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Siferra mal estava escutando. Ela segurou Balik pelo braço e virou-o de frente para uma estrutura lateral, longe do lugar principal onde estavam escavando.

— Olhe ali.

— Onde? O quê?

A arqueóloga apontou.

— A colina de Thombo.

O meteorologista improvisado arregalou os olhos.

— Céus! Está rachada ao meio!

A colina de Thombo era uma elevação de forma irregular a uns quinze minutos a pé do lugar onde estavam. Ninguém trabalhava ali há mais de cem anos, desde a segunda expedição do grande pioneiro Galdo 221, e Galdo não encontrara nada de importante ali. Era considerada como o depósito de lixo da antiga cidade de Beklimot, um local interessante, sem dúvida, mas trivial em comparação com as maravilhas que a cidade em si tinha a oferecer.

Parecia, porém, que a colina de Thombo recebera em cheio o impacto da tempestade e o que gerações de arqueólogos não se deram ao trabalho de fazer, a tempestade de areia conseguira em apenas alguns instantes. Uma faixa em ziguezague fora arrancada da encosta, como um ferimento monstruoso, deixando à vista a parte interna da colina. Exploradores experientes como Siferra e Balik precisavam apenas de um olhar para compreender a importância do que tinha sido exposto.

— Existia uma cidade debaixo do monturo — murmurou Balik.

— Mais de uma, ao que parece. Uma série de cidades, provavelmente — disse Siferra.

— Acha mesmo?

— Olhe. Olhe ali, do lado esquerdo.

Balik soltou um longo assovio.

— Não é uma parede no estilo hachurado, debaixo do canto daquele alicerce ciclópico?

— Isso mesmo.

Siferra sentiu um frio na espinha. Olhou para Balik e viu que ele estava tão surpreso quanto ela: rosto pálido, olhos arregalados.

— Minha nossa! — murmurou, com voz rouca. — O que nós temos aqui, Siferra?

— Ainda não sei, mas vou começar a investigar agora mesmo.

A arqueóloga olhou para trás, para o abrigo, onde Thuvvik e os companheiros ainda se encolhiam, assustados, fazendo sinais religiosos e balbuciando preces, como se não compreendessem que o perigo já havia passado.

— Thuvvik! — gritou Siferra, gesticulando vigorosamente, de forma quase agressiva. — Saiam daí, você e seus homens! Temos trabalho para fazer!

3

Harrim 682 era um homem grande e corpulento, de cinquenta e poucos anos, com músculos proeminentes nos braços e no peito e uma boa camada de gordura por cima. Sheerin, examinando-o pela janela do quarto de hospital, teve certeza de que ele e Harrim se dariam muito bem.

— Sempre simpatizei com pessoas grandes — explicou o psicólogo para Kelaritan e Cubello. — Acho que me identifico com elas. Não que eu seja musculoso, como aquele — emendou Sheerin, com uma risada descontraída. — Sei que não passo de um monte de banha. A não ser aqui — acrescentou, apontando para a própria cabeça. — Qual é a profissão desse tal de Harrim?

— Estivador — respondeu Kelaritan. — Trabalha há trinta e cinco anos no porto de Jonglor. Ganhou uma entrada para a inauguração do Túnel do Mistério em um sorteio. Levou a família inteira. Foram todos afetados, em maior ou menor grau, mas ele foi o pior caso. É embaraçoso para um homem forte como ele vir a sofrer de problemas psicológicos.

— Posso imaginar — disse Sheerin. — vou me lembrar disso. Podemos falar com ele agora?

Entraram no quarto. Harrim estava sentado, olhando sem interesse para um cubo giratório que projetava meia dúzia de raios coloridos na parede em frente a sua cama. Sorriu amistoso quando viu Kelaritan, mas pareceu contrair-se quando percebeu que o advogado Cubello o acompanhava e assumiu uma atitude positivamente hostil quando Sheerin entrou no aposento.

— Quem é ele? — perguntou a Kelaritan. — Outro advogado?

— Nada disso. Quero apresentar-lhe Sheerin 501, da Universidade de Saro. Está aqui para ajudá-lo.

— Hum! — fez Harrim, desdenhoso. — Outro médico de lunáticos! Que bem eles me fizeram até agora?

— Tem toda razão — disse Sheerin. — A única pessoa que pode de fato ajudar Harrim a ficar bom é o próprio Harrim, certo? Você sabe disso, e eu sei disso. Quem sabe eu acabo convencendo os meus colegas desta verdade? — Sentou-se na beira da cama. Ela rangeu com o peso do psicólogo. — Pelo menos, eles têm camas decentes neste lugar. Devem ter uma boa estrutura, para agüentar nós dois ao mesmo tempo… Você não gosta de advogados, não é? Pois somos dois, amigo.

— Eles só servem para infernizar a vida da gente — disse Harrim. — São cheios de truques. Mandam você dizer uma coisa, mesmo que não esteja pensando, dizendo que poderão ajudá-lo se você disser isso assim assim, e acabam usando suas próprias palavras contra você. É assim que vejo a coisa.

Sheerin olhou para Kelaritan.

— É absolutamente necessário que Cubello esteja aqui durante esta entrevista? Acho que nosso amigo se sentiria mais à vontade sem ele.

— Estou autorizado a participar de qualquer… — começou Cubello, muito sério.

— Por favor — disse Kelaritan. — Sheerin está certo. Três visitas ao mesmo tempo pode ser demais para Harrim. E você já ouviu a história dele.

— Bem… — murmurou Cubello, de cara feia. Pensou um pouco e depois foi embora sem dizer mais nada. Sheerin fez um gesto discreto para que Kelaritan se sentasse no canto mais afastado. Depois, voltando-se para o doente, sorriu o seu sorriso mais simpático e disse:

— Está sendo duro para você, não é?

— Ponha duro nisso.

— Há quanto tempo está aqui?

Harrim deu de ombros.

— Uma semana ou duas. Talvez um pouco mais. Não sei. Desde…

Não disse mais nada.

— Desde a Exposição de Jonglor? — perguntou Sheerin.

— Desde que fiz aquela viagem.

— Faz mais tempo do que você pensa.

— É mesmo? — Os olhos de Harrim assumiram um expressão assustada. Ele não queria ouvir há quanto tempo estava no hospital. Mudando de tática, Sheerin disse:

— Aposto que você nunca pensou que um dia se sentiria ansioso para voltar às docas, hein?

— É verdade! — concordou Harrim, com um sorriso. — Puxa, o que eu não daria para amanhã estar carregando aqueles caixotes! — Olhou para as mãos. Eram mãos fortes, calejadas, com dedos grossos, achatados nas pontas, um deles torto por causa de alguma fratura antiga. — Estou ficando mole de tanto não fazer nada. Assim, quando voltar ao trabalho, não vou mais agüentar pegar no pesado.

— Neste caso, o que o prende aqui? Por que você simplesmente não se levanta, veste uma roupa e dá o fora? Kelaritan, do canto do quarto, fez um som de advertência. Sheerin silenciou-o com um gesto.

Harrim olhou para o psicólogo, surpreso.

— Levantar-me e dar o fora?

— Por que não? Ninguém vai impedi-lo.

— Mas se eu fizer isto… se eu fizer isto… Não concluiu a frase.

— Se você fizer isto, o quê? — perguntou Sheerin. Harrim ficou em silêncio por um longo tempo, com uma expressão preocupada, a testa franzida. Várias vezes fez menção de falar, mas se arrependeu. O psicólogo esperou, paciente. Afinal, o estivador declarou, com uma voz tensa, rouca, estrangulada:

— Não posso sair na rua. Por causa da… por causa da… por causa da… — a palavra custou a sair — _por causa da Escuridão.

— Por causa da Escuridão — repetiu Sheerin.

A palavra ficou pairando entre eles, como se fosse um objeto sólido.

Harrim parecia sem jeito, ou mesmo envergonhado. Sheerin lembrou-se de que para as pessoas da sua classe, Escuridão era uma palavra raramente usada na presença de estranhos. Para Harrim, se não era exatamente uma palavra obscena, pelo menos era sacrílega. Ninguém em Kalgash gostava de pensar na Escuridão, quanto menor o nível de instrução, porém, mais perigoso era pensar na possibilidade de que os seis sóis um dia pudessem desaparecer do céu ao mesmo tempo, sujeitando o planeta à escuridão total. A ideia era inconcebível. Literalmente inconcebível.