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— Muito bem — disse Siferra. — A descoberta de que Mondior era uma farsa deixou você tão impressionado com a esperteza dos Apóstolos que decidiu imediatamente juntar-se a eles. E sua primeira missão foi me entregar. De modo que saiu por aí à minha procura, atacou-me pelas costas e com isto garantiu que o pessoal de Aragando vai cair nas garras de Folimun. Bom trabalho, Theremon.

— Folimun pretende ir para Aragando, sim — disse Theremon. — Mas ele não deseja mal às pessoas que se reuniram lá. O que quer é oferecer um lugar no novo governo para essas pessoas.

— Deuses, Theremon, você acredita mesmo que…

— Acredito. Acredito, Siferra! — Theremon abriu os braços em um gesto agitado. — Posso ser um simples repórter, mas não sou tolo. Vinte anos de jornalismo me tornaram um excelente juiz de caráter. Folimun me impressionou desde o dia em que o conheci. Não parecia nada louco, pelo contrário, dava a impressão de ser uma pessoa sensata, arguta, inteligente. Além disso, passei as últimas oito horas conversando com ele. Ninguém aqui dormiu esta noite. Ele me contou todo o plano. Não deixou nada de fora. Você admite que é possível avaliar corretamente a personalidade de uma pessoa durante uma conversa de oito horas?

— Bem… — disse ela, com relutância.

— Ou ele está sendo totalmente sincero, Siferra, ou é o melhor ator do mundo!

— Pode ser as duas coisas. Isso não o torna uma pessoa digna de confiança.

— Para você pode ser que não. Eu estou disposto a confiar nele.

— Continue.

— Folimun é um homem totalmente pragmático, quase monstruosamente racional, que acredita que a única coisa que de fato importa é a sobrevivência da civilização. Como ele teve acesso, através do seu culto religioso, aos registros históricos dos ciclos anteriores, ficou sabendo, há vários anos, daquilo que só descobrimos da forma mais dolorosa possíveclass="underline" Kalgash estava condenado a ver as Estrelas a cada dois mil anos, uma visão capaz de enlouquecer as pessoas mais fracas e deixar as pessoas mais fortes profundamente abaladas durante vários dias ou semanas. A propósito, ele pretende mostrar a você todos os documentos antigos, quando voltarmos à cidade de Saro.

— A cidade de Saro foi destruída.

— Não a parte controlada pelos Apóstolos. Eles evitaram que qualquer incêndio acontecesse em um raio de dois quilômetros de sua torre.

— Um trabalho muito eficiente — observou Siferra.

— Eles são eficientes. Muito bem: Folimun sabe que a melhor maneira de sairmos do caos em que nos encontramos no momento é através de um totalitarismo religioso. Eu e você podemos achar que os deuses não passam de mitos, Siferra, mais existem milhões e milhões de pessoas aí fora que pensam diferente. Elas sempre se sentiram pouco à vontade ao praticarem atos que consideram pecaminosos, por medo de serem punidas. E agora os deuses lhes inspiram absoluto terror. Acham que as Estrelas podem voltar amanhã ou depois para terminar o trabalho. Bem, aqui estão os Apóstolos, que afirmam dispor de um canal direto de comunicação com os deuses, e apresentam várias passagens do seu livro sagrado para provar isso. Estão em melhor posição para formar um governo mundial do que Altinol, do que os chefes dos governos provinciais, do que os antigos governantes, do que qualquer outro grupo. Eles são nossa única esperança.

— Você está falando sério! — exclamou Siferra, admirada. — Folimun não hipnotizou você, Theremon. Você conseguiu hipnotizar a si mesmo!

— Escute — disse o jornalista. — Folimun trabalhou a vida inteira para este momento, sabendo que pertence à geração dos Apóstolos responsável pela sobrevivência da civilização. Ele tem muitos planos. Está conseguindo o controle de vastos territórios ao norte e a oeste da cidade de Saro, e em seguida vai assumir o governo das novas províncias ao longo da Grande Estrada do Sul.

— E estabelecer uma ditadura teocrática, cuja primeira medida vai ser executar todos os intelectuais ateus, cínicos e materialistas, como eu, Beenay e Sheerin.

— Sheerin está morto. Folimun contou-me que seu corpo foi achado em uma casa em ruínas. Parece que foi assassinado por um bando de loucos anti-intelectuais, algumas semanas atrás.

Siferra desviou os olhos, chocada. Depois, olhou para o repórter, ainda mais irritada do que antes, e disse:

— Aí está. Primeiro, Folimun manda seus homens invadirem o Observatório e depois elimina o pobre Sheerin. Athor também foi assassinado, não foi? Logo vai chegar a nossa vez…

— Ele estava tentando proteger os funcionários do Observatório, Siferra.

— Nesse caso, não fez um bom trabalho, não acha?

— As coisas saíram de controle. O que Folimun pretendia fazer era remover todos os cientistas antes que os tumultos começassem. Acontece que, como estava disfarçado de fanático religioso, não conseguiu convencê-los a ouvirem sua proposta, que era lhes fornecer um salvo-conduto para o Abrigo dos Apóstolos.

— Depois de destruir o Observatório.

— Também não foi ideia dele. O mundo tinha ficado maluco naquela noite. Nem tudo aconteceu de acordo com os planos dele.

— Você é ótimo para arranjar desculpas para ele, Theremon.

— Talvez. Mas deixe-me acabar. Ele quer trabalhar com o pessoal da universidade e outras pessoas inteligentes que se reuniram em Aragando, para constituir a base de conhecimentos da humanidade. Ele, ou melhor, a figura fictícia de Mondior, será o chefe do governo. Os Apóstolos manterão a população instável e supersticiosa sob controle, com o auxílio da religião, pelo menos durante as primeiras duas gerações. Enquanto isso, o pessoal da universidade ajudará os Apóstolos a coletar e classificar os conhecimentos que escaparam da destruição, e juntos guiarão o mundo de volta para um estado racional, como já aconteceu tantas vezes no passado. Desta vez, porém, os preparativos para o próximo eclipse serão iniciados com cem anos ou mais de antecedência, o que permitirá evitar os tumultos, a loucura coletiva, a devastação universal.

— Você acredita mesmo nisto? — perguntou Siferra, asperamente. — Que faz sentido ficar parado, aplaudindo, enquanto os Apóstolos do Fogo espalham seu credo totalitário e irracional pelo mundo? Ou, o que é pior, que faz sentido ajudá-los?

— Detesto a ideia — disse Theremon, de repente.

Siferra arregalou os olhos.

— Nesse caso, por que … ?

— Vamos lá para fora. Está quase amanhecendo. Dê-me sua mão.

— Bem…

— Estava falando sério, quando disse que a amava.

Siferra deu de ombros.

— Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Uma é uma questão pessoal, e a outra é uma questão política, Theremon. Você está usando uma para confundir a outra.

— Venha — insistiu Theremon.

44

Saíram da tenda. Onos era um clarão avermelhado no horizonte. No alto, Iàrio e Sitha tinham emergido das nuvens, e os dois sóis, agora no zênite, tinham um brilho estranho e fascinante.

Havia mais. Ao norte, a pequena esfera vermelha que era Dovim brilhava como um rubi na testa do firmamento.

— Quatro sóis — disse Theremon. — É sinal de sorte. Em volta deles, havia muito movimento no acampamento dos Apóstolos. Os caminhões estavam sendo carregados, as tendas desmontadas. Theremon viu Folimun a uma certa distância, dirigindo um grupo de trabalhadores. O Apóstolo acenou para Theremon, que respondeu cumprimentando-o com a cabeça.

— Você detesta a ideia de que os Apóstolos vão governar o mundo — disse Siferra -, e mesmo assim está disposto a apoiar Folimun? Qual é a lógica?