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Elayne pigarreou.

— Não creio que haja necessidade disso, Chiad. Egwene e eu já protegemos uma à outra.

— Como é que pode? — perguntou Chiad, devagar. — Não desposaram a lança. E são Sábias. Quem levantaria a mão contra uma Sábia? Isso me confunde. Por que necessitam de alguém para protegê-las?

Egwene foi poupada de inventar uma resposta, pois chegaram ao arvoredo. Havia outras duas Aiel sob as árvores, bem no meio do mato, mas perto do rio. Jolien, do ramo do Campo de Sal dos Aiel Nakai, uma mulher de olhos azuis e cabelos acobreados quase da cor dos de Elayne. Ela estava cuidando de Dailin, do mesmo ramo e clã de Aviendha. O suor deixara os cabelos de Dailin úmidos, dando-lhes uma tonalidade de vermelho mais escura, e a jovem abriu os olhos cinzentos apenas uma vez, logo que elas chegaram, e tornou a fechá-los. O casaco e camisa estavam estendidos ao lado dela, e as ataduras que envolviam seu tronco estavam manchadas de vermelho.

— Ela foi ferida pela espada — explicou Aviendha. — Alguns daqueles tolos que esses traidores assassinos da árvore chamam de soldados pensaram que éramos mais um grupo dos bandidos que infestam essas terras. Foi preciso que morressem para se convencerem do contrário, mas Dailin… Pode curá-la, Aes Sedai?

Nynaeve ajoelhou-se ao lado da mulher ferida e levantou as ataduras para analisar o que havia por baixo. Estremeceu com o que viu.

— Vocês mudaram a posição dela, depois que foi ferida? Tem uma crosta, mas está rompida.

— Ela queria morrer perto da água — respondeu Aviendha. Lançou um olhar para o rio, mas logo desviou os olhos. Egwene pensou tê-la visto estremecer.

— Tolas! — Nynaeve começou a revirar a bolsa cheia de ervas. — Poderiam tê-la matado, movendo-a com um ferimento desses. Ela queria morrer perto da água! — repetiu, indignada. — Só porque carregam armas como homens não quer dizer que precisam pensar como eles. — Ela tirou um copo fundo de madeira de dentro da bolsa e entregou-o a Chiad. — Encha. Preciso de água para misturar as ervas que ela vai beber.

Chiad e Bain foram até a margem do rio e retornaram juntas. Suas expressões não se alteraram, mas Egwene achou que elas quase pareciam esperar que o rio fosse se erguer e engoli-las.

— Se não a tivéssemos trazido para o… rio, Aes Sedai — retrucou Aviendha —, nunca teríamos encontrado vocês, e ela acabaria morrendo do mesmo jeito.

Nynaeve deu uma bufada e começou a despejar algumas ervas em pó no copo de água, resmungando, baixinho.

— Raiz-de-cerne ajuda a fazer sangue, erva-de-cão para fechar a carne, e cura-tudo, naturalmente, e… — Ela baixou a voz a um sussurro inaudível. Aviendha a encarava com a testa franzida.

— As Sábias usam ervas, Aes Sedai, mas não sabia que Aes Sedai também usavam.

— Eu uso o que uso! — retrucou Nynaeve, bruscamente, voltando a separar os pós e a murmurar sozinha.

— Ela de fato fala como uma Sábia — sussurrou Chiad para Bain, que respondeu com um aceno contido.

Dailin era a única Aiel sem armas nas mãos, e todas pareciam prontas para usar as que tinham em um piscar de olhos. Nynaeve sem dúvida não está tranquilizando ninguém, pensou Egwene. Faça com que elas falem sobre alguma coisa. Qualquer coisa. Ninguém tem vontade de brigar quando está conversando sobre algo tranquilo.

— Por favor, não se ofendam — começou, cautelosa —, mas percebi que ficam um pouco desconfortáveis com o rio. Ele só fica violento durante as tempestades. Podem nadar nele, se quiserem, embora a corrente seja mais forte para longe das margens.

Elayne sacudiu a cabeça.

As Aiel se mantinham inexpressivas, e Aviendha se pronunciou:

— Eu vi um homem… um shienarano… nadando assim… uma vez.

— Não entendo — disse Egwene. — Sei que não tem muita água no Deserto, mas você disse que é do ramo do “Rio de Pedras”, Jolien. Com certeza já nadou no Rio de Pedras, não?

Elayne olhou para Egwene como se ela estivesse louca.

— Nadar — começou Jolien, sem jeito. — Quer dizer… entrar na água? Toda aquela água? Sem nada para se segurar? — Ela estremeceu. — Aes Sedai, antes de cruzar a Muralha do Dragão eu nunca tinha visto água corrente que não pudesse atravessar com um passo. O Rio de Pedras… alguns dizem que já houve água nele, mas são apenas boatos. Lá só tem as pedras. Os registros mais antigos das Sábias e do chefe do clã confirmam que nunca houve nada além de pedras desde o primeiro dia, quando nosso ramo se separou do ramo da Planície Alta e ocupou aquela terra. Nadar! — Ela agarrou as lanças, como se quisesse lutar com a palavra. Chiad e Bain deram um passo para longe da margem do rio.

Egwene suspirou. E enrubesceu assim que encontrou os olhos de Elayne. Bem, não sou uma Filha-herdeira, para saber de todas essas coisas. Mas vou aprender tudo. Ao olhar para as mulheres Aiel, percebeu que, em vez de confortá-las, deixara todas ainda mais nervosas. Se tentarem alguma coisa, vou paralisá-las com Ar. Ela não fazia ideia se conseguiria capturar as quatro de uma vez só, mas abriu-se para saidar, combinou os fluxos em Ar e os manteve a postos. O Poder pulsava dentro dela com ânsia de ser usado. Nenhum brilho envolvia Elayne, e ela se perguntou por quê. A amiga olhou bem para ela e fez que não com a cabeça.

— Eu jamais faria mal a uma Aes Sedai — falou Aviendha, de repente. — Quero que saibam disso. Não importa se Dailin viver ou morrer, não fará diferença. Eu jamais usaria isso — ela ergueu um pouco uma das lanças curtas — contra uma mulher. E vocês são Aes Sedai.

Egwene teve a súbita sensação de que a mulher é que tentava confortá-las.

— Eu já sabia disso — respondeu Elayne, como se para Aviendha, mas seus olhos mostravam a Egwene que as palavras eram para ela. — Ninguém sabe muito sobre o seu povo, mas aprendi que os Aiel nunca machucam uma mulher, a não ser que tenha… Como foi que você disse? Desposado a lança.

Bain pareceu pensar que, mais uma vez, Elayne falhava em enxergar a verdade com clareza.

— As coisas não são exatamente assim, Elayne. Se uma mulher que não desposou a lança viesse até mim portando armas, eu daria uma surra até ela aprender a ter mais juízo. Um homem… Um homem pode pensar que uma mulher dessas suas terras desposou a lança, caso a veja portando armas. Não sei. Os homens são meio estranhos.

— É claro — concordou Elayne. — Mas, desde que a gente não tente atacá-las com armas, vocês não tentarão nos fazer mal. — Todas as quatro Aiel pareceram chocadas, e a jovem lançou a Egwene um olhar significativo.

Mesmo assim, Egwene agarrou-se a saidar. Só porque ensinaram algo a Elayne, não significava que fosse verdade, ainda que as Aiel concordassem. E saidar produzia… uma sensação boa.

Nynaeve ergueu a cabeça de Dailin e começou a virar a mistura na boca da mulher.

— Beba — ordenou, com a voz firme. — Sei que o gosto é ruim, mas beba tudo.

Dailin engoliu, engasgou e engoliu outra vez.

— Nem se atacarem, Aes Sedai — explicou Aviendha a Elayne. Mas mantinha os olhos fixos em Dailin e Nynaeve. — Dizem que uma época, antes da Ruptura do Mundo, nós servimos às Aes Sedai, embora nenhuma história conte como. Falhamos nesse serviço. Talvez tenha sido esse o pecado que nos condenou à Terra da Trindade, não sei. Ninguém sabe que pecado foi esse, exceto talvez as Sábias e os chefes de clã, e eles não falam sobre o assunto. Dizem que, se falharmos com as Aes Sedai outra vez, elas nos destruirão.

— Beba tudo — murmurou Nynaeve. — Espadas! Espadas, músculos e nenhum cérebro!

— Não seremos nós que vamos destruí-las — retrucou Elayne com firmeza, e Aviendha assentiu.

— Como quiser, Aes Sedai. Mas todas as histórias antigas deixam um ponto muito claro: não devemos jamais lutar contra uma Aes Sedai. Se apontarem seus relâmpagos e seu fogo devastador para mim, dançarei com eles, mas não lhes farei mal algum.