Zarine respondia cada olhar da Aes Sedai com um sorriso, mas cada vez que Moiraine se virava, engolia em seco e esfregava a testa.
Perrin a admirava muito por conseguir abrir um sorriso enquanto Moiraine a encarava. Era muito mais do que ele era capaz de fazer. Nunca vira a Aes Sedai perder a compostura, mas estava a ponto de desejar que ela gritasse, tivesse um ataque de raiva ou qualquer coisa além de encará-lo. Luz, talvez não qualquer coisa! Talvez o olhar fosse suportável.
Lan estava sentado mais à frente, mais perto da proa que Moiraine, e o manto que parecia mudar de cor ainda estava guardado nos alforjes a seus pés. Ele parecia absorto em examinar a lâmina da espada, mas fazia pouco esforço para esconder o próprio divertimento. Às vezes retorcia os lábios no que quase parecia um sorriso. Perrin não tinha certeza, em alguns momentos pensava que fosse apenas uma sombra. As sombras podiam fazer até um martelo parecer estar sorrindo. Obviamente, cada uma das mulheres pensava que era delas que ele estava rindo, mas o Guardião não parecia se importar com as caras feias e bocas apertadas que recebia das duas.
Alguns dias antes, Perrin ouvira Moiraine perguntar a Lan, com uma voz gélida, se ele vira alguma coisa engraçada. “Eu jamais riria de você, Moiraine Sedai”, respondera o homem, com toda a calma, “mas se realmente pretende me enviar para Myrelle, preciso me acostumar a sorrir. Ouvir dizer que ela conta piadas a seus Guardiões. Um Gaidin deve rir dos gracejos da detentora de seu elo. Você com frequência já fez gracejos para que eu risse, não é verdade? Talvez prefira que eu fique com você, no fim das contas.” Ela lançara a ele um olhar que teria acorrentado qualquer outro homem ao mastro, mas o Guardião sequer piscou. Lan fazia aço frio parecer latão.
A tripulação se habituara a continuar o trabalho no mais completo silêncio quando Moiraine e Zarine estavam juntas no convés. O Capitão Adarra mantinha a cabeça inclinada e olhava como se escutasse algo que não queria. Passava as ordens em sussurros, em vez dos gritos de costume. Todos descobriram que Moiraine era uma Aes Sedai, e todos perceberam que ela estava descontente. Perrin se deixara entrar em uma discussão com Zarine, e já não tinha certeza de qual dos dois gritara as palavras “Aes Sedai”, mas toda a tripulação ficara sabendo. Maldita mulher! Ele não sabia se estava pensando em Moiraine ou em Zarine. Se ela é o falcão, o que é que deve ser o gavião? Será que eu vou ficar preso com duas mulheres como ela? Luz! Não! Ela não é um falcão, e fim de papo! A única coisa boa que ele conseguia ver em tudo aquilo era que, com uma Aes Sedai irritada com que se preocupar, ninguém da tripulação prestava muita atenção aos olhos dele.
Loial não estava em nenhum lugar à vista, no momento. O Ogier ficava em sua cabine asfixiante sempre que Moiraine e Zarine estavam juntas na parte de cima do navio — trabalhando em suas anotações, ele alegava. Só subia para o convés à noite, para fumar seu cachimbo. Perrin não entendia como ele conseguia suportar o calor, até mesmo aguentar Moiraine e Zarine era melhor que ficar nos deques inferiores.
Ele suspirou e fixou o olhar em Illian. A cidade de que se aproximavam era grande, tão grande quanto Cairhien ou Caemlyn, as duas únicas cidades grandes que ele já vira. Ela se elevava por detrás de um monstruoso pântano, que se estendia por milhas e mais milhas, parecendo uma planície gramada irregular. Illian não tinha muralhas, mas parecia toda feita de torres e palácios. As construções eram todas de pedras claras, exceto por algumas que pareciam cobertas de reboco branco, embora fossem de pedras brancas, cinzentas ou avermelhadas, às vezes até em tons claros de verde. Os telhados de telha reluziam sob o sol em uma centena de matizes diferentes. Muitos navios estavam ancorados nas extensas docas, a maioria menor que o Ganso das Neves, e o lugar estava tumultuado com o embarque e desembarque de cargas. Havia estaleiros no extremo da cidade, abrigando grandes navios em todos os estágios de construção, desde esqueletos de ripas robustas de madeira a embarcações quase prontas para deslizar até o porto.
Talvez Illian fosse grande o bastante para manter os lobos afastados. Eles com certeza não caçariam naqueles pântanos. O Ganso das Neves ultrapassara os lobos que o seguiam desde as montanhas. Ele os buscava, cauteloso, e sentia… nada. Era uma sensação curiosa de vazio, apesar de ser o que ele desejava. Desde aquela primeira noite, seus sonhos haviam sido só seus, pelo menos a maioria. Moiraine perguntara a respeito com uma voz indiferente, e ele contara a verdade. Por duas vezes se vira naquele estranho tipo de sonho de lobos, e nas duas vezes Saltador aparecera para expulsá-lo, dizendo que ele ainda era muito novo e inexperiente. O que Moiraine achara daquilo, ele não fazia ideia: a mulher não dissera nada, exceto que era melhor ter cuidado.
— Para mim, está muito bom — grunhiu. Estava quase se acostumando a ver Saltador morto, mas não morto, nos sonhos com os lobos. Atrás de si, ouviu o Capitão Adarra arrastar as botas pelo convés e resmungar algo, surpreso por qualquer coisa ter sido dita em voz alta.
Cordas foram arremessadas para a costa. Enquanto ainda eram amarradas aos postes ao longo do píer, o capitão franzino começou a se movimentar, dando sussurros enérgicos para a tripulação. As hastes de apoio foram armadas para içar os cavalos até o desembarcadouro quase tão depressa quanto a prancha de desembarque foi posta no lugar. O cavalo de batalha preto de Lan dava coices e quase quebrou a haste que o erguia. O animal de Loial, enorme e de machinhas peludas, precisou de duas.
— Uma honra — sussurrou Adarra para Moiraine, fazendo uma mesura quando ela pisou na larga prancha que levava ao píer. — Uma honra ter servido à senhora, Aes Sedai. — Ela avançou para a costa sem olhar para ele, o rosto escondido sob o largo capuz.
Loial só apareceu depois que todos já estavam no píer, inclusive os cavalos. O Ogier desceu retumbando pela prancha de desembarque, tentando vestir o longo casaco enquanto carregava os enormes alforjes e o cobertor listrado, o manto pendurado em um dos braços.
— Não sabia que tínhamos chegado — disse, ofegante. — Estava relendo meu… — Ao olhar Moiraine, a voz dele foi morrendo. A mulher parecia absorta em observar Lan selar Aldieb, mas as orelhas do Ogier tremiam como as de um gato nervoso.
As anotações, pensou Perrin. Um dia desses eu preciso ver o que ele está escrevendo sobre essa coisa toda. Sentiu cócegas na nuca e deu um salto para a frente antes de perceber que também sentia um perfume fresco e herbóreo entre os odores de especiarias, alcatrão e os fedores das docas.
Zarine agitou os dedos, sorrindo para eles.
— Se eu posso fazer isso só de passar os dedos, fazendeiro, qual seria a altura do pulo se eu…
Ele estava começando a se cansar da expressão contemplativa daqueles olhos escuros e oblíquos. Ela pode ser bonita, mas me olha como se eu fosse uma ferramenta desconhecida, tentando descobrir como foi feita e para que deve servir.
— Zarine. — A voz de Moiraine era fria, mas serena.
— Meu nome é Faile — retrucou Zarine com firmeza. Por um instante, de nariz em pé daquele jeito, ela parecia mesmo um falcão.
— Zarine — repetiu Moiraine, a voz firme —, é hora de nossos caminhos se separarem. Poderá caçar melhor em outro lugar, e em maior segurança.