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Passou por Mort e saiu para o corredor. Os outros quatro miraram Mort.

— Tem certeza do que está fazendo? — perguntou Cortabem.

— É impossível vencer o patrão — salientou Albert, num suspiro. — Tire por mim.

— O que acontece se você perder? — quis saber Keli.

— Não vou perder — respondeu Mort. — Esse é o problema.

— Papai quer que ele ganhe — disse Ysabell aflita.

— Vai deixar Mort vencer? — indagou Cortabem.

— Ah, não. Não vai deixá-lo vencer. Só quer que ele ganhe.

Mortimer confirmou com a cabeça. Ao seguir o vulto negro de Morte, refletiu sobre o infindável futuro, servindo ao propósito misterioso do Criador e vivendo à margem do Tempo. Não podia culpar Morte por querer largar o emprego. Morte havia dito que os ossos não eram obrigatórios, mas talvez isso não importasse. Será que, a eternidade demoraria a passar, ou, de um ponto de vista pessoal, todas as vidas tinham a mesma duração? Oi, disse uma voz em sua cabeça. Lembra de mim? Sou você. Fui eu que o meti nessa.

— Obrigado — grunhiu ele. Os outros o encararam.

Você pode se dar bem, disse a voz. Tem uma grande vantagem. Você já foi ele, e ele nunca foi você.

Morte atravessou o corredor até a Sala de Vidro, com as velas obedientemente se acendendo ao entrar.

— ALBERT!

— Senhor?

— Traga as ampulhetas.

— Senhor.

Cortabem segurou o braço do velho.

— Você é mago — sussurrou. — Não tem de fazer o que ele manda!

— Rapaz, quantos anos você tem? — perguntou Albert, com doçura.

— Vinte.

— Quando tiver a minha idade, vai ver suas escolhas de outra maneira.

Ele se virou para Mort.

— Sinto muito.

Mortimer sacou a espada, a lâmina quase invisível sob a luz das velas. Morte deu meia-volta e o encarou, sendo então apenas uma silhueta delgada contra a imensa estante de ampulhetas.

Estendeu os braços. A foice apareceu em suas mãos com um pequeno estrondo.

Albert surgiu de um dos corredores com duas ampulhetas e, sem dizer nada, depositou-as na saliência de uma das colunas.

Uma era várias vezes maior do que as ampulhetas comuns — preta, fina e intrincadamente esculpida num jogo de ossos e caveira.

Não era o pior.

Mortimer engoliu um gemido. Não havia areia dentro.

Ao lado, a ampulheta menor era bastante simples e despretensiosa. Mortimer estendeu a mão para pegá-la.

— Posso? — perguntou.

— Fique à vontade.

O nome Mort estava inscrito. Ele ergueu a ampulheta à luz, notando sem muita surpresa que quase já não restava areia no vaso superior. Quando levou-a ao ouvido, imaginou escutar, apesar do eterno ruído dos milhões de instrumentos ao redor, o som de sua própria vida se esvaindo.

Com cuidado, botou-a onde estava.

Morte se virou para Cortabem.

— Senhor mago, pode fazer a gentileza de contar até TRÊS?

Com ar grave, Cortabem assentiu.

— Tem certeza de que isso não poderia ser resolvido numa mesa... — começou.

— Não.

— Não.

Mortimer e Morte começaram a andar em círculo, seus reflexos a tremeluzirem nas fileiras de ampulhetas.

— Um — disse Cortabem.

Morte agitou a foice ameaçadoramente.

— Dois.

As armas se encontraram no ar com um som de gato deslizando em vidro.

— Os dois trapacearam! — gritou Keli. Ysabell confirmou.

— É claro — disse.

Mortimer deu um salto para trás, curvando a espada num arco tão demorado que Morte não teve dificuldade em desviar, transformando a defesa num movimento circular baixo, do qual Mortimer só se livrou com um desajeitado pulo vertical.

Embora a foice não ocupe lugar de destaque entre as armas de guerra, qualquer pessoa que já tenha estado do outro lado de uma, digamos, revolta camponesa sabe que em mãos hábeis ela vira um perigo. Quando o dono começa a agitá-la, ninguém — inclusive quem a empunha — sabe onde a lâmina está nem onde estará dali a um minuto.

Sorrindo, Morte avançou. Mortimer evitou o golpe à altura da cabeça e saltou de lado, ouvindo o tinido da foice contra uma ampulheta na prateleira mais próxima...

... num beco escuro de Morpork um limpador de fossas levou a mão ao peito e caiu para frente da carroça...

Mortimer rolou no chão e se levantou, meneando com as duas mãos a espada acima da cabeça e sentindo uma ponta de alegria ao ver Morte se afastar. O golpe violento acertou uma prateleira. Uma a uma, as ampulhetas começaram a cair. Em confusão, Mortimer notou Ysabell passar por ele e salvá-las...

... no Disco, quatro pessoas escaparam milagrosamente da morte por queda...

...e então correu adiante, aproveitando a vantagem. Morte agitou as mãos com rapidez ao aparar cada uma das investidas, depois mudou a foice de posição e trouxe a lâmina para cima num arco do qual Mortimer só escapou com um pulo para o lado, no percurso rachando uma ampulheta com o punho da espada e lançando-a pelo ar...

... nas Montanhas Ramtops, o pastor que à luz de vela procurava uma vaca perdida nos campos mais elevados escorregou e despencou mais de trezentos metros...

... Cortabem saltou para frente, pegou a ampulheta numa das mãos estendidas em desespero, caiu no chão e deslizou de bruços...

... uma árvore retorcida surgiu de forma misteriosa debaixo do pastor e aparou a queda, eliminando seus problemas mais graves — a morte, o julgamento dos deuses, a incerteza do Paraíso e assim por diante — e substituindo-os por aquele comparativamente mais leve: escalar cerca de trezentos metros de penhasco gelado no breu absoluto.

Houve uma pausa quando os adversários se afastaram um do outro e voltaram a andar em círculo, à procura de uma brecha.

— Não tem nada que a gente possa fazer? — perguntou Keli.

— Mort vai perder de qualquer maneira — respondeu Ysabell, sacudindo a cabeça.

Cortabem tirou o castiçal de prata da manga e começou a passá-lo de uma mão para a outra.

Morte brandiu a foice, acidentalmente quebrando uma ampulheta à altura do ombro...

... em Bes Pelargic, o torturador-chefe do imperador caiu de costas em seu próprio poço de ácido...

... e desferiu outro golpe, que Mortimer desviou por mera sorte. Mas por pouco. Ele já sentia dor nos músculos e o entorpecimento cinza do cansaço, duas desvantagens que Morte não tinha de considerar.

Morte percebeu.

— RENDA-SE — disse. — POSSO SER MISERICORDIOSO.

A bem de ilustração, desferiu um golpe circular que Mortimer aparou desajeitadamente na ponta da espada. A lâmina da foice ricocheteou, espatifando uma ampulheta...

... o duque de Sto Helit levou a mão ao peito, sentiu uma pontada aguda de dor, gritou sem proferir nenhum som e caiu do cavalo...

Mortimer recuou até sentir a aspereza de uma coluna de pedra na nuca. A ampulheta de Morte, com os vasos assustadoramente vazios, encontrava-se a alguns centímetros de sua cabeça.

Morte não estava prestando atenção. Encontrava-se pensativamente olhando os restos da vida do duque.

Mortimer soltou um grito e meneou a espada aos aplausos do pessoal, que havia algum tempo vinha esperando que ele fizesse isso. Até Albert bateu as mãos enrugadas.

Mas, em vez do tinido de vidro que Mortimer esperava ouvir, não houve nada.

Ele se virou e tentou de novo. A lâmina atravessou a ampulheta sem quebrá-la.

A mudança na textura do ar fez com que ele girasse a espada e a trouxesse de volta bem a tempo de aparar um ataque violento.

Então foi a vez de Morte se afastar para escapar ao contra-ataque de Mortimer, que saiu fraco e lento.

— E AQUI TERMINAMOS, GAROTO.