido olhar de mármore que pertencia a si mesmo.

Ajustou os óculos e consultou a placa de bronze presa ao pedestal. Dizia:

“Alberto Malich, Fundador desta Universidade — 1222-1289 — Jamais Veremos Outro Igual”

Mas vão ver o mesmo, pensou ele. E se o tinham em tão alta estima, deveriam pelo menos ter contratado um escultor decente. Aquilo era uma desgraça. O nariz estava todo errado. Chamam aquela deformidade de perna? Os alunos também vinham escrevendo seus nomes na pedra. E ele jamais se deixaria ver morto num chapéu daqueles. Aliás, se pudesse, jamais se deixaria ver morto da maneira que fosse.

Albert mirou um raio octarina na estátua medonha e abriu um sorriso maligno ao detoná-la.

— Certo — disse para ninguém em especial. — Eu voltei.

O formigamento da magia lhe atravessou o braço e começou a aquecer sua mente. Durante todos aqueles anos, como ele havia sentido falta disso!

Ao som da explosão, os magos logo chegaram correndo pelas grandes portas duplas e de pronto tiraram a conclusão errada.

Ali estava o pedestal, vazio. Havia uma nuvem de pó de mármore sobre tudo. E, avançando para fora dela, murmurando para si próprio, encontrava-se Albert.

Os magos dos fundos começaram a fugir o mais rápido e silenciosamente possível. Não havia um deles que, a certa altura da juventude, não houvesse colocado um utensílio doméstico qualquer na cabeça do velho Albert ou esculpido seu nome em algum canto da anatomia indiferente da estátua, ou ainda derramado cerveja no pedestal. Pior era o que acontecia durante a Semana da Arruaça, quando a bebida corria depressa e a latrina parecia longe demais. Tudo isso parecera engraçadíssimo na hora. Agora, já não parecia mais.

Apenas duas criaturas continuaram para fazer frente à fúria da estátua, uma porque o manto ficara preso na porta e a outra porque na verdade se tratava de um macaco, e então podia ter uma postura tranqüila em relação aos assuntos humanos.

Albert agarrou o mago, que tentava desesperadamente atravessar a parede. O homem soltou um grito.

— Tudo bem, tudo bem. Eu confesso! Estava bêbado na ocasião, acredite, não era minha intenção, sinto muito, sinto tanto...

— Homem de Deus, do que está falando? — perguntou Albert, genuinamente intrigado.

— ... mas tanto, se eu tivesse de dizer o quanto, a gente...

— Pare de besteira!

Albert olhou o macaco, que lhe dirigia um sorriso amigo.

— Qual o seu nome?

— Sim, senhor. Vou parar, senhor. Agora mesmo, parar de besteira, senhor... Rincewind, senhor. Bibliotecário-Assistente, se não for problema para o senhor.

Albert olhou-o de cima a baixo. O sujeito tinha um aspecto amarrotado, feito roupa suja à espera de lavar. Ele decidiu que, se era àquele ponto que os magos haviam chegado, algo tinha de ser feito.