Выбрать главу

Durante três ou quatro dias após a experiência, Sheerin sentira alguns vestígios, apenas vestígios, do tipo de claustrofobia que mandara tantos cidadãos de Jonglor para o hospital psiquiátrico. Estava no quarto do hotel, escrevendo o relatório, e de repente a Escuridão parecia se fechar em torno dele. Uma força irresistível o impelia a ir para a varanda ou mesmo sair do hotel para um longo passeio pelo jardim. Irresistível? Bem, talvez não. Mas se sentia muito melhor depois de obedecer ao impulso.

Em outras ocasiões, estava dormindo quando a Escuridão chegava. Naturalmente, dormia com a luz acesa (não conhecia ninguém que não fizesse isso). Desde o passeio no Túnel, passara a usar uma segunda lâmpada de cabeceira, caso a bateria da primeira falhasse, embora, de acordo com o indicador, a carga devesse durar no mínimo mais seis meses. Mesmo assim, a mente adormecida de Sheerin se convencia de que o quarto estava mergulhado em total Escuridão. Ele acordava, trêmulo, coberto de suor, assustado com a Escuridão, embora a luz das duas lâmpadas, uma de cada lado da cama, continuasse a iluminar o quarto como sempre.

De modo que agora, ao descer do avião no meio daquela paisagem sombria… bem, estava satisfeito em voltar para casa, mas preferia ter chegado em um dia mais alegre. Sentiu um leve desconforto, talvez não tão leve assim, ao entrar no tubo de flexiglass que ligava a aeronave ao terminal. Preferia que não tivessem colocado o tubo.

Antes enfrentar a chuva, pensou Sheerin, do que entrar naquele ambiente confinado. Gostaria de estar lá fora, a céu aberto, sob a luz tranquilizadora dos sóis (mesmo que estivessem escondido pelas nuvens).

Mas a aflição passou. Quando as malas chegaram, a realidade agradável de estar de volta à cidade de Saro vencera os efeitos residuais do seu encontro com a Escuridão.

Liliath 221 estava à sua espera com o carro do lado de fora do setor de bagagem. Isto também o fez sentir-se melhor. Ela era uma mulher esbelta, bonita, de quarenta e tantos anos, sua colega no departamento de psicologia. O trabalho dela era experimental (animais em labirintos) e nada tinha a ver com o dele. Conheciam-se há dez ou quinze anos. Sheerin provavelmente a teria pedido em casamento há muito tempo, se não fosse um solteirão irrecuperável. O mesmo, provavelmente, ocorria com ela. Entretanto, a relação que mantinham parecia satisfazer a ambos.

— Tinha que escolher logo um dia como o de hoje para voltar para casa — observou Sheerin, tomando seu lugar no carro ao lado dela e beijando-a rapidamente.

— Está assim há três dias. Dizem que o mau tempo vai durar até o próximo Dia de Onos. A essa altura, a cidade vai estar debaixo d’água… Ei, você voltou mais magro, Sheerin!

— Verdade? Sabe como é… nunca apreciei muito aquela comida do norte…

Não esperava que fosse tão evidente. Um homem do seu tamanho devia poder perder cinco ou seis quilos sem que ninguém notasse. Mas Liliath sempre fora muito observadora, além disso, talvez tivesse perdido mais do que cinco ou seis quilos. Desde que estivera no Túnel, seu apetite desaparecera por completo. Logo ele! Era difícil acreditar…

— Está com ótimo aspecto — disse ela. — Saudável. Vigoroso.

— É mesmo?

— Não que eu ache que você deva ser magro. É tarde demais para isso. Mas fica melhor com alguns quilos a menos. Como foi a estada em Jonglor?

— Tudo bem…

— Visitou a Exposição?

— Visitei. Está muito bonita — disse Sheerin, sem muito entusiasmo. — Puxa, mas como está chovendo aqui, Liliath!

— Não estava chovendo em Jonglor?

— Só peguei dias ensolarados. No dia em que viajei, o tempo aqui também estava ótimo.

— O tempo muda, Sheerin, com um conjunto diferente de sóis no céu todo dia, ele não pode permanecer o mesmo por muito tempo.

— Não sei se você soa mais como uma meteorologista ou como uma astróloga — observou Sheerin.

— Nada disso. Estou falando como uma psicóloga. Não vai me contar como foi a viagem, Sheerin?

Ele hesitou.

— Gostei de ter visitado a Exposição. Está realmente uma beleza. Mas a maior parte do tempo passei trabalhando. Essa história do Túnel do Mistério é um grande problema para todo mundo.

— É mesmo verdade que houve gente que morreu depois de passar pelo Túnel?

— Uns poucos. Mas muita gente saiu traumatizada, desorientada, com sintomas de claustrofobia. Conversei com algumas das vítimas. Vão levar meses para se recuperar. Alguns talvez jamais se recuperem. Mesmo assim, o Túnel continuou aberto durante várias semanas.

— Depois que os problemas começaram?

— Parece que ninguém deu importância ao fato, muito menos os organizadores da Exposição. Tudo que estavam interessados era em vender ingressos. E os frequentadores estavam curiosos para saber como era a Escuridão. Pode imaginar isso, Liliath? Faziam filas para colocar suas mentes em perigo… Naturalmente, estavam convencidos de que, no caso deles, nada aconteceria. E nada aconteceu, para muitos deles. Mas não todos. Eu mesmo dei uma volta no Túnel.

— É mesmo? — perguntou Liliath, surpresa. — Que tal?

— Foi muito desagradável. Não pretendo repetir a experiência.

— Mas você saiu ileso, é claro.

— É claro — repetiu Sheerin, cauteloso. — Eu sairia ileso se engolisse meia dúzia de peixes vivos, também. Mas não é algo que eu gostaria de repetir. Aconselhei-os a fechar permanentemente o maldito Túnel. Foi a minha opinião profissional, e acho que vão respeitá-la. Simplesmente não fomos concebidos para suportar tanta Escuridão Liliath. Talvez, um ou dois minutos… e logo o sono chega. É uma coisa inata. O resultado de milhões de anos de evolução. A Escuridão é a coisa mais antinatural do mundo. A ideia de vendê-la como diversão… — estremeceu. — Bom, fiz minha viagem a Jonglor e estou de volta. Quais são as novidades na universidade?

— Nada de mais — respondeu Liliath. — Os mexericos de sempre, as reuniões do corpo docente, os protestos dos estudantes contra isso e aquilo … você sabe. — Ficou em silêncio por alguns momentos, segurando o volante com as duas mãos enquanto se desviava das poças d’água. — Ah, parece que o pessoal do Observatório anda muito excitado. Seu amigo Beenay 25 esteve procurando por você. Ele não me contou muita coisa, mas tive a impressão de que eles estão reavaliando uma de suas teorias-chave. O velho Athor em pessoa está comandando as pesquisas, você pode imaginar? Pensei que o cérebro dele já estivesse mumificado. Beenay estava acompanhado por um jornalista. Acho que o nome dele é Theremon. Theremon 762. Não simpatizei muito com ele.

— É um jornalista conhecido. Do tipo que faz reportagens de denúncia. Ele e Beenay são muito amigos.

Sheerin decidiu ligar para o jovem astrônomo assim que acabasse de desarrumar as malas. Há quase um ano Beenay estava vivendo com a filha da irmã de Sheerin, Raissta 717, e Sheerin e ele tinham se tornado amigos íntimos, apesar da diferença de idade de mais de vinte anos que os separava. Sheerin tinha um interesse de amador pela astronomia; esta era uma das coisas que os uniam.

Athor de volta à pesquisa! Imagine! Que poderia ter acontecido? Algum excêntrico publicara um trabalho refutando a Lei da Gravitação Universal? Não, pensou Sheerin, ninguém ousaria fazer isso.

— E você? — perguntou o psicólogo. — Ainda não disse uma palavra sobre o que andou fazendo enquanto eu estava fora.

— Que pensa que andei fazendo, Sheerin? Frequentando as reuniões dos Apóstolos do Fogo? Tomando aulas de voo livre? Estudando ciência política? Li alguns livros. Dei minhas aulas. Executei algumas experiências. Esperei a sua volta. Planejei um jantar especial para o dia em que você voltasse. Tem certeza de que não está de dieta?