Ailhuin retornou acompanhada de um homem, um sujeito esguio de meia-idade que parecia esculpido em madeira velha. Juilin Sandar deixou os tamancos na porta e pendurou o chapéu de palha cônico e liso em um pino. Do cinturão passado por cima do casaco marrom pendia uma adaga dentada quebra-espada muito parecida com a de Hurin, mas com ranhuras curtas de cada um dos lados da mais longa. Além disso, o homem carregava um cajado exatamente da sua altura, mas da espessura de um polegar. Era feito daquela madeira clara com ripas salientes que os boiadeiros usam para açular os bois. Os cabelos pretos eram cortados bem rente, e os olhos negros pareciam registrar cada detalhe do recinto. E de todas as presentes. Egwene podia apostar que ele examinara Nynaeve duas vezes, e, pelo menos para ela, a falta de reação da outra mulher era um sinal claro: estava óbvio que Nynaeve também notara.
Ailhuin fez um gesto para que o homem ocupasse um lugar à mesa. Ele virou as mangas do casaco, fez uma reverência para cada uma delas e sentou-se, o cajado apoiado em seu ombro. Não disse nada até a mulher grisalha preparar um bule de chá fresco e todos beberem um gole de suas canecas.
— Mãe Guenna me contou sobre o problema de vocês — disse, baixinho, pousando a caneca sobre a mesa. — Vou ajudar se puder, mas logo os Grão-lordes vão arrumar alguns problemas para eu resolver.
A mulher corpulenta bufou.
— Juilin, quando foi que você começou a pechinchar como um vendedor tentando fazer o cliente comprar linho a preço de seda? Não diga que sabe quando os Grão-lordes vão chamar você se não sabe de verdade.
— Não digo que sei quando — retrucou Sandar, abrindo um sorriso —, mas sei que vão, porque vi homens nos telhados à noite. Bem pelo canto do olho, pois eles sabem se esconder que nem peixes-agulhas num junco, mas percebi o movimento. Ninguém reportou nenhum roubo por enquanto, porém há ladrões aqui dentro das muralhas, pode apostar seu jantar nisso. Pode escrever. Em uma semana, serei convocado até a Pedra para dar conta da invasão de um bando de ladrões às casas dos mercadores, ou até mesmo à mansão de algum lorde. Os Defensores podem vigiar as ruas, mas sempre mandam buscar um caçador de ladrões quando é preciso ir atrás ladrões, e eu sempre sou o primeiro a ser chamado. Não estou tentando aumentar meu preço, mas, seja lá o que eu precise fazer por essas belas mulheres, é melhor que seja rápido.
— Acho que ele está falando a verdade — disse Ailhuin, com relutância. — Ele pode até dizer que a lua é verde e a água é branca, se achar que isso pode lhe render um beijo, mas mente menos que a maioria dos homens a respeito das outras coisas. Creio que seja o homem mais honesto que já nasceu no Maule.
Elayne levou a mão à boca, e Egwene se esforçou para não rir. Nynaeve permanecia imóvel e claramente impaciente.
Sandar fez uma careta para a mulher grisalha, então pareceu decidir ignorar o que ela dissera. Ele sorriu para Nynaeve.
— Admito que estou curioso a respeito dessas ladras. Já vi ladras mulheres e já vi quadrilhas, mas nunca ouvi falar de uma quadrilha de mulheres. E estou devendo uns favores à Mãe Guenna. — Seus olhos pareciam focados em Nynaeve mais uma vez.
— Quanto você cobra? — perguntou ela, ríspida.
— Para recuperar os itens roubados — respondeu o homem, sem perder tempo —, cobro a décima parte do valor do que eu recuperar. Para encontrar pessoas, cobro um marco de prata por indivíduo. Mãe Guenna disse que os objetos roubados são de pouco valor a não ser para as senhoras, por isso sugiro que fiquem com a primeira opção. — Ele sorriu outra vez. Tinha dentes muito brancos. — Eu não cobraria nada das senhoras, mas sei que a fraternidade vai fazer cara feia, então vou cobrar o mínimo possível. Um cobre ou dois, nada mais.
— Conheço um apanhador de ladrões — comentou Elayne. — De Shienar. Um homem muito respeitoso. Carrega uma espada junto da quebra-espada. Por que você não tem uma espada?
Sandar pareceu surpreso por um instante, e logo depois pareceu aborrecido consigo mesmo por ter se surpreendido. Também parecia não ter entendido a mensagem que ela tentara passar, ou decidiu ignorá-la.
— Vocês não são tairenas. Ouvi falar de Shienar, senhora. Histórias de Trollocs, e de como lá todos os homens são guerreiros. — Seu sorriso indicava que pensava que aqueles eram contos infantis.
— Tudo verdade — retrucou Egwene. — Ou verdade o bastante. Eu estive em Shienar.
Ele piscou para ela, então prosseguiu.
— Não sou um lorde ou um mercador rico, não sou sequer um soldado. Os Defensores não perturbam muito os estrangeiros por portarem espadas, a menos que desejem ficar muito tempo, é claro. Mas eu seria jogado numa cela na Pedra. Existem leis, senhora. — Ele deslizou a mão pelo cajado, num gesto inconsciente. — Eu me viro muito bem sem uma espada. — O homem concentrou o sorriso em Nynaeve mais uma vez. — Agora, se pudessem descrever os objetos…
Ele parou de falar quando a mulher que encarava colocou a bolsinha de moedas no canto da mesa e contou treze marcos de prata. Egwene achou que ela escolhera as moedas mais leves: a maioria era tairena, apenas uma andoriana. A Amyrlin dera a elas uma boa quantidade de ouro, mas mesmo assim o dinheiro não duraria para sempre.
Nynaeve encarou a bolsinha, pensativa, antes de amarrar as cordas e enfiá-la de volta na bolsa.
— Tem treze mulheres para o senhor encontrar, Mestre Sandar, e pagarei essa mesma quantia quando as localizar. Encontre as mulheres, e nós mesmas recuperaremos nossos pertences.
— Eu mesmo posso fazer isso, e cobrando menos — protestou o homem. — E não há necessidade de recompensa extra. Eu cobro o que cobro. Não tenha medo de que eu vá aceitar algum suborno.
— Não precisam temer isso — concordou Ailhuin. — Eu disse que o homem é honesto. Só não acreditem se ele disser que está apaixonado.
Sandar olhou feio para a mulher.
— Sou eu quem está pagando, Mestre Sandar — retrucou Nynaeve com firmeza —, então escolherei o que vou comprar. O senhor pode apenas localizar essas mulheres? — Ela aguardou que o homem assentisse, relutante, antes de prosseguir. — Pode ser que elas estejam juntas, ou não. A primeira é uma taraboniana. É um pouco mais alta que eu, bem clara, tem olhos escuros e cabelos cor de mel, que vivem presos em pequenas tranças, à moda de Tarabon. Alguns homens a consideram bonita, mas ela não tomaria isso como elogio. Tem uma língua cruel e irritadiça. A segunda é kandoriana. Tem cabelos compridos e negros, com uma mecha branca acima da orelha esquerda, e…
Ela não forneceu nenhum nome, e Sandar não perguntou. Era tão fácil mudar de nome. Como já faziam negócios, o homem tinha parado de sorrir. As treze mulheres foram descritas enquanto ele escutava com muita atenção, e, quando Nynaeve terminou, Egwene teve a certeza de que o homem seria capaz de repetir palavra por palavra.
— Pode ser que Mãe Guenna já tenha lhe informado — completou Nynaeve —, mas vou repetir. Essas mulheres são mais perigosas do que se pode imaginar. Mais de uma dúzia já morreu nas mãos delas, pelo menos que eu saiba, e não me surpreenderia se descobrisse que essas mortes são apenas uma gota de todo o sangue que elas têm nas mãos. — Sandar e Ailhuin piscaram, surpresos, ao ouvir aquilo. — Se descobrirem que está perguntando por elas, você vai morrer. Se capturarem você, farão com que diga onde estamos, e é provável que Mãe Guenna morra conosco. — A mulher grisalha parecia descrente. — Acredite em mim! — O olhar de Nynaeve exigia concordância. — Acredite em mim ou eu pego esse dinheiro de volta e encontro alguém mais inteligente!
— Quando eu era jovem — respondeu Sandar, com a voz grave —, uma ladra conseguiu enfiar a faca nas minhas costelas porque acreditei que uma bela mulher não seria tão rápida quanto um homem. Não cometo mais esse tipo de erro. Vou me comportar como se essas mulheres fossem todas Aes Sedai, e da Ajah Negra. — Egwene quase engasgou, e o homem abriu um sorriso arrependido enquanto guardava as moedas dentro da própria bolsa, que enfiou de volta por trás do cinturão. — Não tive a intenção de assustar a senhora. Não tem nenhuma Aes Sedai em Tear. Pode levar alguns dias, se elas não estiverem juntas. Treze mulheres juntas é fácil de se encontrar, mas separadas fica mais difícil. De qualquer forma, eu vou encontrá-las. E não vou afugentá-las antes que as senhoras saibam onde estão.