Só mais um pouquinho. Oitavo Postulado…
— Professor?
— Quem é? — perguntou.
Mas a sua voz devia ter transformado a pergunta em uma espécie de rosnado feroz, porque quando levantou a cabeça, Yimot estava na porta, fazendo uma série de estranhas contorções, como se estivesse pisando em brasas. Havia medo nos olhos do rapaz. A verdade era que Yimot sempre ficava nervoso na presença do diretor do Observatório. Todos ficavam, não apenas os estudantes. Athor já estava acostumado com isso. Aquilo, porém, passava das medidas. Yimot estava olhando para ele com uma mistura de terror e perplexidade. O jovem estudante lutou visivelmente para recuperar a voz e disse, com dificuldade:
— Aqui estão os cálculos que o senhor queria.
— OH. Sim. Sim. Passe para cá.
A mão de Athor tremia violentamente quando ele a estendeu para pegar as listagens. Os dois olharam para ela, fascinados. Os dedos longos e ossudos estavam mortalmente pálidos e se agitavam de uma forma que nem mesmo Yimot, conhecido pela violência de suas reações nervosas, conseguiria igualar. Athor fez força para controlar os movimentos da mão, mas era como se estivesse tentando fazer Onos inverter seu movimento no céu. Tirou com dificuldade os papéis da mão de Yimot e colocou-os sobre a mesa.
— Posso trazer alguma coisa para o senhor? — perguntou Yimot.
— Um remédio? Como se atreve a…
— Estava pensando em alguma coisa para comer, ou talvez um refrigerante — disse Yimot, com um fio de voz. Ele recuou devagar, como se esperasse que Athor soltasse um rugido e pulasse em seu pescoço.
— Ah! Entendo. Não, estou muito bem, Yimot. Muito bem!
— Sim, senhor.
O estudante saiu. Athor fechou os olhos por um momento, respirou fundo três ou quatro vezes e procurou acalmar-se. Estava quase terminando. Aqueles cálculos que havia encomendado a Yimot provavelmente eram a última prova de que precisava. A questão agora era saber se o trabalho iria acabar com ele antes que tivesse tempo de acabar o trabalho.
Olhou para os cálculos de Yimot.
Diante de sua mesa havia três telas. A da esquerda mostrava a órbita de Kalgash calculada de acordo com a Teoria da Gravitação Universal, desenhada em vermelho.
Na tela da direita, em amarelo, estava a órbita que Beenay havia levantado com o auxilio do novo computador da universidade, usando as observações mais recentes da posição de Kalgash. Na tela do meio, as duas órbitas tinham sido superpostas. Nos últimos cinco dias, Athor havia testado várias hipóteses para explicar a diferença entre a órbita teórica e a experimental, e podia colocar qualquer uma dessas sete hipóteses para a tela do meio com o simples apertar de uma tecla.
O problema era que nenhuma das sete fazia sentido, e ele sabia disso. Todas continham um defeito fataclass="underline" uma suposição que estava ali não porque fosse natural, mas porque era necessária para que a teoria correspondesse às observações. Nenhuma delas podia ser provada, nenhuma delas podia ser confirmada. Era como se em cada caso ele simplesmente tivesse decidido, em algum ponto da dedução, que uma fada madrinha entrasse em ação e ajustasse as interações gravitacionais para anular a diferença. Na verdade, era exatamente o que Athor estava procurando.
Mas tinha que ser uma fada de verdade. Estava na hora do oitavo postulado…
Começou a digitar os cálculos de Yimot. Várias vezes, os dedos trêmulos o traíram, e ele cometeu um erro. Sua mente, porém, ainda era lúcida o suficiente para informá-lo, na mesma hora, de que apertara a tecla errada, e ele voltou atrás e corrigiu o engano. Duas vezes, enquanto trabalhava, quase perdeu os sentidos com a intensidade do esforço. Entretanto, forçou-se a prosseguir.
Você é a única pessoa no mundo capaz de resolver este problema, disse para si mesmo enquanto trabalhava. Por isso, não pode desistir.
Talvez estivesse procedendo como um tolo vaidoso ou mesmo um pouco insano. Talvez não fosse verdade. Entretanto, no estado de exaustão em que se encontrava, a única coisa que lhe dava forças para prosseguir era se considerar insubstituível. Era o único que tinha na cabeça todos os conceitos básicos do projeto. Tinha que prosseguir até conseguir fechar o último elo da cadeia. Até…
Pronto. Entrara no computador o último dos números de Yimot. Athor apertou a tecla que permitia visualizar ao mesmo tempo as duas órbitas na tela do meio e apertou a outra que integrava o novo número aos padrões existentes.
A elipse vermelha que representava a órbita teórica original, sofreu ondulações e mudanças e desapareceu da tela. O mesmo aconteceu com a elipse amarela da órbita observada. Agora havia uma única curva na tela, uma elipse laranja, gerada pela superposição exata das duas curvas, até o último algarismo significativo.
Athor soltou uma exclamação. Examinou a tela por alguns momentos; depois, fechou os olhos e descansou a cabeça no tampo da mesa. A elipse laranja brilhava como um anel de fogo nas suas pálpebras fechadas.
Sentia uma curiosa mistura de triunfo e apreensão. Conseguira uma resposta agora. Tinha certeza de que a hipótese encontrada resistiria aos testes mais rigorosos. Afinal de contas, a Teoria da Gravitação Universal estava certa A cadeia de deduções que o tornara famoso continuava de pé. Ao mesmo tempo, porém, sabia agora que o modelo do sistema solar com o qual havia trabalhado todo esse tempo estava incompleto. O fator desconhecido que estivera buscando, o gigante invisível, o dragão no céu, era real. Athor achava isso profundamente desagradável, embora salvasse sua teoria. Há muitos anos se convencera de que compreendia perfeitamente o ritmo dos céus; agora tinha consciência de que esse conhecimento era imperfeito, de que existiam coisas estranhas no universo, de que as coisas não eram exatamente como pensava que fossem. Era difícil, na sua idade, aceitar isso.
Depois de algum tempo, Athor levantou a cabeça. A tela continuava igual. Apertou algumas teclas e nada mudou. Via apenas uma órbita, não duas.
Muito bem, disse para si próprio. Então o universo não é exatamente como você pensava. É melhor você tratar de reorganizar seus pensamentos. Porque certamente não pode reorganizar o universo.
— Yimot! — chamou. — Faro! Beenay! Venham todos!
O pequeno gordo Faro foi o primeiro a chegar, seguido de perto por Yimot e o resto do departamento de astronomia: Beenay, Thilanda, Klet, Simbron e outros. Eles se aglomeraram na porta do escritório. Athor percebeu pela expressão de surpresa no rosto dos auxiliares que devia estar com um aspecto assustador, desgrenhado e com a barba por fazer, os cabelos brancos em desalinho, o rosto pálido, com toda a aparência de um velho à beira de um colapso.
Era importante dissipar sem demora os temores de sua equipe. Não era hora para melodramas. Disse para eles, em tom neutro:
— Sim, estou cansado e sei disso. Provavelmente estou com um aspecto horrível. Mas acabei encontrando alguma coisa que funciona.
— A hipótese da lente gravitacional? — quis saber Beenay.
— A hipótese da lente gravitacional não levou a nada respondeu Athor, friamente. — O mesmo se aplica ao sol apagado, à dobra no espaço, à zona de massa negativa e a outras ideias com que estivemos brincando a semana inteira. São todas ideias muito interessantes, mas que não resistem a uma análise mais acurada. Entretanto, encontrei uma que sobreviveu a todos os testes.
Os olhos dos assistentes se arregalaram.