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Egwene quase sacudiu a cabeça, confusa. Uma amiga dela está morrendo? Ela fala como se estivesse pedindo emprestada uma xícara de farinha de cevada!

— Ajudarei, se puder — respondeu Nynaeve, devagar. — Não posso prometer nada, Aviendha. Pode ser que ela morra apesar dos meus esforços.

— A morte chega para todos — retrucou a Aiel. — Podemos apenas escolher como encará-la, quando chegar. Eu as levarei até ela.

Duas mulheres em trajes Aiel se levantaram a não mais de dois passos de distância, uma saiu de uma pequena depressão no solo que Egwene não imaginava que fosse capaz de esconder sequer um cachorro, a outra, de um matagal que chegava no máximo até os joelhos. Abaixaram os véus negros quando levantaram, o que foi outro choque: tinha certeza de ter ouvido Elayne contar que os Aiel só escondiam os rostos quando havia a chance de precisarem matar. Depois, ajeitaram nos ombros o pedaço de tecido que cobrira suas cabeças. Uma delas tinha os mesmos cabelos vermelhos de Aviendha, mas os olhos cinzentos, já a outra tinha olhos azul-escuros e cabelos cor de fogo. Nenhuma era mais velha que Egwene ou Elayne, e ambas pareciam prontas para usar as lanças curtas que tinham nas mãos.

A mulher de cabelos de fogo entregou algumas armas a Aviendha. Uma faca de lâmina comprida e pesada para prender em um dos lados do cinturão e uma aljava de pelos que era presa ao outro lado. Um arco curvo e escuro cujo brilho fraco indicava ser feito de chifre envolvido em uma capa que era presa às costas. Quatro lanças curtas com pontas longas para prender na mão esquerda, junto com um pequeno broquel redondo feito de couro. Aviendha, assim como suas companheiras, usava todas aquelas armas com a mesma naturalidade com que qualquer mulher de Campo de Emond usaria uma echarpe.

— Venham — disse ela, e avançou por onde as três Aceitas já haviam passado.

Egwene enfim liberou saidar. Suspeitava que, se quisessem, todas as três Aiel poderiam golpeá-la com aquelas lanças antes que pudesse fazer qualquer coisa. Entretanto, embora as estrangeiras estivessem cautelosas, ela achava que não atacariam. E se Nynaeve não conseguir Curar a amiga delas? Gostaria que ela pedisse nossa opinião antes de tomar essas decisões que envolvem nós três!

Enquanto avançavam em direção às árvores, as Aiel vasculhavam o terreno em volta como se esperassem que aquele cenário vazio ocultasse inimigos com tanta perícia em se esconder quanto elas próprias.

— Sou Elayne, da Casa Trakand — disse a Aceita loura, como se quisesse puxar conversa —, Filha-herdeira de Morgase, Rainha de Andor.

Egwene cambaleou. Luz, será que ela perdeu o juízo? Sei que Andor lutou na Guerra dos Aiel. Pode ter sido há vinte anos, mas dizem que os Aiel têm boa memória.

Mas a Aiel de cabelos de fogo, que estava mais próxima a ela, apenas respondeu:

— Sou Bain, do ramo da Pedra Negra dos Aiel Shaarad.

— Sou Chiad — disse a mulher mais baixa e de cabelos mais claros, do outro lado —, do ramo do Rio de Pedras dos Aiel Goshien.

Bain e Chiad olharam para Egwene. Não alteraram as expressões, mas a jovem teve a sensação de que pensavam que ela estava sendo mal-educada.

— Sou Egwene al’Vere — disse a elas. As duas pareciam aguardar algo mais, então acrescentou: — Filha de Marin al’Vere, do Campo de Emond, em Dois Rios. — Aquilo pareceu satisfazê-las de alguma forma, mas apostava que as Aiel tinham entendido tanto quanto ela entendera quando falaram de todos aqueles ramos e clãs. Devem ser como famílias, de certa forma.

— São irmãs-primeiras? — Bain parecia perguntar para as três.

Egwene pensou que o termo “irmãs” tivesse o mesmo significado dado pelas Aes Sedai, e respondeu “sim”, ao passo que Elayne disse “não”.

Chiad e Bain trocaram um olhar rápido, que sugeria que achavam que as mulheres com quem conversavam talvez não estivessem muito bem da cabeça.

— Irmãs-primeiras — disse Elayne para Egwene, em um tom professoral — são mulheres que nasceram da mesma mãe. E, quando duas mulheres são irmãs-segundas, significa que as mães delas são irmãs. — Ela então se dirigiu às Aiel. — Nenhuma de nós sabe muita coisa a respeito do seu povo. Peço perdão pela ignorância. Às vezes considero Egwene minha irmã-primeira, mas não somos do mesmo sangue.

— Então por que não falam com suas Sábias? — perguntou Chiad. — Bain e eu nos tornamos irmãs-primeiras.

Egwene apenas piscou, confusa.

— Como é que as pessoas podem se tornar irmãs-primeiras? Ou elas têm a mesma mãe ou não têm. Sem ofensas. A maior parte do que sei sobre vocês, Donzelas da Lança, vem do pouco que Elayne me ensinou. Sei que lutam em batalhas e que não ligam muito para os homens, mas não sei muito mais do que isso. — Elayne assentiu: descrevera as Donzelas para Egwene de uma forma que soara bastante como uma mistura de uma versão feminina dos Guardiões e a Ajah Vermelha.

As Aiel exibiram outra vez aquele olhar, como se não soubessem ao certo qual era o grau de sensatez de Egwene e Elayne.

— Não ligamos muito para os homens? — murmurou Chiad, parecendo intrigada.

Bain franziu a testa, pensativa.

— O que diz está próximo da verdade, mas ao mesmo tempo é completamente falso. Quando desposamos a lança, assumimos o compromisso de não nos ligarmos a homens ou filhos. Mas algumas de nós abrem mão da lança depois, por quererem esse tipo de ligação. — A expressão em seu rosto revelava que ela não compreendia aquilo muito bem. — Mas, uma vez que abrimos mão da lança, não podemos voltar atrás.

— Ou se formos escolhidas para ir a Rhuidean — acrescentou Chiad. — Uma Sábia não pode desposar a lança.

Bain olhou para ela como se a mulher tivesse anunciado que o céu era azul ou que a chuva vinha das nuvens. O olhar que ela lançou em resposta, indicando Egwene e Elayne, explicava que achava que talvez as duas não soubessem sobre aquilo.

— Pois é, é verdade. Embora algumas resistam.

— Resistem mesmo. — Parecia que Chiad e Bain tinham algum acontecimento específico em mente.

— Mas já me desviei demais da explicação que queria dar — prosseguiu Bain. — As Donzelas não dançam as lanças umas com as outras, mesmo que seus clãs dancem um com o outro. Mas a rixa de sangue entre os Aiel Shaarad e os Aiel Goshien já existe há mais de quatrocentos anos, por isso Chiad e eu sentimos que o casamento com a lança não era o bastante. Então fomos às Sábias de nossos clãs para que nos ligassem como irmãs-primeiras. Ela arriscou a própria vida em meu nome, e eu arrisquei a minha em nome dela. Como é de costume entre Donzelas que são irmãs-primeiras, protegemos uma à outra, e nenhuma deixa um homem se aproximar sem que a outra esteja por perto. Não diria que nós não ligamos muito para os homens. — Chiad assentiu, com um indício de sorriso nos lábios. — Esclareci a verdade para você, Egwene?

— Sim — respondeu a Aceita, com a voz fraca. Olhou para Elayne e viu, nos olhos azuis da amiga, a confusão que sabia que também havia nos seus. Não é como a Ajah Vermelha. Talvez a Verde. Uma mistura de Guardiões e Ajah Verde, e não entendo mais nada disso. — A verdade está bem clara agora, Bain. Obrigada.

— Se vocês duas sentem que são irmãs-primeiras — comentou Chiad —, deveriam ir até suas Sábias. Mas vocês são as Sábias, embora jovens. Não sei o que poderia ser feito nesse caso.

Egwene não sabia se ria ou se enrubescia. Não conseguia se livrar do pensamento de ela e Elayne dividindo o mesmo homem. Não, isso é só para as irmãs-primeiras que também são Donzelas da Lança. Certo? As bochechas de Elayne exibiam duas manchas vermelhas, e Egwene teve certeza de que a amiga estava pensando em Rand. Mas não dividimos Rand, Elayne. Ele não pode ser de nenhuma de nós.