Agora estava começando a compreender que tinha sido fácil demais.
— Meu nome é Folimun 66 — disse o homem com uma voz leve, suave, que não se parecia nem um pouco com o baixo profundo de Mondior. No entanto, era a voz de alguém que está acostumado a ser obedecido. — Sou o diretor de relações públicas desta organização na cidade de Saro. Terei prazer em responder a suas perguntas.
— Marquei um encontro com Mondior em pessoa — disse Theremon.
Os olhos gelados de Folimun 66 não mostraram nenhum sinal de surpresa.
— Pode me considerar como a voz de Mondior.
— Fui levado a crer que seria uma entrevista pessoal.
— E é. Tudo que me disser será transmitido a Mondior; tudo que lhe disser será a palavra de Mondior.
— Mesmo assim, asseguraram-me que eu poderia conversar com Mondior. Não tenho dúvida de que o senhor está autorizado a falar em nome dele, mas o que procuro não são apenas informações. Gostaria de saber que tipo de pessoa é Mondior, o que pensa de outras coisas além da possível destruição do nosso planeta, quais são suas ideias a respeito…
— Só posso repetir o que já disse — declarou Folimun, interrompendo com suavidade o repórter. — Considere-me como a voz de Mondior. Infelizmente, Sua Serenidade não poderá recebê-lo em pessoa.
— Nesse caso, prefiro voltar outro dia, quando Sua Serenidade estiver…
— Devo informá-lo que Mondior não estará mais disponível para entrevistas pessoais. Nunca mais. O trabalho de Sua Serenidade é muito urgente, agora que restam apenas alguns meses para o Dia do Fogo. — Folimun sorriu de repente, um sorriso inesperadamente humano e gentil, talvez para compensar a recusa e para tirar um pouco do efeito da expressão melodramática “o Dia do Fogo”, Acrescentou, em tom de quem pede desculpas: — Deve ter havido um mal-entendido. O senhor não compreendeu que a entrevista seria com um porta-voz de Mondior, e não com o Sumo Apóstolo em pessoa. Mas é assim que deve ser. Se não quiser falar comigo, sinto muito por ter desperdiçado o seu tempo. Sou a melhor fonte de informação que o senhor encontrará aqui, hoje ou em qualquer outra ocasião.
De novo, o sorriso. Era o sorriso de um homem que estava fechando friamente uma porta na cara de Theremon.
— Muito bem — disse Theremon, depois de pensar um pouco. — Vejo que não tenho muita escolha. É o senhor ou ninguém. Está bem: vamos conversar. De quanto tempo eu disponho?
— De quanto tempo precisar, mas este nosso primeiro encontro terá que ser breve. Além disso — acrescentou, com um sorriso quase irônico — o senhor precisa compreender que nós todos só dispomos de quatorze meses. E tenho outras coisas para fazer durante esse tempo.
— Imagino que sim. Quatorze meses, o senhor disse? E depois?
— Presumo que não tenha lido o Livro das Revelações.
— Pelo menos, não recentemente.
— Permita-me, então. — Folimun retirou um grosso volume de capa vermelha de um compartimento da mesa aparentemente vazia e empurrou-o na direção de Theremon. — É para o senhor. Nele encontrará valiosos ensinamentos, espero. Enquanto isso, posso resumir o tema que mais parece interessá-lo. Muito em breve, daqui a exatamente 418 dias, para ser preciso, no próximo dia 19 de Theptar, nosso mundo passará por uma grande transformação. Os seis sóis vão entrar na Caverna da Escuridão e desaparecer, as Estrelas vão surgir, e Kalgash será consumido pelas chamas.
Falava em tom casual, como se estivesse comentando a respeito da chuva esperada para o dia seguinte ou do desabrochar de uma planta rara no Jardim Botânico Municipal. Kalgash consumido pelas chamas. Os seis sóis entrando na Caverna da Escuridão. As Estrelas.
— As Estrelas — repetiu Theremon, em voz alta. — Que são, na realidade, as Estrelas?
— São instrumentos dos deuses.
— Não pode ser mais específico?
— Saberemos melhor o que são as Estrelas daqui a 418 dias — disse Folimun 66.
— Quando o atual Ano de Divindade terminar — disse Theremon. — No dia 19 de Theptar do ano que vem.
Folimun pareceu agradavelmente surpreso.
— Então o senhor tem estudado nossos ensinamentos!
— Até certo ponto. Escutei alguns dos recentes discursos de Mondior. Sei o que vocês pensam a respeito do ciclo de 2049 anos. E quanto ao evento que chamam de Hora do Fogo? Imagino que também não pode me descrever com detalhes o que vai acontecer.
— Encontrará algumas informações no quinto capítulo do Livro das Revelações. Não, não precisa procurar agora. Posso citar de cor. “Das Estrelas desceu então o Fogo Celestial, que era o mensageiro da vontade dos deuses e onde o fogo tocou, as cidades de Kalgash foram consumidas até a destruição total, de modo que nada restou do homem e das obras do homem.”
Theremon fez que sim com a cabeça.
— Um súbito e terrível cataclismo. Por quê?
— Foi a vontade dos deuses. Eles nos repreenderam por nossa maldade e nos deram um prazo para nos corrigirmos. Este prazo é o que chamamos de Ano de Divindade, um “ano” que, como aparentemente o senhor já sabe, corresponde a 2049 anos dos nossos. O atual Ano de Divindade está prestes a terminar.
— Quando isso acontecer, seremos todos exterminados?
— Nem todos. A maioria. Nossa civilização será destruída, os poucos sobreviventes terão diante de si a imensa tarefa de reconstruí-la. Como o senhor parece ter conhecimento, não é a primeira vez que isso acontece. A humanidade já foi condenada pelos deuses no passado. Fomos castigados mais de uma vez pelos nossos pecados e estamos prestes a ser castigados de novo.
O interessante, pensou Theremon, é que Folimun não parecia de forma alguma um desequilibrado mental com exceção da veste negra, poderia passar por um jovem executivo cuidando de negócios em seu elegante escritório. Um corretor de investimentos, por exemplo. Era, sem dúvida, uma pessoa inteligente. Sabia se expressar. Ia direto ao ponto. No entanto, as coisas que estava dizendo, de forma simples e objetiva, não faziam o menor sentido. O contraste entre as coisas que Folimun dizia e o modo como as dizia era difícil de assimilar.
Agora esperava tranquilo pela pergunta seguinte do jornalista.
— Vou ser franco — disse Theremon, depois de alguns instantes. — Como muitas pessoas, acho difícil aceitar uma história deste vulto apenas com base na palavra de vocês. Preciso de provas concretas. Mas vocês não mostram nenhuma. Tenham fé, dizem vocês. Acreditem em nós, porque foram os deuses que nos contaram tudo isso, e eles não teriam razão para mentir. Acontece que eu não tenho nenhuma razão para acreditar em vocês. Pessoas como eu precisam de provas.
— Quem foi que disse que não temos provas? — perguntou Folimun.
— Vocês têm alguma prova além do Livro das Revelações? Porque, pelo que eu disse, o senhor já deve saber que não considero o livro como prova.
— Somos uma organização muito antiga, o senhor sabe.
— Com dez mil anos de idade, ao que consta.
Um breve sorriso passou pelos lábios finos de Folimun.
— Um número arbitrário, talvez exagerado de propósito para impressionar o povo. Tudo que sabemos com certeza é que nossa organização remonta à era pré-histórica.
— Neste caso, vocês têm pelo menos dois mil anos de idade.
— Um pouco mais que isto, no mínimo. Sabemos que nosso grupo já existia antes do último cataclismo, de modo que temos pelo menos 2049 anos de idade. Provavelmente muito mais, mas não temos nenhuma prova disso. Pelo menos, nenhuma prova do tipo que o senhor aceitaria. Achamos que os Apóstolos podem ter assistido a vários ciclos de destruição, o que significa que nossa organização talvez tenha sido fundada há mais de seis mil anos. O que importa de fato é que já existíamos quando o último cataclismo ocorreu. Somos uma organização ativa por mais de um Ano de Divindade. Assim, estamos de posse de informações detalhadas a respeito do que vai ocorrer. Sabemos o que vai acontecer, porque é uma repetição do que já aconteceu várias vezes no passado.