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Dana podia ter-lhe dito o motivo. Os outros repórteres falavam para - não com - audiências de milhões, anunciando as notícias. Ela decidira fazer isso de maneira pessoal. Em sua mente, falaria numa noite com uma viúva solitária, na seguinte com um recluso sem esperanças deitado na cama, e na outra com um vendedor afastado do lar e da família em algum lugar muito distante. As notícias que transmitia pareciam pessoais e íntimas, e os telespectadores as adoravam e davam retorno.

- Soube que vai ter um convidado empolgante para entrevistar esta noite - disse Matt Baker Dana confirmou com a cabeça.

- Gary Winthrop.

Gary Winthrop, o Príncipe Encantado dos Estados Unidos.

Membro de uma das famílias mais ilustres do país, era jovem, bonito e carismático.

- Ele não parece uma personalidade pública - disse Cromwell. - Como conseguiu convencê-lo a dar a entrevista?

- A gente tem um hobby comum - disse-lhe Dana.

Cromwell arqueou as sobrancelhas.

- É mesmo?

- É- sorriu Dana. -Gosto de ver Monets e van Goghs, e ele gosta de comprá-los. Falando sério, já o entrevistei antes e ficamos amigos. Vamos passar uma fita da coletiva de imprensa dele que cobriremos esta tarde.

Minha entrevista vai ser um outro bloco.

- Maravilha - sorriu Cromwell, radiante.

Passaram a hora seguinte conversando sobre o novo programa que a rede planejava, Linha do Crime, uma hora de investigação que Dana ia produzir e apresentar. O objetivo era duplo: corrigir injustiças cometidas e estimular o interesse pela solução de crimes esquecidos.

- Há muitos outros programas de realidade no ar - advertiu Matt -, por isso temos de ser melhores que eles. Quero que comecemos com um arrebatador. Que capture a atenção da audiência e…

A campainha do interfone tocou. Matt Baker apertou uma tecla.

- Eu disse a vocês, nada de telefonemas. Por que…? A voz de Abbe surgiu do interfone.

- É para a Srta. Evans. Um telefonema da escola de Kemal.

Parece urgente.

Matt Baker olhou para Dana.

- Linha Um.

Ela pegou o telefone, o coração martelando.

- Alô… Kemal está bem? - Escutou por um momento.

- Entendo… Entendo… Sim, vou já para aí. - Depôs o receptor - Qual o problema? - perguntou Matt.

- Eles gostariam que eu fosse à escola pegar Kemal.

Elliot Cromwell franziu o cenho.

- É o garoto que trouxe de Sarajevo?

- É.

- Uma matéria e tanto, aquela.

- É - disse Dana, relutante.

- Não o encontrou num terreno baldio?

- Isso mesmo - disse Dana.

- Tinha alguma doença, ou coisa assim?

- Não - disse ela com firmeza, não gostando sequer de falar daquela época.

- Kemal perdeu um braço. Foi arrancado por uma bomba.

- E você o adotou?

- Ainda não oficialmente, Elliot. Mas vou adotar. Por enquanto, ele é meu filho postiço.

- Bem, vá então buscá-lo. A gente discute o Linha do Crime depois.

Quando Dana chegou à Escola Theodore Roosevelt, foi direto para a sala da assistente do diretor, Vera Kostoff, uma mulher de aparência atormentada, prematuramente grisalha, de seus cinqüenta e poucos anos.

Encontrou-a sentada à escrivaninha, e Kemal do outro lado da mesa. Com doze anos, ele era pequeno para a idade. Magro, amarelado, tinha os cabelos louros desgrenhados e um queixo obstinado. Via-se a manga vazia onde deveria estar o braço direito. Seu corpo franzino parecia encolhido pelo espaço em volta.

Quando Dana entrou, a atmosfera na sala era lúgubre.

- Como vai, Sra. Kostoff? - disse Dana, sorrindo. Kemal.

Ele fitava os sapatos.

- Pelo que entendi, há algum problema - continuou Dana.

- Sim, sem a menor dúvida, Srta. Evans. - Vera estendeu a Dana uma folha de papel.

Dana fitou-a, intrigada. Liam-se Vodja, pizda, zbosti, fukai nezakonski otrok, umreti, tepec. Ela ergueu os olhos.

- Eu… Eu não entendo. São palavras sérvias, não? A Sra. Kostoff disse, enfática:

- Na verdade, são. É uma infelicidade de Kemal o fato de eu por acaso ser sérvia. São palavras que ele tem usado na escola. - O rosto enrubesceu. - Nem motoristas de caminhão sérvios falam desse jeito, Srta. Evans, e não vou tolerar isso vindo da boca desse garoto. Kemal me chamou de pizda.

Dana perguntou:

- Pi…?

- Entendo que Kemal acabou de chegar ao nosso país, tentei fazer concessões, mas o… o comportamento dele é péssimo, vive se metendo em brigas. E quando o repreendi esta manhã, ele… ele me insultou. Já passou dos limites.

Dana disse, com tato:

- Tenho certeza que entende como deve ser difícil para ele, Sra. Kostoff, e…

- Como Lhe disse antes, tenho feito concessões, mas ele está abusando de minha paciência.

- Compreendo. - Dana olhou para Kemal. Ele continuava cabisbaixo, os olhos fixos no chão, a fisionomia carrancuda.

- Espero que este seja realmente o último incidente - disse a Sra. Kostoff.

- Eu também. - Dana levantou-se.

- Tenho o boletim de Kemal para lhe dar. - A Sra. Kostof abriu uma gaveta, tirou um cartão e entregou-o a Dana.

- Obrigada - disse ela.

A caminho de casa, Kemal ficou calado.

- Que vou fazer com você? - perguntou Dana. - Por que está sempre se metendo em brigas, e por que usa palavras como aquelas?

- Eu não sabia que ela falava sérvio.

Quando chegaram ao apartamento de Dana, ela disse:

- Tenho de voltar para o estúdio, Kemal. Você vai ficar bem aqui sozinho?

- Isso aí.

A primeira vez em que Kemal lhe disse isso, Dana achou que o garoto não entendera a pergunta, mas logo aprendeu que a palavra era parte do idioma misterioso falado pelos jovens.

“Isso ai’ queria dizer “sim”. “Boquete” descrevia membros do sexo oposto; bonita, quente e tentadora. Tudo era maneiro, sinistro ou legal. Quando não gostavam de alguma coisa, era um “saco”.

Dana pegou o boletim que a Sra. Kostoff lhe dera. Examinou-o e franziu os lábios. História, D. Inglês, D. Ciências, D. Estudos Sociais, F Matemática,

A.

Olhando o boletim, Dana pensava: Ai, meu Deus, que vou fazer?

- A gente conversa sobre isso depois, Kemal - disse. Estou atrasada.

Kemal era um enigma para Dana. Quando estavam juntos, ele se comportava às mil maravilhas. Era amoroso, solícito e carinhoso. Nos fins de semana, ela e Jeff transformavam Washington num playground para ele.

Iam ao Zoológico Nacional, com sua espetacular variedade de animais selvagens, estrelada por dois gigantescos e exóticos pandas. Visitaram o Museu Nacional Aeroespacial, onde Kemal viu o primeiro avião dos irmãos Wright pendendo do teto, depois percorreram a Estação Espacial e tocaram em pedras lunares. Foram ao Kennedy Center e ao Arena Stage.

Apresentaram Kemal à piada do Tom Tom, aos tacos do Mextec e ao frango frito à moda do Sul do Georgia Brown’s. Ele adorou cada momento.

Adorava ficar com Dana E Jeff.

Mas… quando Dana tinha de sair para o trabalho, ele se transformava.

Ficava hostil e belicoso. Era impossível Dana conservar uma governanta, e as babás contavam histórias terríveis sobre uma noite passada com Kemal.

Jeff e Dana tentavam argumentar com ele e convencê-lo, mas isso não exercia influência alguma. Talvez Kemal precisasse de ajuda profissional, pensou Dana, sem a mínima idéia dos terríveis medos que o atormentavam.

O noticiário da noite da rede WTN entrou no ar Sentados ao lado de Dana, seu bonito e atraente co-âncora, Richard Melton, e Jeff Connors.

Dana Evans dizia: -… e no noticiário internacional, França e Inglaterra continuam batendo de frente sobre a doença da vaca louca. Com vocês, René Linaud, falando de Rheims.

Na cabine de controle, a diretora, Anastasia Mann, ordenou:

- Passem para o telecomando…

Uma paisagem no campo francês surgiu nas telas de televisão.