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— Não é absurdo — insistiu Beenay, tranquilamente. — Faz muito sentido.

— Quer dizer que o mundo realmente vai terminar esta noite.

— O mundo que nós conhecemos e amamos, sim. Theremon largou o braço de Beenay e levantou os braços, exasperado.

— Puxa! Até você! Beenay, há mais de um ano que estou tentando levar esse negócio a sério, mas não consigo. Simplesmente não consigo. Por mais que vocês falem, você, Athor, Siferra, Folimun 66, Mondior e…

— É só esperar — disse Beenay. — Vai acontecer daqui a algumas horas.

— Você está falando sério! — exclamou Theremon, em tom incrédulo. — Sabe de uma coisa? Está se revelando um fanático tão grande quanto o próprio Mondior. Bah! É isso que eu digo, Beenay. Bah! Leve-me à presença de Athor, está bem?

— Ele não vai gostar de ver você aqui. Estou avisando.

— Você já me disse isto. Mesmo assim, quero falar com ele.

19

Theremon não esperava nunca uma posição contrária à dos cientistas do Observatório. As coisas simplesmente tinham acontecido daquela forma, nos meses que precederam o dia 19 de Theptar.

Era uma questão de integridade jornalística, disse para si próprio. Beenay era um amigo de longa data o Dr. Athor era, sem dúvida, um grande astrônomo e Siferra era… bem, Siferra era uma mulher atraente e interessante, além de arqueóloga de renome. Theremon não tinha interesse em antagonizar aquelas pessoas. Entretanto, tinha que escrever o que pensava. E o que pensava, sem a menor sombra de dúvida, era que o grupo do Observatório estava sendo tão irresponsável quanto os Apóstolos do Fogo, e tão perigoso quanto eles para a estabilidade da sociedade.

Não havia maneira possível de levar a sério o que afirmavam. Quanto mais tempo passava no Observatório, mas absurda lhe parecia toda a situação.

Um planeta invisível e aparentemente impossível de detectar, vagando no céu em uma órbita tal que se aproximava de Kalgash algumas vezes em cada século? Uma configuração especial dos sóis que deixaria Dovim sozinho no céu na próxima vez em que o planeta invisível se aproximasse? A luz de Dovim bloqueada pelo planeta, fazendo com que Kalgash fosse tomado pela Escuridão? A Escuridão provocando uma loucura coletiva? Não, não, era demais.

Para Theremon, tudo aquilo parecia tão ridículo quanto as bobagens que os Apóstolos do Fogo vinham pregando há muitos anos. A única diferença era que os Apóstolos incluíam na história objetos misteriosos chamados Estrelas. O pessoal do Observatório, pelo menos, tinha o bom senso de admitir que não faziam a menor ideia do que eram as Estrelas. De acordo com os Apóstolos, eram outro tipo de corpos celestes invisíveis, que apareceriam de repente no céu quando o Ano de Divindade terminasse e a ira dos deuses se abatesse sobre Kalgash.

— Nisso eu não acredito — dissera Beenay certa noite, quando os dois tomavam um drinque no Clube Seis Sóis. Faltavam ainda seis meses para o eclipse. — No eclipse e na Escuridão, sim. Nas Estrelas, não. Não há nada no universo a não ser o nosso mundo, os seis sóis, alguns asteroides insignificantes… e Kalgash Dois, é claro. Se as Estrelas existem, por que não podemos perceber sua presença? Por que não perturbam a órbita de nosso planeta, como Kalgash Dois? Não, Theremon, se as Estrelas existissem, teria que haver um erro na Teoria da Gravitação Universal. E sabemos que a teoria está certa.

— Sabemos que a teoria está certa — afirmara Beenay. Mas não era a mesma coisa que Folimun declarar: “Sabemos que o Livro das Revelações está dizendo a verdade”?

No começo, quando Beenay e Sheerin contaram-lhe que estava para ocorrer um período de Escuridão que seria catastrófico para a humanidade, Theremon, meio céptico, meio impressionado pelas visões apocalípticas dos dois cientistas, fizera o possível para ajudá-los.

— Athor precisa ter uma conversa com Folimun — dissera Beenay. — Ele quer saber se os Apóstolos dispõem de registros astronômicos antigos que possam confirmar nossas teorias. Você pode conseguir uma entrevista para ele?

— É curioso — dissera Theremon. — O velho e intolerante cientista disposto a trocar ideias com o porta-voz das forças da anticiência. Mas verei o que posso fazer.

Na verdade, tinha sido surpreendentemente fácil marcar o encontro. Theremon tinha combinado entrevistar Folimun mais uma vez. O Apóstolo marcou uma audiência para o dia seguinte.

— Athor? — disse Folimun, quando o jornalista comunicou-lhe que Athor compareceria em seu lugar. — O que ele teria para falar comigo?

— Talvez pretenda se tornar um Apóstolo — sugeriu Theremon, em tom de brincadeira.

Folimun riu.

— Acho pouco provável. Pelo que eu conheço dele, preferiria pintar o corpo de roxo e desfilar sem roupa pela Avenida Saro.

— Quem sabe ele se converteu? — disse Theremon. E acrescentou, depois de uma pausa sugestiva: — O que sei é que ele e seu grupo conseguiram alguns dados que apoiam a crença de vocês de que a Escuridão vai destruir o mundo no próximo dia 19 de Theptar.

Folimun se permitiu uma ligeira demonstração de interesse, um quase imperceptível levantar de sobrancelha.

— Seria fascinante, se fosse verdade — disse, calmamente.

— Terá que conversar pessoalmente com ele Para se convencer de que estou falando sério.

— Pode ser que eu faça isso — declarou o Apóstolo.

E de fato fez. Theremon jamais conseguiu descobrir exatamente como tinha sido a conversa entre Folimun e Athor. Não havia testemunhas do encontro, e os dois foram extremamente evasivos. Beenay, a principal ligação de Theremon com o Observatório, pôde oferecer apenas vagos palpites.

— Teve algo a ver com os velhos registros astronômicos que o chefe acredita que estejam de posse dos Apóstolos afirmou Beenay. — Athor desconfia que eles vêm passando essas informações de geração em geração durante vários séculos, talvez mesmo antes do último eclipse. Alguns trechos do Livro das Revelações foram escritos em uma língua desconhecida, você sabe.

— Quem garante que seja uma língua? Pode ser que não passem de uma série de palavras sem nexo.

— Eu, com certeza, não garanto. Mas alguns filólogos de renome acreditam que as passagens podem ter sido escritas em uma língua antiga — disse Beenay. — E se os Apóstolos souberem traduzir essa língua? Pode ser que eles guardem esse conhecimento em segredo, escondendo assim dos que não estão iniciados os dados astronômicos que podem ter sido registrados no Livro das Revelações. Talvez seja isso que Athor esteja procurando.

Theremon parecia indignado.

— Está querendo dizer que o astrônomo mais famoso do nosso tempo, talvez o mais famoso de todos os tempos, precisa do apoio de um bando de religiosos histéricos para sua teoria científica?

— Tudo que sei, Theremon, é que, como eu e você, Athor não morre de amores pelos Apóstolos e sua doutrina, mas, mesmo assim, gostaria de conversar com seu amigo Folimun.

— Ele não é meu amigo! Minhas relações com ele são puramente profissionais!

— Seja como for… — começou Beenay.

Theremon interrompeu-o. Surpreendeu-se ao se dar conta de que estava realmente ficando irritado.

— Fique sabendo que, na minha opinião, vocês não deviam fazer nenhum tipo de trato com os Apóstolos. Para mim, eles representam a própria Escuridão. São a seita mais reacionária, mais retrógrada, mais obscurantista que conheço. Já basta que psicóticos como eles comecem a espalhar profecias delirantes para perturbar a tranquilidade dos cidadãos comuns. Se um homem com o prestígio de Athor resolver apoiar essas previsões apocalípticas, incorporando parte da doutrina dos Apóstolos a suas teorias científicas, vou começar a encarar com muita suspeita, meu amigo, tudo que sair do seu Observatório daqui em diante.