— Beenay…
— Acredite, professor, que daria tudo para não ter que lhe trazer más notícias. Sei que está furioso comigo, mas só posso dizer que pensei muito antes de vir aqui. O que eu realmente queria fazer era queimar tudo e esquecer o que sei. Foi uma infelicidade descobrir o que descobri, e uma terrível ironia do destino ter sido logo eu que…
— Beenay! — repetiu Athor, com impaciência.
— Professor?
— Eu estou furioso com você, sim. Mas não pelo motivo que você pensa.
— Como assim?
— Em primeiro lugar, estou aborrecido porque você não para de falar, quando tudo o que quero é analisar com calma as consequências das informações que você acaba de me trazer. Em segundo lugar, e muito mais importante, estou absolutamente revoltado com o fato de você ter hesitado, mesmo que por um momento, antes de mostrar sua descoberta. Por que levou tanto tempo?
— Professor, só ontem acabei de verificar todos os cálculos.
— Ontem! Então você devia ter vindo aqui ontem! Tem a coragem de dizer-me, Beenay, que você pensou seriamente em ocultar tudo isto? Que você teria coragem de simplesmente jogar fora os resultados e não contar nada a ninguém?
— Não, senhor — disse Beenay, de cabeça baixa. — Eu não teria coragem de fazer isso.
— Ainda bem. Diga-me, rapaz, acha que estou apaixonado pela minha maravilhosa teoria a ponto de preferir que um dos meus discípulos mais brilhantes me oculte o fato desagradável de que a teoria contém uma falha?
— Não, senhor. Claro que não.
— Então por que não veio correndo para cá no momento em que teve certeza de que seus cálculos estavam corretos?
— Porque… porque, professor… — parecia que Beenay queria desaparecer por sob o carpete — porque sabia que o senhor iria ficar aborrecido. Porque achei que… achei que a notícia talvez não fizesse bem à sua saúde. Por isso, esperei um pouco, conversei com alguns amigos, pensei a respeito de minha própria posição em tudo isto e, no final, cheguei à conclusão de que não tinha escolha. Tinha que contar ao senhor que a Teoria da Gravi…
— Então você pensa de fato que eu amo minha teoria mais do que a própria verdade, não é?
— Oh, não, não, senhor!
Athor sorriu novamente, e desta vez sem esforço.
— Acontece que eu amo, sim. Afinal, também sou humano, acredite você ou não. A Teoria da Gravitação Universal trouxe-me todas as honrarias científicas que este planeta tem a oferecer. É o meu passaporte para a imortalidade, Beenay. Você sabe disso. Ter que admitir a possibilidade de que a teoria esteja errada… oh, é um grande choque para mim, Beenay. O suficiente para me deixar arrasado. Pode ter certeza. Entretanto, é que ainda acredito que minha teoria esteja correta.
— Professor? — disse Beenay, imediatamente ofendido. — Eu lhe disse que verifiquei as contas várias vezes…
— Oh, os seus cálculos estão perfeitamente corretos também. Não duvido deles. Além disso, como me disse, Faro e Yimot chegaram à mesma conclusão usando outros métodos, mas o que temos aqui não significa necessariamente que a Lei da Gravitação Universal esteja errada.
Beenay piscou várias vezes.
— Não?
— Claro que não — disse Athor, com ar paternal. Sentia-se muito melhor agora. A calma irreal dos primeiros momentos dera lugar a um tipo muito diferente de tranquilidade de alguém que persegue a verdade. — Que diz a Teoria da Gravitação Universal, afinal de contas? Que cada corpo do universo exerce uma força sobre todos os outros corpos, força esta proporcional à massa e à distância. O que você tentou fazer ao usar a Teoria da Gravitação Universal para calcular a órbita de Kalgash? Simplesmente levar em conta o efeito gravitacional de todos os astros sobre o nosso planeta. Não é verdade?
— Sim, senhor.
— Pois não há necessidade de jogar fora a Teoria da Gravitação Universal, pelo menos ainda não. O que temos a fazer, meu jovem amigo, é simplesmente repensar a imagem que fazemos do universo e verificar se estamos ignorando alguma coisa que devia ter sido incluída em nossos cálculos. Algum fator misterioso, que, sem o nosso conhecimento, esteja exercendo uma força gravitacional suficiente para modificar a órbita de Kalgash.
As sobrancelhas de Beenay levantaram-se alarmadas Ele olhou para Athor com uma expressão de total assombro. Logo depois, começou a rir. Tentou controlar-se, mantendo a boca fechada, mas a gargalhada insistia em escapar, fazendo-o encolher os ombros e emitir sons estrangulados; afinal, viu-se forçado a tapar a boca com as duas mãos para segurar o riso.
Athor observou-o, espantado.
— Um fator desconhecido! — exclamou Beenay, quando recuperou o fôlego. — Um dragão no céu! Um gigante invisível!
— Dragão? Gigante? De que está falando, rapaz?
— Ontem à noite… Theremon 762… desculpe, professor, desculpe… — Beenay esforçou-se para recuperar o controle. Seu rosto se contorceu em um esgar. Ele respirou fundo, deu as costas por um instante ao velho mestre e quando olhou para ele de novo, estava quase normal. Prosseguiu, envergonhado: — Ontem à noite me encontrei com Theremon 762, o jornalista, e desabafei com ele. Contei-lhe que não sabia como revelar ao senhor o que eu havia descoberto.
— Você foi falar com um repórter?
— Uma pessoa de confiança, professor. Um amigo de longa data.
— Os repórteres não prestam, Beenay. Acredite.
— Este é diferente, professor. Sei que jamais faria alguma coisa para me magoar ou ofender. Na verdade, Theremon me deu bons conselhos. Ele me aconselhou a contar tudo ao senhor sem perda de tempo, e foi isso que eu fiz. Mas também, acho que estava tentando me oferecer alguma esperança, sugeriu a mesma coisa que o senhor. Disse que talvez houvesse um “fator desconhecido”, foram essas suas palavras, exatamente, que estava perturbando a órbita de Kalgash. Comecei a rir e disse a ele que não adiantava tentar introduzir fatores desconhecidos nas equações que descreviam o movimento de nosso planeta. Que essa era uma solução muito cômoda. Observei que se nos permitíssemos este tipo de hipótese, então poderíamos imaginar que um gigante invisível estava controlando os movimentos de Kalgash, ou que a órbita do planeta estava sendo alterada pelo bafo de um dragão. E agora aqui está o senhor usando o mesmo tipo de argumento. Não um leigo como Theremon, mas o maior astrônomo o planeta! Compreende como estou me sentindo tolo, professor?
— Acho que sim — disse Athor. Aquilo estava se tornando um pouco cansativo. Passou a mão pela imponente cabeleira branca e olhou para Beenay com uma mistura de pena e irritação. — Você estava certo quando disse ao seu amigo que inventar fantasias não é a maneira certa de resolver um problema. Por outro lado, às vezes as sugestões dos leigos não são tão absurdas quanto parecem. Pelo que sabemos, pode ser que haja mesmo um fator desconhecido modificando a órbita de Kalgash. Devemos investigar esta possibilidade antes de descartar totalmente a Teoria da Gravitação Universal. É uma boa oportunidade para fazermos uso da Espada de Thargola. Sabe o que é isso, Beenay?
— Claro que sei. É o princípio da parcimônia. Foi enunciado pela primeira vez pelo filósofo medieval Thargola 14, que disse: “Qualquer hipótese que não seja estritamente necessária deve ser passada no fio da espada”, ou coisa parecida.
— Muito bem, Beenay. Se bem que a versão que me ensinaram foi: “Quando várias hipóteses nos são oferecidas, devemos começar nossa análise passando as mais complexas no fio da espada.” No caso em questão, temos duas hipóteses: a de que a Teoria da Gravitação Universal esteja errada e a de que algum fator desconhecido esteja perturbando a órbita de Kalgash. Se aceitarmos a primeira hipótese, tudo que sabemos a respeito da estrutura do universo perderá o valor. Se aceitarmos a segunda, bastará localizarmos o fator desconhecido; a ordem fundamental das coisas estará preservada. É muito mais simples tentar descobrir alguma coisa que não levamos em consideração do que encontrar uma nova lei geral para o movimento dos corpos celestes. Assim, a hipótese de que a Teoria da Gravitação Universal está errada não sobrevive à Espada de Thargola e começamos nossas investigações procurando uma solução mais simples para o problema. Que tal, Beenay? Que é que você acha?