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Ele se virou, xingando, e puxou um dos cobertores até o pescoço. Luz, ela não cansa de me fazer pular como um sapo em pedra quente. O rosto de Zarine estava quase nas sombras. Ele não podia vê-la muito bem, a não ser quando um relâmpago lançava um pouco de claridade pela janela, a iluminação grosseira formando sombras próprias no nariz pronunciado e maçãs do rosto altas da moça. De repente, lembrou-se de Min dizendo que ele deveria fugir de uma bela mulher. Quando reconheceu Lanfear naquele sonho de lobo, pensou que Min se referia a ela, pois não achava que pudesse haver mulher mais bonita que Lanfear. Mas a mulher era parte de um sonho. Zarine estava ali, sentada, observando-o com aqueles olhos escuros e oblíquos, refletindo, ponderando.

— O que está fazendo aqui? — perguntou. — O que é que você quer? Quem é você?

Ela jogou a cabeça para trás e soltou uma risada.

— Sou Faile, fazendeiro, uma Caçadora da Trombeta. Quem você acha que sou, a mulher dos seus sonhos? Por que pulou desse jeito? Parece até que eu belisquei a sua bunda.

Antes que ele pudesse encontrar uma resposta, a porta bateu na parede, e Moiraine surgiu na porta do quarto, o rosto pálido e sombrio como a morte.

— Seus sonhos de lobo revelam tanto quanto os de um Sonhador, Perrin. Os Abandonados estão à solta, e um deles governa Illian.

44

Caçados

Perrin saiu da cama e começou a se vestir, sem se importar se Zarine estava ou não observando. Ele sabia o que pretendia fazer, mas perguntou a Moiraine mesmo assim.

— Vamos embora?

— A não ser que você deseje estreitar os laços com Sammael — retrucou a mulher, seca.

Um trovão ressoou, como se para pontuar a frase, e um relâmpago iluminou o céu. A Aes Sedai mal olhava para Zarine.

Enquanto enfiava a camisa nas calças, ele de súbito desejou que já estivesse com o casaco e o manto. Dizer o nome de um dos Abandonados em voz alta deixara o quarto gélido. Ba’alzamon não é o suficiente, precisamos dos Abandonados à solta também. Luz, será que encontrar Rand ainda adianta alguma coisa? Será que é tarde demais? Porém, continuou se vestindo e calçando as botas. Era isso ou desistir, e o povo de Dois Rios não tinha fama de desistir.

— Sammael? — perguntou Zarine, com a voz fraca. — Um dos Abandonados está governando…? Luz!

— Ainda quer nos acompanhar? — perguntou Moiraine, baixinho. — Não a obrigaria a ficar aqui, não agora, mas vou lhe dar uma última chance de jurar seguir um caminho diferente do meu.

Zarine hesitou, e Perrin parou com metade do casaco já vestida. Sem dúvidas ninguém escolheria acompanhar as pessoas que haviam despertado a ira de um dos Abandonados. Ela não escolheria isso naquele momento, depois de descobrir um pouco do que eles enfrentavam. A não ser que ela tenha uma excelente razão. Mas, independentemente do motivo, ninguém que descobrisse que um dos Abandonados estava à solta ficaria ali sentado refletindo, mas sim sairia correndo atrás de um navio do Povo do Mar e pediria uma passagem para o outro lado do Deserto Aiel.

— Não — disse Zarine, enfim, e ele começou a relaxar. — Não, não vou jurar seguir outro caminho. Quer vocês me levem ou não até a Trombeta de Valere, nem mesmo a pessoa que encontrar a Trombeta terá vivido uma história como essa. Acho que essa história será contada por muitas eras, Aes Sedai, e quero fazer parte dela.

— Não — gritou Perrin, bruscamente. — Essa resposta não é boa o suficiente. O que é que você quer?

— Não tenho tempo para essa briguinha — interrompeu Moiraine. — A qualquer momento Lorde Brend pode descobrir que um dos Cães das Trevas está morto. E podem ter certeza de que ele saberá que isso foi obra de um Guardião e virá atrás da Aes Sedai do Gaidin. Vocês querem ficar aqui sentados até ele descobrir onde estão? Mexam-se, crianças tolas! Mexam-se! — Ela desapareceu no corredor antes que ele pudesse abrir a boca.

Zarine também não esperou e saiu correndo do quarto, deixando a vela para trás. Perrin recolheu seus pertences depressa e correu até a escada dos fundos, ainda afivelando o cinturão com o machado. Ele alcançou Loial na descida, o Ogier tentava enfiar um livro de capa de madeira nos alforjes e vestir o manto ao mesmo tempo. Perrin ajudou-o com o manto enquanto os dois desciam as escadas, e Zarine alcançou-os antes que saíssem do prédio pela chuva forte.

Perrin curvou os ombros para se proteger da chuva e correu até o estábulo, cruzando o quintal enegrecido pela tempestade sem parar para puxar o capuz do manto. Ela deve ter um motivo. Viver uma maldita história não é razão suficiente para ninguém, a não ser uma mulher louca! A chuva ensopou seus cachos bagunçados, colando-os à cabeça, antes de chegar à porta do estábulo.

Moiraine já estava lá, em um manto impermeável coberto de gotas de chuva, e Nieda erguia uma lanterna para que Lan terminasse de selar os cavalos. Havia um animal a mais, um capão baio com o nariz ainda mais acentuado que o de Zarine.

— Vou enviar pombos todos os dias — dizia a mulher robusta. — Ninguém vai suspeitar de mim, no caso. Que a Sorte me espicace! Até os Mantos-brancos me têm em boa conta.

— Escute bem, mulher! — retrucou Moiraine, bruscamente. — Não estou falando de um Manto-branco ou de um Amigo das Trevas. Você vai fugir desta cidade e levará junto todos os que ama. Já me obedeceu por doze anos. Obedeça agora!

Nieda assentiu, relutante, e Moiraine soltou um grunhido exasperado.

— O baio é seu, garota — explicou Lan, para Zarine. — Pode montar. Se não souber cavalgar, ou aprende na prática ou aceita minha oferta.

Apoiando uma das mãos no cepilho alto, ela saltou com facilidade e sentou-se na sela.

— Pensando bem, cara de pedra, já montei um cavalo uma vez. — Ela se virou para amarrar a trouxa atrás de si.

— O que você quis dizer, Moiraine? — exigiu Perrin, enquanto jogava o alforje no lombo de Galope. — Você disse que ele conseguiria descobrir onde estou. Ele sabe. Os Homens Cinza! — Nieda soltou uma risadinha, e ele se perguntou, irritado, o quanto a mulher saberia ou acreditaria entre as coisas que dissera não acreditar.

— Sammael não enviou os Homens Cinza. — Moiraine montou Aldieb com calma, as costas eretas e uma precisão calculada, quase como se não houvesse pressa. — Mas o Cão das Trevas foi mandado por ele. Acredito que tenha seguido meus rastros. Ele não teria enviado os dois. Alguém está atrás de você, mas acho que Sammael nem sabe da sua existência. Ainda.

Perrin parou com um dos pés no estribo, olhando para ela, mas a mulher parecia mais preocupada em dar palmadinhas no pescoço arqueado da égua do que com seu rosto indagativo.

— Assim como eu fui atrás de você — comentou Lan, e a Aes Sedai fungou alto.

— Queria que você fosse mulher, Gaidin. Assim, poderia mandá-lo para a Torre como noviça, para aprender a obedecer! — Ele ergueu uma sobrancelha e tocou o cabo da espada, então subiu na sela, e ela suspirou. — Talvez a sua desobediência seja algo bom. Às vezes é. Além do mais, acho que nem Sheriam e Siuan Sanche juntas poderiam ensiná-lo a ser obediente.

— Não entendo — continuou Perrin. Acho que ando dizendo muito isso, e estou ficando cansado. Quero algumas respostas que eu consiga entender. Ele terminou de montar o cavalo, para que Moiraine não olhasse para baixo. Ela já tinha vantagens demais. — Se não foi ele que enviou os Homens Cinza, quem foi? Se foi um Myrddraal ou outro Abandonado… — Ele parou e engoliu. OUTRO Abandonado! Luz! — Se alguém os enviou, por que não disseram nada a ele? São todos Amigos das Trevas, não são? E por que eu, Moiraine? Por que eu? Rand é que é o maldito Dragão Renascido!