— Ótimo. Transfira o programa para o computador que estou usando, está bem? E peça a Faro para vir aqui.
O pequeno e gorducho aluno de pós-graduação se aproximou com os olhos brilhando de curiosidade. Era evidente que gostaria de fazer mil perguntas acerca do que Beenay estava fazendo. Entretanto, em respeito à relação professor-aluno, ficou em silêncio, esperando que Beenay se pronunciasse.
— O que tenho aqui na tela — começou Beenay — é a órbita proposta pelo Dr. Athor para Kalgash Dois. Vou supor que se trata da órbita correta, já que o Dr. Athor disse-nos que explica perfeitamente as perturbações na órbita do nosso planeta. Tenho também aqui, ou por outra, terei quando Thilanda terminar a transferência, o programa que você e ela acabaram de escrever, que calcula as posições dos sóis a qualquer instante. O que vou fazer agora é verificar se existem ocasiões em que a presença de apenas um sol no céu coincide com a maior aproximação de Kalgash Dois, de modo que…
— De modo que talvez torne possível calcular a frequência de eclipses? — perguntou Faro. — É isso, professor?
A pergunta era tão pertinente que deixou Beenay desconcertado.
— Na verdade, era nisso que eu estava pensando. Você também se interessa por eclipses?
— Comecei a me interessar no dia em que o Dr. Athor nos falou pela primeira vez a respeito de Kalgash Dois. Simbron, como o senhor talvez se lembre, mencionou o fato de que o estranho satélite poderia esconder por algum tempo a luz de alguns dos sóis. O senhor disse que esse fenômeno seria chamado de eclipse. Comecei então a pensar em algumas das possibilidades. Mas o Dr. Athor interrompeu-me antes que eu pudesse dizer alguma coisa, declarando que estava cansado e precisava dormir um pouco.
— E desde aquele dia você não investigou mais o assunto?
— Não — disse Faro.
— Pois agora chegou a sua oportunidade. Vou transferir tudo que está na memória do meu computador para o seu. Nós dois vamos trabalhar separadamente, mas com o mesmo objetivo. O que procuramos é um momento muito especial, em que Kalgash Dois está passando pelo ponto de máxima aproximação do nosso planeta, e ao mesmo tempo só existe um sol no céu.
Faro assentiu e correu para o seu computador. Beenay nunca o vira se dedicar a um problema com tanta sofreguidão. Beenay não esperava ser o primeiro a terminar os cálculos. Faro era um ás em matéria de computadores. A ideia, porém, era duplicar os resultados, para reduzir a possibilidade de erro. Assim, algum tempo depois, quando Faro deixou escapar uma exclamação de triunfo e começou a dizer alguma coisa, Beenay silenciou-o com um gesto e continuou a trabalhar. Os embaraçosos dez minutos a mais que levou lhe pareceram uma eternidade.
Depois, os números começaram a aparecer na tela. Se todos os dados que colocara no computador estavam corretos (a órbita do satélite invisível, os movimentos dos seis sóis no céu), não era provável que houvesse jamais um dia de Escuridão. A única possibilidade era a de ocorrer um eclipse em um dia em que apenas Dovim estivesse no céu. Entretanto, a probabilidade de Kalgash Dois vir a eclipsar Dovim parecia remota. Os dias em que Dovim estava sozinho no céu eram tão raros, que a probabilidade de que isso ocorresse e ao mesmo tempo Kalgash Dois estivesse passando pelo ponto de máxima aproximação devia ser infinitamente pequena.
Seria mesmo?
Não. Não era infinitamente pequena.
Pelo contrário. Olhou de novo para os números na tela. Parecia haver uma pequena possibilidade de convergência. Os cálculos ainda não estavam completos, mas as coisas pareciam caminhar na direção certa à medida que o computador determinava as posições dos sóis no instante de máxima aproximação de Kalgash-Kalgash Dois. Duas conjunções no período de 420O anos de investigação. Cada vez que Kalgash Dois completava uma órbita, chegava às proximidades de Kalgash cada vez mais perto de um dia em que apenas Dovim estaria no céu. Os números continuaram a aparecer, enquanto o computador calculava órbita após órbita.
De repente, ali estava. Os três corpos exatamente alinhados. Kalgash, Kalgash Dois, Dovim!
Sim! Kalgash Dois podia eclipsar totalmente Dovim, quando este era o único sol no céu!
A configuração, porém, era extremamente rara. Dovim tinha que estar sozinho em seu hemisfério e à distância máxima de Kalgash, enquanto Kalgash Dois tinha que estar à distância mínima. Nesse caso, o diâmetro aparente de Kalgash Dois seria sete vezes maior do que o de Dovim. Isso era suficiente para esconder a luz de Dovim por mais de meio dia, de modo que nenhum ponto da superfície do planeta escaparia aos efeitos da Escuridão. De acordo com o computador, aquela combinação muito especial de circunstâncias ocorria uma vez a cada…
Beenay soltou uma exclamação de assombro. Não queria acreditar.
Voltou-se para Faro. O rosto rechonchudo do estudante estava pálido.
Beenay disse a ele, com voz rouca:
— Muito bem. Terminei. Já tenho o meu resultado, mas primeiro quero ouvir o seu.
— Eclipse de Dovim por Kalgash Dois: periodicidade, 2049 anos.
— Isso mesmo — repetiu Beenay, devagar. — É exatamente o que eu calculei. Uma vez a cada 2049 anos.
Sentiu-se tonto. O universo inteiro parecia estar girando. Uma vez a cada 2049 anos. A duração exata de um Ano de Divindade, segundo os Apóstolos do Fogo. O mesmo número que aparecia no Livro das Revelações.
… os sóis vão todos desaparecer…
… as Estrelas vão despejar fogo do céu negro…
Beenay não sabia o que eram as Estrelas. Entretanto, Siferra descobrira uma colina na península de Sagikan em que cidades tinham sido destruídas por incêndios com uma regularidade impressionante, aproximadamente uma vez a cada dois mil anos. Quando os testes de carbono-14 estivessem prontos, saberiam o intervalo exato entre os cataclismos… seria 2049 anos?
… do céu negro…
Beenay olhou para Faro.
— Quando vai ocorrer o próximo dia em que apenas Dovim estará no céu? — perguntou.
— Daqui a onze meses e quatro dias — respondeu Faro. — Dia 19 de Theptar.
— Já desconfiava — disse Beenay. — É o mesmo dia em que, de acordo com Mondior 71, o céu vai ficar negro e o fogo dos deuses vai destruir a nossa civilização.
17
— Pela primeira vez na vida, chego a rezar para que meus cálculos estejam errados — disse Athor. — Temo, porém, que os deuses não me atendam. A lógica me conduz inexoravelmente a uma terrível conclusão.
Olhou em torno, detendo-se por alguns momentos em cada uma das pessoas que havia chamado para aquela reunião. Beenay 25, é claro. Sheerin 501, do departamento de psicologia. Siferra 89, a arqueóloga.
Custava-lhe um grande esforço dissimular a fadiga que estava sentindo, a desesperança, o impacto esmagador de tudo que descobrira nas últimas semanas. Tentava ocultar todas essas coisas até de si próprio. Nos últimos tempos, dera para surpreender-se pensando que já vivera demais, que talvez tivesse sido melhor se o repouso eterno lhe tivesse sido concedido um ou dois anos antes. Entretanto, procurava tirar da ideia esses pensamentos negativos. Uma vontade férrea e uma grande fortaleza de espírito tinham sido sempre a marca registrada de Athor. Mesmo agora, que o peso da idade começava a se fazer sentir, recusava-se a desistir desses traços de caráter.
Voltando-se para Sheerin, perguntou:
— Seu campo de estudos, pelo que fui informado, é sobre os efeitos da Escuridão?
O psicólogo pareceu achar graça.
— Suponho que é uma forma de descrever o que eu faço. Minha tese de doutorado foi sobre doenças causadas pela Escuridão, mas a pesquisa sobre a Escuridão é apenas uma das facetas do meu trabalho. Eu me interesso por todos os tipos de histeria em massa; pelas respostas irracionais da mente humana a estímulos os mais variados. Toda a gama de loucuras humanas, é isso que me garante o salário no final do mês.