— Acho que não — retorquiu Zarine, com a mesma firmeza. — Um Caçador deve seguir os rastros que vê, e nenhum Caçador ignoraria o rastro que vocês quatro deixam. E eu me chamo Faile. — Ela estragou um pouco o discurso ao engolir em seco, mas não piscou ao encarar Moiraine.
— Tem certeza? — perguntou Moiraine, baixinho. — Tem certeza de que não vai mudar de ideia… Falcão?
— Tenho certeza. Não há nada que você ou seu Guardião com cara de pedra possam fazer para me impedir. — Zarine hesitou, depois acrescentou, mais devagar, como se tivesse resolvido ser totalmente sincera: — Pelo menos, nada do que estiverem dispostos a fazer poderá me impedir. Sei um pouco sobre as Aes Sedai. Por causa de todas as histórias, sei que há certas coisas que vocês não fazem. E não acredito que o cara de pedra faria tudo o que é preciso para que eu desista.
— Tem certeza? — perguntou Lan, muito calmo. Sua expressão era impassível, mas Zarine engoliu em seco outra vez.
— Não precisa ameaçar a moça, Lan — interveio Perrin. Surpreendeu-se ao perceber que tinha os olhos cravados no Guardião.
O olhar de Moiraine silenciou os dois.
— Você acha que sabe o que uma Aes Sedai não faria, não acha? — perguntou, em um tom mais baixo do que antes. Exibia um sorriso nada agradável. — Vou dizer o que precisa fazer, se quiser ir conosco. — As pálpebras de Lan estremeceram, em surpresa. As duas mulheres se olharam como um falcão e um rato, mas Zarine dessa vez não era o falcão. — Vai ter que jurar por seu juramento de Caçador que fará o que eu mandar, prestará atenção em mim e não nos deixará. Quando descobrir mais do que deveria sobre o que fazemos, não permitirei que caia em mãos erradas. Tome isso como uma verdade, garota. Você deve jurar agir como uma de nós, e não fará nada que ponha em risco nossos objetivos. Não fará perguntas sobre aonde estamos indo, ou por quê: ficará satisfeita com o que eu decidir revelar. Vai precisar jurar isso tudo, ou vai ficar aqui em Illian. E não deixará este pântano até que eu volte para libertá-la, nem que fique aqui pelo resto da vida. Isso eu juro.
Zarine virou a cabeça, inquieta, observando Moiraine com o canto do olho.
— Posso ir com vocês se jurar? — A Aes Sedai assentiu. — Serei uma de vocês, igual a Loial ou ao cara de pedra. Mas não vou poder perguntar nada. Eles podem perguntar alguma coisa? — O rosto de Moiraine perdeu um pouco da paciência. Zarine se endireitou e ergueu a cabeça. — Muito bem, então eu juro. Juro pelos votos que fiz como Caçadora. Se quebrar um juramento, quebrarei os dois. Eu juro!
— Feito — disse Moiraine, tocando a testa da jovem. Zarine estremeceu. — Já que a trouxe até nós, Perrin, ela é sua responsabilidade.
— Minha?! — protestou ele.
— Não sou responsabilidade de ninguém além de mim mesma! — reclamou Zarine, quase gritando.
A Aes Sedai continuou a falar, com a voz serena, como se os dois não tivessem aberto as bocas nem por um segundo.
— Parece que você encontrou o falcão de Min, ta’veren. Tentei desencorajá-la, mas vejo que ela vai se empoleirar no seu ombro não importa o que eu faça. O Padrão tece um futuro para você, pelo que parece. Mas lembre-se disso: se for preciso, eu corto sua trama. E se a garota puser em perigo o que deve acontecer, você compartilhará o mesmo destino que ela.
— Não a chamei para vir com a gente! — protestou Perrin. Moiraine montou Aldieb com muita calma, ajustando o manto por cima da sela da égua branca. — Eu não chamei!
Loial deu de ombros para ele e disse alguma coisa, apenas movendo os lábios. Sem dúvidas devia ser algum ditado sobre os perigos de irritar uma Aes Sedai.
— Você é ta’veren? — perguntou Zarine, incrédula. Ela correu o olhar pelas roupas grosseiras de camponês e parou nos olhos amarelos. — Bem, talvez. Seja lá o que você for, ela parece capaz de ameaçá-lo com tanta facilidade quanto faz comigo. Quem é Min? O que ela quis dizer com “vou me empoleirar no seu ombro”? — Ela contraiu o rosto. — Se você tentar me transformar em uma responsabilidade sua, arranco suas orelhas. Está me ouvindo?
Com uma careta, ele deslizou o arco sem corda por debaixo do cepilho da sela, ao longo do flanco de Galope, e montou. Indócil após aqueles dias no navio, o cavalo castanho fez jus ao nome, até que Perrin o acalmou com uma das mãos firme nas rédeas e tapinhas no pescoço.
— Nenhuma dessas perguntas merece resposta — grunhiu. A maldita da Min contou pra ela! Que a queime, Min! Que a queime também, Moiraine! E Zarine! Ele não conseguia lembrar de Rand ou Mat sofrendo este tipo de ataque feminino vindo de todos os lados. Ou dele mesmo, antes de deixar Campo de Emond. Nynaeve era a única, naquela época. E a Senhora Luhhan, naturalmente: ela mandava nele e em Mestre Luhhan em todos os locais, exceto na ferraria. E Egwene tinha um certo poder, na maioria das vezes em relação a Rand. A Senhora al’Vere, mãe de Egwene, sempre tinha um sorriso no rosto, mas tudo também sempre parecia ser feito do jeito que ela queria. E o Círculo das Mulheres cuidava de todo mundo.
Resmungando sozinho, ele se abaixou e agarrou o braço de Zarine. A jovem soltou uma exclamação surpresa e quase deixou cair a trouxa quando ele a ergueu para a garupa da sela. As saias divididas facilitaram que ela sentasse em Galope.
— Moiraine vai ter que comprar um cavalo para você — resmungou. — Não vai dar para você ir andando o caminho todo.
— Você é forte, ferreiro — comentou Zarine, esfregando o próprio braço —, mas não sou um pedaço de ferro. — Ela se ajeitou e enfiou a trouxa e o manto entre os dois. — Posso comprar meu próprio cavalo, se precisar de um. O caminho todo até onde?
Lan já estava saindo das docas em direção à cidade, com Moiraine e Loial atrás de si. O Ogier olhou para trás, na direção de Perrin.
— Nada de perguntas, esqueceu? E meu nome é Perrin, Zarine. Não é “grandão”, nem “ferreiro”, nem qualquer outra coisa. Perrin. Perrin Aybara.
— E o meu é Faile, cabeludo.
Produzindo um som próximo de um rosnado, ele cravou as botas em Galope, que avançou atrás dos outros. Zarine precisou passar os braços por sua cintura para não cair da garupa do cavalo castanho. Ele pensou que ela estava rindo.
42
Acalmando o Texugo
O burburinho da cidade logo abafou o riso de Zarine — se é que aquilo era um riso — com o clamor típico que Perrin se lembrava de Caemlyn e Cairhien. Os sons eram diferentes ali, mais lentos, com entonações distintas, mas também eram os mesmos. Botas, rodas e cascos se chocavam contra os paralelepípedos das ruas toscas e desniveladas, eixos de carros e carroças guinchavam, música, risadas e cantorias eram ouvidas nas estalagens e tavernas. Vozes. O zumbido alto de vozes, como se tivesse enfiado a cabeça em uma gigantesca colmeia. Uma cidade gigantesca, viva.
Captou o clangor de um martelo em uma bigorna vindo de uma rua lateral e girou os ombros sem nem perceber. Sentia falta de ter o martelo e a pinça nas mãos, do metal incandescente emitindo faíscas a cada golpe seu. Os sons da ferraria foram morrendo atrás dele, enterrados sob o ressoar de carros e carroças, do tagarelar dos lojistas e da gente nas ruas. Por trás de todos aqueles odores de pessoas e cavalos, de cozidos e assados e dos centenas de aromas peculiares às cidades, havia o cheiro de pântano e de maresia.
Ele ficou surpreso na primeira vez que se depararam com uma ponte dentro da cidade, um arco baixo de pedras sobre uma hidrovia de não mais que trinta passos de largura. Foi apenas na terceira construção similar que percebeu que Illian era entrecortada por tantos canais quanto ruas, e que havia tantos homens impulsionando barcaças abarrotadas quanto açoitando animais que deslocavam os pesados carroções. Liteiras avançavam pela multidão nas ruas, e de vez em quando aparecia a carruagem envernizada de algum nobre ou de algum mercador abastado, com insígnias ou símbolos das Casas em pinturas bem grandes nas portas. Muitos dos homens usavam a barba de um modo peculiar, sem cobrir o lábio superior, ao passo que as mulheres pareciam apreciar chapéus de abas largas ligado a lenços, que amarravam no pescoço.