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— Obrigado — disse Sheerin.

— Por aqui, Dr. Sheerin.

Kelaritan apontou para o corredor envidraçado que ligava o seu escritório ao hospital. Era uma passagem elevada, com uma vista de 360º do céu e das colinas verde-acinzentadas que cercavam a cidade de Jonglor. Os raios dos quatro sóis penetravam por todos os lados.

Parando por um momento, o diretor do hospital olhou para a direita e depois para a esquerda, apreciando a paisagem. As feições abatidas do homenzinho pareceram adquirir uma nova vitalidade ao serem iluminadas pelos raios quentes de Onos e os raios mais modestos de Dovim, Patru e Trey.

— Que dia esplêndido, senhores! — exclamou Kelaritan, com um entusiasmo que Sheerin achou surpreendente, vindo de uma pessoa tão austera e contida como ele parecia ser. — Que maravilha poder ver quatro sóis no céu ao mesmo tempo! Que bem me faz sentir a sua luz no meu rosto! Ah, onde estaríamos sem os nossos benditos sóis?

— É mesmo — concordou Sheerin.

Na verdade, ele próprio já estava se sentindo um pouco melhor.

2

A meio mundo de distância, uma das colegas de Sheerin 501 da Universidade de Saro também olhava para o céu. Porém, a única emoção que sentia era medo.

Ela era Siferra 89, do departamento de arqueologia, e há um ano e meio estava executando escavações no sítio arqueológico de Beklimot, na remota península de Sagikan.

No momento, estava rígida de terror, aguardando a catástrofe que se aproximava. O céu não lhe oferecia nenhum consolo. Naquela parte do mundo, os únicos sóis visíveis no momento eram Tano e Sitha, e o brilho frio e cruel desses astros sempre a tinham deixado triste e deprimida. Dovim podia ser visto despontando no horizonte, atrás da serra de Horkkan. A luz mortiça do pequeno sol vermelho, porém, não contribuía em nada para levantar seu ânimo.

Siferra sabia que em pouco tempo a luz quente e amarela de Onos surgiria no horizonte, o que a preocupava era algo muito mais sério do que a ausência temporária do sol principal.

Uma grande tempestade de areia estava se aproximando de Beklimot. Em poucos minutos varreria a região. Ninguém sabia o que podia acontecer. As tendas podiam ser destruídas, as caixas com os espécimes, tão cuidadosamente classificados, podiam ser viradas, e o conteúdo misturado, as câmaras, o material de desenho, os mapas estratigráficos, compilados com tanto sacrifício… tudo em que haviam trabalhado durante tanto tempo podia ser perdido em poucos momentos.

Pior. Podiam todos morrer.

Pior ainda. As próprias ruínas de Beklimot, o berço da civilização, a mais antiga cidade conhecida de Kalgash, corriam perigo. As valas de exploração que Siferra havia cavado na planície aluvial que cercava o sítio ainda estavam abertas. O vento em sua fúria, se fosse bastante forte, levantaria ainda mais areia do que estava carregando e a arremessaria com força indescritível nos frágeis restos de Beklimot, erodindo, soterrando, talvez mesmo derrubando as estruturas expostas e espalhando-as na planície ressequida.

Beklimot era um tesouro histórico que pertencia ao mundo inteiro, Siferra assumira um risco calculado ao iniciar as escavações. Era impossível fazer uma pesquisa arqueológica sem destruir alguma coisa. Era parte do jogo. Mas ser a responsável por isto e ter a má sorte de sofrer a maior tempestade de areia no último século justo no momento em que as ruínas se encontravam mais vulneráveis…

Não. Não, isso era demais. Se Beklimot fosse arrasado pela tempestade em consequência das escavações, o nome de Siferra seria lembrado para sempre com desprezo nos meios científicos.

Talvez o lugar fosse amaldiçoado, como algumas pessoas supersticiosas costumavam afirmar. Siferra 89 nunca acreditara em forças sobrenaturais. Entretanto, aquela escavação, que poderia ter sido o coroamento de sua carreira, só lhe trouxera problemas, desde o início. E agora ameaçava acabar com sua carreira… se não acabasse com sua vida.

Eilis 18, um dos assistentes, chegou correndo. Era um homem magro e franzino, que parecia insignificante diante da figura alta e atlética de Siferra.

— Prendemos no chão tudo que era possível! — exclamou, quase sem fôlego. Agora fica por conta dos deuses!

A arqueóloga franziu a testa e replicou:

— Deuses? Que deuses? Está vendo algum deus nas vizinhanças, Eilis?

— Eu só queria dizer…

— Eu sei o que você queria dizer. Esqueça.

Do outro lado chegou Thuvvik 443, o capataz. Estava com os olhos arregalados de medo.

— Moça, onde vamos nos esconder da tempestade? perguntou. — Não há abrigo!

— Já lhe disse, Thuvvik. Atrás do morro.

— Vamos ser soterrados! Vamos morrer sufocados!

— O morro vai proteger vocês, não se preocupe — disse Siferra, com uma convicção que estava longe de sentir, — Vá para lá! E leve os outros com você!

— E a senhora? Por que não vai também?

Siferra olhou para ele, preocupada. Será que ele estava pensando que ela dispunha de um esconderijo particular, onde estaria mais segura do que os operários?

— Já vou, Thuvvik. Ande! Pare de me amolar!

Do outro lado da estrada, perto da construção de tijolos em forma hexagonal que os primeiros exploradores haviam batizado de Templo dos Sóis, Siferra avistou Balik 338. Apertando os olhos, protegendo-os com a mão contra a luz gélida de Tano e Sitha, olhava para o norte, para a direção de onde vinha a tempestade. A expressão no seu rosto era de angústia.

Balik era especialista em estratigrafia, mas também cuidava dos registros meteorológicos da expedição. Fazia parte do seu trabalho estar atento para a possibilidade de tempestades e outros eventos incomuns.

Normalmente, o tempo na península de Sagikan era bastante previsível. O lugar era de incrível aridez, só chovia uma vez a cada dez ou vinte anos. O único outro evento incomum era uma mudança brusca da circulação do ar, que colocava em ação forças ciclônicas e produzia uma tempestade de areia. Isso, porém, só acontecia algumas vezes por século.

A expressão de desalento no rosto de Balik era um reflexo da culpa que sentia por não haver previsto com maior antecedência a chegada da tempestade? Ou parecia tão horrorizado porque agora era capaz de avaliar toda a extensão da catástrofe que estava para se abater sobre o acampamento?

Tudo teria sido diferente, pensou Siferra, se tivessem um pouco mais de tempo para se preparar. Agora podia compreender que todos os sinais estavam ali, para quem quisesse vê-los: a onda de calor, que tinha sido excessiva, mesmo para os padrões da península de Sagikan, a calmaria súbita que substituíra a brisa do norte, o estranho vento úmido que passara a soprar do sul. Os pássaros khalla, aquelas estranhas aves de rapina que assolavam a região como maus espíritos, tinham todos levantado voo assim que o vento sul começara a soprar, desaparecendo atrás das dunas do deserto, a oeste, como se estivessem sendo perseguidos por demônios.

Devíamos ter prestado mais atenção quando os pássaros khalla fugiram para a região das dunas, pensou Siferra, mas estávamos muito ocupados com as escavações. Preferimos ignorar todos os indícios. Negamos o óbvio. Finja que não viu os sinais de uma tempestade de areia e talvez ela resolva mudar de direção.

Depois, aquela pequena nuvem cinzenta aparecendo no norte, aquela mancha escura quebrando a transparência do céu do deserto, que é sempre tão claro como vidro.

Nuvem? Está vendo uma nuvem? Eu não estou vendo nada.

Negamos o óbvio.

Agora a nuvem era um imenso monstro negro, tomando metade do céu. O vento ainda soprava do sul, mas não era mais úmido — parecia o bafo de uma fornalha — e havia outro vento, ainda mais forte, soprando da direção oposta. Um vento alimentava o outro. E quando se encontrassem…