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— Como se eu tivesse escolha — resmungou Min.

— Foi sorte sua, ou azar, dependendo do ponto de vista, acabar não com um, mas três ta’veren. Rand, Mat, Perrin. Eu vejo como extrema sorte, e veria dessa forma mesmo que não fossem meus amigos. Acho até que eu deveria… — O Ogier olhou para eles, sentindo-se encabulado de repente, as orelhas tremelicando. — Prometem que não vão rir? Acho que eu deveria escrever um livro sobre isso. Ando tomando notas.

Min abriu um sorriso amistoso, e as orelhas de Loial se eriçaram outra vez.

— Isso é incrível — disse ela. — Mas alguns de nós nos sentimos como marionetes nas mãos desses ta’veren.

— Eu não pedi isso — interrompeu Perrin bruscamente. — Não pedi.

Ela o ignorou.

— Foi isso que aconteceu com você, Loial? É por isso que viaja com Moiraine? Sei que os Ogier quase nunca deixam seus pousos. Será que um desses ta’veren acabou arrastando você?

Loial ficou absorto, analisando o cachimbo.

— Eu só queria ver os bosques que os Ogier plantaram — murmurou. — Só ver os bosques. — Olhou para Perrin como se pedisse ajuda, mas o rapaz apenas abriu um sorriso forçado.

Vejamos se a ferradura está bem presa no casco. Ele não sabia de tudo, mas sabia que Loial fugira. O amigo tinha noventa anos de idade, mas ainda não era velho o bastante, de acordo com os Ogier, para deixar o pouso ou ir para Fora, como eles diziam, sem permissão dos Anciões. Na opinião dos humanos, Ogier viviam por muito tempo. Loial dizia que os Anciões não estariam muito satisfeitos quando pusessem as mãos nele outra vez. Parecia tentar adiar esse momento ao máximo possível.

Os shienaranos começaram a se alvoroçar, e alguns homens se levantaram. Rand estava saindo da cabana de Moiraine.

Mesmo àquela distância, Perrin conseguia enxergá-lo com clareza. Um jovem de cabelos avermelhados e olhos cinzentos. Sua idade era a mesma de Perrin, e ele era meia cabeça mais alto, além de mais magro, embora ainda de ombros largos. Espinhos dourados bordados subiam pelas mangas do casaco vermelho de gola alta, e, no peito do manto escuro, estava a mesma criatura do estandarte, a serpente de quatro pernas e juba dourada. Rand e ele haviam crescido juntos, como amigos. Ainda somos amigos? Podemos ser? Agora?

Os shienaranos se curvaram, todos ao mesmo tempo, em uma mesura, cabeças erguidas e mãos nos joelhos.

— Lorde Dragão — disse Uno —, estamos prontos. Honra em servi-lo.

Uno, que mal conseguia dizer uma frase sem um palavrão, agora falava com o mais profundo respeito.

— Honra em servi-lo — repetiram os outros.

Masema, que via mal em tudo, naquele momento tinha os olhos brilhando em completa devoção. Ragan e todos os outros aguardavam qualquer comando que Rand tivesse o prazer de emitir.

Do alto da encosta, Rand os encarou por um instante, depois virou-se e desapareceu por entre as árvores.

— Andou discutindo com Moiraine de novo — disse Min, baixinho. — Dessa vez, o dia inteiro.

Perrin não se surpreendeu, mas ainda ficava um pouco chocado. Discutir com uma Aes Sedai. Todas as histórias da infância lhe voltavam à memória. Aes Sedai, que moviam cordéis escondidos e faziam tronos e nações dançarem. Aes Sedai, cujos presentes eram sempre iscas, presentes cujo preço parecia sempre menor do que se esperaria, mas acabava sempre se revelando maior do que se imaginava. Aes Sedai, cuja raiva era capaz de abrir o chão e invocar raios. Algumas histórias não eram verdade, hoje ele sabia. Porém, ao mesmo tempo, não se contava nem a metade delas.

— É melhor eu ir até lá — disse. — Depois de discutirem, ele sempre precisa de alguém para conversar. — Além de Moiraine e Lan, apenas eles três, Min, Loial e ele, não encaravam Rand como alguém mais importante que um rei. E Perrin era o único dos três que ele conhecia de outros tempos.

Ele subiu a encosta, parando apenas para olhar a porta fechada da cabana de Moiraine. Leya estava lá, e Lan também. Era raro o Guardião sair de perto da Aes Sedai.

A cabana de Rand, muito menor, ficava um pouco mais adiante, bem escondida entre as árvores e afastada de todo o acampamento. Ele tentara viver lá embaixo, junto ao grupo, mas a adoração constante dos outros homens o afastou. Agora vivia isolado. Isolado demais, na opinião de Perrin. No entanto, ele sabia que Rand não fora para a cabana daquela vez.

Perrin seguiu depressa para o lado em que o vale oval desembocava em um desfiladeiro elevando-se a cinquenta passos de altura, um paredão liso, exceto por alguns arbustos espinhosos agarrados aqui e ali. Sabia exatamente onde havia uma fissura na parede de pedras cinza, abrindo-se para uma passagem não muito maior que a largura de seus ombros. Uma fina faixa da luz do fim da tarde iluminava o caminho: era como adentrar um túnel.

A trilha se estendia por meia milha e se abria de súbito em um vale estreito de menos de uma milha de comprimento, com o chão coberto de pedras e rochas. Até os declives íngremes estavam cobertos por uma floresta de folhas-de-couro altas, pinheiros e abetos. Sombras compridas alongavam-se enquanto o sol começava a se esconder atrás dos topos das montanhas. O lugar estava cercado por paredões inteiriços, exceto por onde havia a abertura, e eram íngremes como se entalhados por um machado gigante. Seria ainda mais fácil de defender que o vale com poucos homens, mas ali não havia córrego ou nascente. Ninguém ia até lá. Apenas Rand, depois de discutir com Moiraine.

O amigo estava perto da entrada, apoiado em um tronco áspero de folha-de-couro, encarando as palmas das mãos. Perrin sabia que em cada uma havia uma garça, marcada na pele. Rand não se mexeu ao ouvir a bota do outro roçar a pedra.

De repente, começou a recitar baixinho, sem tirar os olhos das mãos:

— Por duas e mais duas vezes ele será marcado,

duas vezes para viver e duas vezes para morrer.

uma vez a garça, para traçar seu caminho.

Duas vezes a garça, para proclamá-lo verdadeiro.

uma vez o Dragão, atrás da memória perdida.

Duas vezes o Dragão, cobrar o preço a ser pago.

Com um arrepio, ele enfiou as mãos sob os braços.

— Mas nada de Dragões, por enquanto — completou Rand, dando uma risada seca. — Não por enquanto.

Perrin o fitou por um instante. Um homem capaz de canalizar o Poder Único. Um homem condenado a enlouquecer pela mácula de saidin, a metade masculina da Fonte Verdadeira, e a destruir tudo a seu redor com sua loucura. Um homem — uma coisa! — que todos aprenderam a temer e odiar desde a infância. No entanto… era difícil não enxergar o garoto com quem crescera. Como se deixa de ser amigo de alguém? Perrin escolheu uma pedra com topo liso, sentou-se e esperou.

Depois de um tempo, Rand virou-se e olhou para ele.

— Será que Mat está bem? Ele parecia tão doente da última vez que o vi.

— Deve estar melhor agora. — Deve estar em Tar Valon agora. Elas vão curá-lo, por lá. E Nynaeve e Egwene cuidarão para que ele não arrume problemas. Egwene e Nynaeve, Rand, Mat e Perrin. Todos de Campo de Emond, em Dois Rios. Poucos forasteiros iam até Dois Rios, a não ser alguns mascates e mercadores que iam uma vez por ano comprar lã e tabaco. Quase ninguém saía de lá. Até que a Roda escolhera seus ta’veren, e cinco simples camponeses não puderam mais ficar onde estavam. Não puderam mais ser o que eram.

Rand assentiu e se calou.

— Ultimamente — disse Perrin —, me pego desejando que ainda fosse um ferreiro. Você… acha que gostaria de ainda ser só um pastor?

— Dever — murmurou Rand. — A morte é mais leve que a pluma. O dever, mais pesado que a montanha. É o que dizem em Shienar. “O Tenebroso está se agitando. A Última Batalha se aproxima. E o Dragão Renascido enfrentará o Tenebroso na Última Batalha, ou a Sombra se abaterá sobre tudo. A Roda do Tempo será destruída. Cada Era será recriada à imagem do Tenebroso.” Eu sou o único. — Ele soltou uma risada desconsolada, sacudindo os ombros. — É o meu dever porque sou o único, não sou?