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Aviendha riu, como se escutasse uma grande piada.

— Ouvi dizer que um homem encurralado entre a esposa e uma Sábia deseja em vez disso enfrentar dez inimigos. Um homem encurralado entre a esposa e três Sábias, e cuja própria mulher é uma Sábia, deve desejar tentar matar o Cega-vista.

— O desejo passou pela minha cabeça. — Ele franziu a testa para algo no chão. Eram três anéis da Grande Serpente, reparou Egwene, e um anel de ouro muito mais pesado, feito para o dedo largo de um homem. — Ainda passa. Tudo precisa mudar, mas eu não seria parte dessa mudança se pudesse me afastar dela. Três Aes Sedai viajando para Tear.

Os outros Aiel se entreolharam, mas pareciam não querer que Egwene e as outras percebessem.

— Você falou de sonhos — começou Egwene. — As suas Sábias sabem o que significam os sonhos que têm?

— Algumas sabem. Se quiser saber mais a respeito, precisa falar com elas. Talvez contem a uma Aes Sedai. Nada contam aos homens, exceto o que os sonhos dizem que devemos fazer. — De repente, ele pareceu cansado. — E costuma ser o que queremos evitar, se possível.

Ele se inclinou para pegar o anel masculino. Nele havia o desenho de um grou voando sobre uma lança e uma coroa. Egwene já sabia o que era. Já o vira muitas vezes antes, balançando em um cordão de couro preso ao pescoço de Nynaeve. A mais velha das Aceitas pisou nos outros anéis para tirá-lo das mãos do homem. Seu rosto estava vermelho, cheio de raiva e de emoções demais para que Egwene as desvendasse. Rhuarc não se moveu para pegar o anel de volta, mas continuou falando com o mesmo tom cansado.

— E uma delas leva um anel de que ouvi falar quando menino. O anel dos reis de Malkier. Eles cavalgaram com os shienaranos contra os Aiel, no tempo de meu pai. Eram bons na dança das lanças. Mas Malkier sucumbiu à Praga. Dizem que apenas um rei, ainda criança, sobreviveu, e ele corteja a morte que levou sua terra como outros homens cortejam belas mulheres. Isso é de fato muito estranho, Aes Sedai. De tudo de estranho que achei que veria quando Melaine me arrastou para fora da minha própria fortaleza, para o outro lado da Muralha do Dragão, nada foi mais estranho do que isso. O caminho que você abre para mim é um onde jamais pensei que meus pés andariam.

— Não abro caminho algum para você — retrucou Nynaeve, ríspida. — Só quero prosseguir na minha jornada. Esses homens tinham cavalos. Vamos levar três e seguir viagem.

— À noite, Aes Sedai? — inquiriu Rhuarc. — Sua viagem é tão premente que precisa atravessar essas terras perigosas no escuro?

Nynaeve relutou visivelmente antes de responder.

— Não. — Em um tom mais firme, acrescentou: — Mas pretendo partir assim que o sol nascer.

Os Aiel carregaram os mortos para fora da paliçada, mas nem Egwene nem suas companheiras queriam usar a cama nojenta onde Adden dormira. Pegaram os anéis e dormiram a céu aberto, sob seus próprios mantos e os cobertores que pegaram emprestados dos Aiel.

Quando a aurora começou a clarear o céu a leste, os Aiel prepararam um café da manhã feito de carne dura e seca, que Egwene hesitou em comer até Aviendha explicar que era carne de bode, além de um pão ázimo quase tão difícil de mastigar quanto a carne fibrosa e um queijo branco de gosto ácido com nervuras azuis, duro o bastante para fazer Elayne resmungar que os Aiel deveriam treinar mastigando pedras. Mas a Filha-herdeira comeu tanto quanto Egwene e Nynaeve juntas. Depois de escolher os melhores para Egwene e as outras duas, os Aiel soltaram os cavalos. Só cavalgavam se fosse extremamente necessário, explicou Aviendha, e soou como se preferisse correr com bolhas nos pés. Os animais que escolheram eram quase tão altos e corpulentos quanto cavalos de batalha, com pescoços imponentes e olhos ferozes. Um garanhão preto para Nynaeve, uma égua ruana para Elayne e uma égua cinza para Egwene.

Ela decidiu chamar a cinza de Bruma, na esperança de que um nome suave talvez a amansasse, e de fato Bruma pareceu caminhar mais tranquila em direção ao sul, enquanto o sol formava uma borda vermelha acima do horizonte.

Todos os Aiel que haviam sobrevivido à luta as acompanharam a pé. Outros três haviam morrido, além dos que os Myrddraal mataram. No momento eram dezenove, ao todo. Andavam a passos largos, acompanhando os cavalos sem dificuldade. No início, Egwene tentou fazer com que Bruma andasse devagar, mas os Aiel acharam aquilo muito engraçado.

— Aposto uma corrida de dez milhas — disse Aviendha — e veremos quem vai ganhar, eu ou o seu cavalo.

— Eu aposto uma de vinte! — gritou Rhuarc, gargalhando.

Egwene achou que eles estavam falando sério, e, quando ela e as outras duas deixaram os cavalos andarem a passos mais ligeiros, os Aiel não deram sinal algum de que ficariam para trás.

Quando avistaram os telhados de palha de Jurene a distância, Rhuarc falou:

— Vá em paz, Aes Sedai. Que vocês sempre encontrem água e sombra. Talvez nos vejamos outra vez, antes que cheguem as mudanças. — Ele soou taciturno. Enquanto os Aiel se viravam de volta na direção sul, Aviendha, Chiad e Bain ergueram as mãos em despedida. Não pareciam reduzir a marcha, apesar de não acompanharem mais os cavalos. Na verdade, seguiam até um pouco mais depressa. Egwene suspeitou que pretendiam manter o ritmo até chegarem aonde que quer quisessem ir.

— O que ele quis dizer com isso? — perguntou. — “Talvez nos vejamos outra vez, antes que cheguem as mudanças”?

Elayne sacudiu a cabeça.

— Não importa o que ele quis dizer — retrucou Nynaeve. — Estou feliz por terem chegado ontem à noite, mas também estou feliz por terem partido. Espero que a gente encontre um navio aqui.

Jurene era um lugar pequeno, uma aldeia de casas de madeira de um só andar, mas o estandarte do Leão Branco de Andor se agitava sobre a cidade em um mastro alto. Cinquenta Guardas da Rainha montavam guarda, vestidos em casacos vermelhos com golas brancas e compridas sob as reluzentes placas peitorais. Foram alocados ali, como explicou o capitão, para fornecer um abrigo seguro para os refugiados que desejassem partir para Andor, mas a cada dia chegavam menos. A maioria seguia para aldeias mais ao sul do rio, perto de Aringill. Tinha sido uma boa coisa as três mulheres chegarem na hora em que chegaram, pois esperavam receber ordens de retornar a companhia para Andor a qualquer dia. Os poucos habitantes de Jurene provavelmente iriam com eles, deixando o que restara para os bandidos e os soldados cairhienos das Casas em conflito.

Elayne manteve o rosto escondido no capuz do manto de lã pesada, mas nenhum dos soldados pareceu associar a garota de cabelos louro-acobreados à Filha-herdeira. Alguns lhe pediram para fazer companhia, e Egwene não tinha certeza de que Elayne ficou satisfeita ou chocada. Ela respondeu aos homens que lhe perguntaram que não tinha tempo para eles. De um jeito estranho, era bom ter a atenção deles. Ela decerto não tinha desejo algum de beijar qualquer um daqueles sujeitos, mas era agradável ser lembrada de que pelo menos alguns homens a achavam tão bela quanto Elayne. Nynaeve deu um tapa no rosto de um dos sujeitos. Aquilo quase provocou uma risada em Egwene, e Elayne abriu um sorriso. Egwene pensou que Nynaeve levara um beliscão, e, apesar da carranca, a amiga também não parecia totalmente incomodada.

As três não estavam usando os anéis. Nynaeve não precisara de muito para convencê-las de que Tear era um lugar onde elas não gostariam de ser confundidas com Aes Sedai, ainda mais se a Ajah Negra estivesse por lá. Egwene guardara o seu na bolsa, junto com o ter’angreal de pedra, e volta e meia tateava para se lembrar de que ainda estavam lá. Nynaeve pendurara o seu no cordão que carregava o pesado anel de Lan, aninhado entre os seios.

Havia um navio em Jurene, preso ao único píer de pedras às margens do Erinin. Não era o navio que Aviendha avistara, ao que parecia, mas ainda assim era um navio. A visão da embarcação deixou Egwene consternada. Duas vezes maior que o Garça Azul, o Flechador desmentia o nome com uma proa tão redonda quanto o capitão.