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— Você sabe de tudo que acontece?

— Procuro saber. — O garçom estava de volta. — Que vai querer? Um Tano Especial?

— É forte demais para mim — disse Sheerin. — E um pouco doce demais, também. Por acaso vocês têm neltigir?

— O conhaque de Jonglor? Vou ter que verificar. Como vai querer, se eu conseguir encontrar?

— Puro, por favor — disse Sheerin. E voltando-se para Theremon e Beenay: — Eu me acostumei a beber neltigir quando estive no norte. A comida em Jonglor é horrível, mas pelo menos eles têm um conhaque decente.

— Ouvi dizer que estão tendo problemas na Exposição — disse Theremon. — Alguma coisa no parque de diversões… um passeio no escuro que estava deixando as pessoas malucas…

— É o Túnel do Mistério. Foi por isso que eu estive lá. Os administradores do parque me chamaram para opinar como perito.

Theremon inclinou-se para a frente.

— É verdade que algumas pessoas morreram de choque naquele Túnel e mesmo assim ele continuou funcionando?

— Todo mundo me pergunta isso — replicou Sheerin. — Houve algumas mortes, sim. Isto, porém, só serviu para tornar o Túnel ainda mais popular. As pessoas insistiam em correr o risco. Algumas ficaram muito perturbadas. Eu mesmo resolvi fazer o passeio para ver como era — disse, estremecendo. — Seja como for, agora está parado. Eu disse a eles que se não fechassem o brinquedo, teriam que pagar milhões de créditos de indenização. As pessoas simplesmente não podem suportar a Escuridão por tanto tempo. Eles acabaram entendendo.

— Encontrei o neltigir que o senhor pediu — interrompeu o garçom, colocando um copo de conhaque na mesa, à frente de Sheerin. — Mas só temos uma garrafa, de modo que é melhor o senhor ir com calma.

O psicólogo fez que sim com a cabeça, pegou o copo e bebeu metade do conteúdo de um só gole, antes que o garçom se afastasse da mesa.

— Eu disse ao senhor que…

Sheerin sorriu.

— Ouvi o que você disse. Vou tomar o segundo copo mais devagar. — Voltou-se para Beenay. — Soube que o Observatório está em polvorosa. Liliath me contou. Mas ela não soube me explicar direito o que está acontecendo. Tem a ver com uma nova teoria, se não me engano…

— Theremon e eu estávamos conversando justamente sobre isso — disse Beenay, sorrindo. — Não é uma nova teoria, não. São resultados experimentais que não estão de acordo com uma teoria antiga. Eu estava calculando a órbita de Kalgash e…

Sheerin ouviu a história com surpresa crescente.

— A Teoria da Gravitação Universal está errada? — exclamou, quando Beenay chegou na metade. — Puxa vida! Isso quer dizer que seu largar o meu copo, ele pode sair flutuando? Nesse caso, é melhor beber o resto do meu neltigir enquanto posso!

Foi o que fez. Beenay riu.

— A teoria ainda está nos livros. O que estamos tentando fazer, ou por outra, o que o Dr. Athor está tentando fazer, como chefe do projeto, é descobrir uma explicação matemática para o fato de que nossos resultados experimentais não concordam com as previsões teóricas.

— Se não me engano, isto se chama cozinhar os dados acrescentou Theremon.

— A mim, parece suspeito — observou Sheerin . — Quando você não gosta dos dados experimentais, trata de modificá-los, não é, Beenay? O ajuste tem que ser perfeito, por bem ou por mal?

— Não é exatamente isto que…

— Admita! Admita! — Sheerin deu uma gargalhada. Garçom! Mais um neltigir! E mais um Tano Especial para meu jovem amigo aqui! Theremon, posso pedir um para você também?

— Por favor.

— Estou desiludido com você, Beenay — disse Sheerin , no mesmo tom de brincadeira. — Pensei que nós psicólogos éramos os únicos a fazer os dados coincidirem com as teorias e chamar o resultado de “ciência”. Isto parece mais coisa dos Apóstolos do Fogo!

— Sheerin! Pare!

— Os Apóstolos também se consideram cientistas — observou Theremon. Beenay e Sheerin olharam para ele. — Na semana passada, antes da chuva começar, entrevistei um dos chefes da organização. Tinha esperança de falar com Mondior, mas quem me recebeu foi um tal de Folimun 66, uma espécie de relações públicas, um sujeito muito melífluo, muito inteligente, muito prestativo. Passou meia hora explicando-me que os Apóstolos possuem provas científicas de que no dia 19 de Theptar do ano que vem os sóis vão apagar, nosso planeta vai ser mergulhado na Escuridão e todos vão ficar malucos.

— O mundo inteiro vai se transformar em um grande Túnel do Mistério, não é? — disse Sheerin, em tom jovial. — Não temos hospícios suficientes para toda a população, você sabe. Nem psiquiatras suficientes para cuidar de todos. Além disso, os psiquiatras vão ficar malucos, também.

— Já não são? — perguntou Beenay.

— Isto é verdade — concordou Sheerin.

— O pior não é a loucura — disse Theremon. — De acordo com Folimun, o céu vai ficar cheio de coisas chamadas Estrelas, que vão despejar fogo sobre nós, incendiando tudo. Aqui estaremos, um bando de loucos, vagando sem rumo em nossas cidades em chamas. Ainda bem que tudo isso é apenas um pesadelo de Mondior.

— E se não for? — disse Sheerin, subitamente sério. Seu rosto redondo assumiu uma expressão pensativa. — E se houver um fundo de verdade no que dizem os Apóstolos?

— Que ideia apavorante — disse Beenay. — Acho que exige mais um drinque.

— Você ainda não terminou o último — observou Sheerin, olhando para o copo do jovem astrônomo.

— E daí? Sua ideia exige mais um drinque depois que este acabar. Garçom! Garçom!

14

Athor 77 sentiu a fadiga tomar conta do seu corpo. O diretor do Observatório perdera toda a noção do tempo. Havia realmente trabalhado dezesseis horas sem parar?

Na véspera, tinha sido a mesma coisa. E no dia anterior…

Pelo menos, era disso que Nyilda se queixava. Tinha acabado de conversar com ela. O rosto da esposa na tela refletia a sua preocupação.

— Não vem para casa descansar, Athor? Está trabalhando praticamente sem parar.

— Estou?

— Você não é mais nenhuma criança.

— Mas ainda me resta muita energia, Nyilda. E este trabalho é apaixonante. Depois de dez anos assinando relatórios de pesquisa e lendo artigos escritos por outras pessoas, estou fazendo de novo aquilo que gosto. É muito bom.

Ela pareceu ainda mais preocupada.

— Na sua idade, você não precisa mais fazer pesquisa. Sua reputação está garantida, Athor!

— Está?

— Seu nome tem lugar garantido na história da astronomia.

— Como herói ou como vilão? — replicou, fatal.

— Athor, não entendo o que você…

— Calma, Nyilda. Eu não vou morrer de tanto trabalhar, acredite. Estou me sentindo vinte anos mais jovem. E é um trabalho que só eu posso fazer. Se isso parece pretensão de minha parte, que seja, mas é absolutamente essencial que eu…

Nyilda suspirou.

— Está bem. Você é quem sabe. Mas não exagere, Athor. É tudo que eu peço.

Será que estava exagerando?, perguntou-se Athor. Sim, sim, claro que estava. Não havia outro jeito. Em questões como aquela, não havia meias-medidas. Tinha que se dedicar de corpo e alma ao problema. Quando estava desenvolvendo a Teoria da Gravitação Universal, trabalhara dezesseis, dezoito, vinte horas por dia durante semanas a fio, dormindo apenas quando o sono era inevitável, limitando esse sono a curtos cochilos e acordando ansioso para trabalhar, com a mente ainda borbulhando com as equações que deixara inacabadas alguns momentos antes.

Mas, na época, tinha apenas 35 anos. Agora, estava chegando aos 70. Era impossível ignorar os efeitos da idade. Sua cabeça doía, a garganta estava seca e sentia uma pressão no peito. Embora fizesse calor no escritório, as pontas dos seus dedos estavam geladas. Os joelhos estavam latejando. Todo o seu corpo protestava contra os excessos a que estava sendo submetido. Vou ficar só mais um pouquinho, prometeu a si mesmo, e depois irei para casa.