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— Você ficaria surpreso, garoto — retrucou Thom, seco. — Até um relojoeiro medíocre é um homem bastante rico, e merece ser. Mas um relógio não explode na sua cara!

— Nem isso aqui. Bem, agora já não tem mais serventia. — Ele atirou o punhado de papel e pedrinhas na fogueira, e Thom soltou um guincho. As pedrinhas faiscaram e soltaram pequeninas explosões, junto com um cheiro pungente de fumaça.

— Você está tentando nos matar. — A voz de Thom era instável e foi ficando mais alta e forte à medida que ele continuava falando. — Se eu decidir que quero morrer, vou até o Palácio Real quando chegarmos a Caemlyn e dou um beliscão na bunda da Morgase! — O longo bigode se agitou. — Não faça mais isso!

— Não explodiu — comentou Mat, franzindo o rosto para o fogo. Ele enfiou a mão no rolo com tecido revestido de óleo do outro lado dos troncos e pescou um fogo de artifício um tamanho maior. — Por que será que não fez barulho?

— Não me interessa por que não fez barulho! Não faça mais isso!

Mat olhou para ele e riu.

— Pare de tremer, Thom. Você não tem por que ficar com medo. Agora eu já sei o que tem dentro. Pelo menos, sei como é, mas… não precisa falar nada. Não vou abrir mais nenhum, Thom. De qualquer forma, é mais legal acendê-los.

— Não estou com medo, seu porqueiro bronco — rebateu Thom, com elaborada dignidade. — Estou é tremendo de ódio, por viajar com um grosseirão com cérebro de cabra que pode acabar matando nós dois por não ser capaz de pensar além do próp…

— Ei, o fogo!

Mat e Thom se entreolharam ao ouvir sons de cavalos se aproximando. Já era tarde para qualquer pessoa de bem estar viajando. No entanto, a Guarda da Rainha cuidava da segurança da estrada, ali tão perto de Caemlyn, e os quatro que cavalgavam em direção à fogueira iluminada decerto não pareciam ladrões. Um deles era uma mulher. Todos os homens usavam longas capas e pareciam criados dela, que era bonita, com olhos azuis, e usava um colar de ouro, um vestido de seda cinza e um manto de veludo com um grande capuz. Os homens desmontaram dos cavalos. Um deles segurou as rédeas da mulher, e outro, o estribo. Ela sorriu para Mat, tirando as luvas enquanto se aproximava da fogueira.

— Creio que esteja tarde, jovem mestre — disse —, e venho lhes incomodar para pedir indicações do caminho até uma estalagem, se conhecerem alguma.

Ele escancarou um sorriso e começou a se levantar. Já estava de cócoras quando ouviu um dos homens murmurar algo e outro revelar uma besta de debaixo do manto, já empunhada, o grampo com a flecha.

— Mate-o, seu idiota! — gritou a mulher, e Mat arremessou o fogo de artifício em direção às chamas e se jogou para apanhar o bastão. Houve uma enorme explosão e um clarão de luz.

— Aes Sedai! — gritou um dos homens.

— São fogos de artifício, imbecil! — respondeu a mulher, também gritando.

Mat rolou para o lado, levantou-se com o bastão nas mãos e viu a flecha da besta cravada no tronco caído, quase onde estava sentado, enquanto o arqueiro desabava com o cabo de uma das facas de Thom a lhe adornar o peito.

Só houve tempo de enxergar essa cena, pois outros dois homens atravessaram o fogo em sua direção, empunhando as espadas. Um deles de súbito tropeçou e caiu de joelhos, largando a espada para agarrar a faca cravada em suas costas, depois desabou de cara no chão. O último homem não viu a queda do companheiro. Ele obviamente esperava que ainda estivesse acompanhado, dividindo a atenção do oponente, quando deu um golpe empurrando a lâmina bem na direção do tronco de Mat. Quase com desprezo, o jovem de Dois Rios quebrou o punho do sujeito com uma extremidade do bastão, mandando a espada pelos ares, e rachou a testa dele com a outra. O homem revirou os olhos e desabou.

Pelo canto do olho, Mat viu a mulher caminhando na direção dele e apontou para ela com o dedo esticado, como se fosse uma faca.

— Você usa roupas muito boas para uma ladra, mulher! Sente aí até eu decidir o que vou fazer com você, ou eu…

Ela ficou tão surpresa quanto Mat ao ver a faca que de repente irrompeu em sua garganta, fazendo brotar uma flor vermelha de sangue, que começou a jorrar. Ele iniciou o movimento de dar um passo à frente, como se para amparar a queda da mulher, mas soube que seria inútil. O longo manto aterrissou por cima dela e a cobriu por inteiro, exceto a face e o cabo da faca de Thom.

— Que o queime — resmungou Mat. — Que o queime, Thom Merrilin! Uma mulher! Luz, poderíamos tê-la amarrado e entregado à Guarda da Rainha amanhã, em Caemlyn. Luz, talvez eu até deixasse ela ir embora. Ela não roubaria mais ninguém sem a ajuda desses três, e o único que sobreviver vai levar dias até conseguir enxergar direito e meses até conseguir erguer uma espada. Que o queime, Thom, não precisava matá-la!

O menestrel mancou até o ponto onde jazia a mulher e deu um chute para afastar o manto. A adaga caíra da mão dela. A lâmina tinha o tamanho de duas mãos e o dobro da espessura do polegar de Mat.

— Preferia que eu tivesse esperado ela cravar isso nas suas costas, garoto? — Ele recuperou a própria faca e limpou a lâmina no manto da mulher.

Mat percebeu que cantarolava “Ela Usava Uma Máscara Que Cobria a Face” e parou. Inclinou-se e escondeu o rosto da mulher com o capuz do manto.

— É melhor irmos andando — disse, baixinho. — Não quero ter que explicar isso se a gente topar com a Guarda da Rainha.

— E com ela nessas roupas? — completou Thom. — Não mesmo! Eles devem ter roubado a esposa de algum mercador ou a carruagem de alguma senhora da nobreza. — Ele amansou o tom de voz. — Rapaz, se vamos partir, é melhor tratar de selar seu cavalo.

Mat levou um susto e desviou os olhos da mulher morta.

— É verdade, é melhor, não é? — Ele não olhou de volta para o corpo.

Não sentia o mesmo remorso em relação aos homens. Na sua opinião, um homem que decidia roubar e matar merecia o que levava ao perder o jogo. Não se demorou muito a olhá-los, mas também não desviou os olhos quando pousaram em um dos ladrões. Foi só depois de selar o capão e amarrar seus pertences atrás do animal, enquanto chutava terra para apagar o fogo, que percebeu que encarava o sujeito que disparara a besta. Havia algo de familiar nas feições dele, nas sombras que as chamas fumegantes formavam em seu rosto. Sorte, disse a si mesmo. É sempre a sorte.

— O sujeito era um bom nadador, Thom — comentou, enquanto subia na sela.

— Que bobagem é essa, agora? — O menestrel também já estava montado no cavalo, muito mais preocupado em arrumar os estojos dos instrumentos na parte de trás da sela do que com os mortos. — Como é que você tinha certeza de que o homem sabia nadar?

— Ele chegou em terra firme navegando em uma jangadinha que saiu de Erinin no meio da noite. Acho que gastou toda a sorte que tinha.

Mat conferiu outra vez as amarras do rolo de fogos de artifício. Se esse idiota pensou que isso era obra de alguma Aes Sedai, imagine só o que teria pensado se eu disparasse todos ao mesmo tempo.

— Tem certeza, garoto? A chance de ser o mesmo homem… Ora, nem você apostaria nisso.

— Tenho certeza, Thom. — Elayne, vou torcer seu pescoço da próxima vez que encontrá-la. O de Egwene e o de Nynaeve também. — E tenho certeza de que vou despachar essa maldita carta assim que chegarmos em Caemlyn.

— Estou dizendo, garoto, não tem nada nessa carta. Eu comecei a jogar Daes Dae’mar quando era mais novo que você, sei reconhecer códigos e criptogramas mesmo sem saber o que significam.

— Bom, eu nunca joguei esse seu Grande Jogo, Thom, essa porcaria de Jogo das Casas, mas sei muito bem quando estou sendo seguido, e sei que não estou sendo seguido com tanto empenho e até tão longe só pelo dinheiro que tenho nos bolsos. Não fariam isso por menos que um baú cheio de ouro. Só pode ser a carta. — Que se queime, as mulheres bonitas sempre me trazem problemas. — Ainda quer dormir hoje à noite, depois disso tudo?