Os dois soldados estavam quase lado a lado com ele. Mat tentou fazer os homens andarem mais rápido com a força da mente.
— Grande Mestre — começou o outro homem, indeciso —, talvez isso seja difícil. Sabemos que ela está a caminho de Tear, mas a embarcação onde ela viajava foi encontrada em Aringill, e as três moças já tinham deixado o navio antes disso. Não sabemos se ela pegou outro navio ou se está cavalgando em direção ao sul. E talvez não seja fácil encontrá-la depois que ela chegar a Tear, Grande Mestre. Talvez se o senhor…
— Será que só restaram idiotas nesse mundo? — perguntou a voz grave e severa. — Acha que posso circular em Tear sem que ele saiba? Não pretendo lutar com ele, não agora, ainda não. Traga a cabeça da garota, Comar. Traga todas as três cabeças, ou você acabará rezando para que eu arranque a sua!
— Sim, Grande Mestre. Será como o senhor quiser. Sim. Sim.
Os soldados passaram esmigalhando as pedras, sem olhar para os lados. Mat só esperou até os dois virarem de costas e saltou para agarrar o amplo peitoril de pedras, erguendo-se o bastante para enxergar pela janela.
Ele mal notou o carpete taraboniano franjado no chão, que devia valer uma gorda bolsa de prata. Uma das portas largas e entalhadas estava se fechando. Um homem alto, com ombros largos e o peitoral apertado no casaco bordado de seda verde, encarava a porta com olhos azul-escuros. A barba preta era baixa e tinha uma mecha branca sobre o queixo. No geral, o homem parecia resistente, além de acostumado a dar ordens.
— Sim, Grande Mestre — disse de repente, e Mat quase largou o peitoril. — Ele pensara que aquele era o homem da voz grave, mas foi a voz servil que escutou. Nada servil agora, mas a mesma voz. — Será como o senhor quiser, Grande Mestre — disse o homem, amargo. — Eu mesmo arranco as cabeças das mocinhas. Assim que as encontrar! — Ele saiu pela porta pisando firme, e Mat se soltou.
Passou um instante ali, agachado atrás das cercas de rosas. Alguém dentro do Palácio queria Elayne morta, depois acrescentara Egwene e Nynaeve aos planos. O quê, sob a Luz, elas estão fazendo, indo para Tear? Só podiam ser elas.
Ele puxou a carta da Filha-herdeira do forro do casaco e franziu o rosto. Talvez, com isso nas mãos, Morgase acreditasse nele. Ele podia descrever um dos homens. Mas o tempo de avançar na surdina chegara ao fim. O grandalhão poderia estar a caminho de Tear antes mesmo que ele conseguisse encontrar Morgase, e então nada do que ela fizesse seria garantia de impedi-lo.
Respirando fundo, Mat oscilou entre duas cercas de rosas, ao custo de apenas alguns furos provocados pelos espinhos, e partiu pelo caminho de pedras atrás dos soldados. Erguia a carta de Elayne bem diante de si, para que o lírio dourado do selo ficasse claramente visível, e foi repassando na mente o que queria dizer. Quando tinha tentado se esconder, os guardas pipocavam como cogumelos depois da chuva, mas bastou querer falar com um para percorrer quase toda a extensão do jardim sem ver sequer uma alma. Passou por diversas portas. Não seria muito bom adentrar o Palácio sem permissão, pois a Guarda poderia fazer as besteiras antes e escutar depois. Entretanto, quando começava a cogitar entrar por uma das portas, ela foi aberta por um jovem oficial sem capacete, com um nó dourado no ombro.
A mão do homem tocou o cabo da espada na mesma hora, e ele já tinha puxado quase um pé de aço antes que Mat pudesse empurrar a carta na direção dele.
— Elayne, a Filha-herdeira, envia esta carta à sua mãe, a Rainha Morgase, capitão. — Ele ergueu a carta de modo que o lírio do selo ficasse evidente.
Os olhos escuros do oficial examinaram o entorno, como se procurassem por outras pessoas, mas sem deixar de observar Mat.
— Como foi que conseguiu entrar nesse jardim? — Ele não desembainhou o restante da espada, mas também não a guardou. — Elber está nos portões principais. Ele é um paspalho, mas jamais deixaria alguém ficar vagando pelo interior do Palácio.
— Um gordo com olhos de rato? — Mat maldisse a própria língua, mas o oficial assentiu com vigor, e também quase sorriu, mas não pareceu reduzir a vigilância ou a desconfiança. — Ele ficou com raiva quando soube que eu vinha de Tar Valon e nem me deu chance de mostrar a carta ou mencionar o nome da Filha-herdeira. Disse que me prenderia se eu não fosse embora, por isso pulei o muro. Prometi que entregaria esta carta à Rainha Morgase em pessoa, compreende, capitão? Eu prometi, e sempre cumpro minhas promessas. Está vendo este selo?
— O maldito muro do jardim, outra vez — resmungou o oficial. — Deviam triplicar a altura. — O homem encarou Mat. — Tenente da Guarda, não capitão. Sou o Tenente da Guarda Tallanvor. Reconheço o selo da Filha-herdeira. — A espada enfim deslizou de volta para dentro da bainha. Ele esticou a mão, e não era a mão da espada. — Pode me dar a carta, que eu entrego para a Rainha. Depois de lhe mostrar a saída. Tem gente que não seria tão gentil se o encontrasse vagando por aí.
— Eu prometi entregar a carta em mãos — respondeu Mat. Luz, nunca pensei que não me deixariam fazer isso. — Eu prometi. À Filha-herdeira.
Mat mal percebeu que a mão de Tallanvor tinha se mexido antes que a espada do oficial estivesse colada em seu pescoço.
— Vou levar você até a Rainha, caipira — disse Tallanvor, baixinho. — Mas saiba que arranco a sua cabeça num piscar de olhos se você sequer pensar em machucá-la.
Mat abriu seu melhor sorriso. A lâmina levemente curva parecia bem afiada contra a lateral do seu pescoço.
— Sou um andoriano leal — disse — e um súdito fiel da Rainha, que a Luz a ilumine. Ora, se eu estivesse aqui durante o inverno, sem dúvida teria seguido Lorde Gaebril.
Tallanvor o encarou com a boca contraída, depois enfim guardou a espada. Mat engoliu em seco e controlou o impulso de tocar a garganta para conferir se estava cortada.
— Tire a flor do cabelo — comandou Tallanvor, embainhando a espada. — Está achando que veio aqui para paquerar?
Mat puxou o fulgor-das-estrelas do cabelo e seguiu o oficial. Seu idiota, botar uma flor no cabelo? Preciso parar de bancar o paspalho.
Ele não o seguia, exatamente, pois Tallanvor mantinha a atenção nele mesmo enquanto o conduzia pelo caminho. O resultado foi uma espécie de estranha procissão, com o oficial de um lado, mais na frente, porém meio virado, para o caso de Mat tentar qualquer coisa. De sua parte, Mat tentava parecer tão inocente quanto um bebê espalhando água na banheira.
As coloridas tapeçarias nas paredes haviam rendido uma boa prata aos tecelões, bem como os tapetes do piso de azulejos, mesmo ali nos corredores. Havia ouro e prata por toda parte, em pratos e travessas, tigelas e canecas, gravados em baús e armários baixos de madeira polida, tão belos quanto tudo o que ele vira na Torre. Serviçais saíam de todos os cantos, de libré vermelho com colarinho branco, abotoaduras e o Leão Branco de Andor no peito. Ele ficou imaginando se Morgase jogava dados. Que pensamento típico de um cabeça-de-lã. Rainhas não jogam dados. Mas, quando eu lhe entregar essa carta e contar que alguém no Palácio quer matar Elayne, aposto que ela vai me dar uma bolsa cheinha. Ele se permitiu a pequena fantasia de ser nomeado como lorde. Sem dúvida o homem que revelasse uma trama de assassinato da Filha-herdeira poderia esperar uma recompensa dessas.
Tallanvor o conduziu por tantos corredores e pátios que ele começou a se perguntar se conseguiria encontrar o caminho de volta sozinho. Foi quando de repente reparou que um dos pátios abrigava mais do que serviçais. Rodeado por um corredor com colunas, o pátio tinha um lago redondo no centro, com peixes brancos e amarelos que nadavam sob folhas flutuantes de lírios e lótus brancos. Homens de casacos coloridos, bordados em ouro ou prata, e mulheres em amplos vestidos ainda mais elaborados montavam guarda ao lado de uma mulher de cabelos louro-acobreados sentada na borda elevada do lago, passando os dedos pela água e olhando com pesar para os peixes que subiam até seus dedos à procura de alimento. Um anel da Grande Serpente envolvia o terceiro dedo de sua mão esquerda. Havia um homem negro e alto ao lado dela, a seda vermelha do casaco quase encoberta pelos arabescos e folhas de ouro bordados por cima, mas foi a mulher que atraiu o olhar de Mat.