Ele olhava para Zarine, aflito. Para Faile. Ela jazia ali, inerte. Por fim se forçou a recuar, deixando a porta aberta e se posicionando de modo a ainda poder vê-la. Ela parecia morta. Perrin não conseguia ver o peito dela se mexer. Queria uivar. Franzindo a testa, ele remexia a mão, a mesma que usara para empurrar a porta, abrindo e fechando os dedos. Sentia um formigamento penetrante, como se tivesse batido o cotovelo.
— Você não vai fazer nada, Moiraine? Se não for, vou até ela.
— Fique quieto, ou não irá a lugar algum — respondeu ela, muito calma. — O que é aquilo perto da mão direita dela? Parece que ela soltou quando caiu. Não consigo identificar.
Perrin cravou os olhos nela, depois espiou dentro do quarto.
— Um ouriço. Parece um ouriço entalhado em madeira. Moiraine, diga o que está acontecendo! O que foi que houve? Me diga!
— Um ouriço — murmurou a mulher. — Um ouriço. Fique quieto, Perrin. Preciso pensar. Senti o disparo. Consigo sentir os resíduos dos fluxos entrelaçados. Espírito. Puro Espírito, nada mais. Quase nada requer fluxos puros de Espírito! Por que aquele ouriço me faz pensar em Espírito?
— Você sentiu o disparo de quê, Moiraine? O que é que havia aqui? Uma armadilha?
— Sim, uma armadilha — respondeu a mulher, a irritação abrindo leves rachaduras naquela calma fria habitual. — Uma armadilha para mim. Eu teria sido a primeira a entrar neste salão, se Zarine não tivesse saído correndo na frente. Lan e eu com certeza teríamos entrado aí para traçar nossos planos e esperar o jantar. Fique quieto, se quiser que eu consiga ajudar essa garota. Lan! Traga o estalajadeiro aqui!
O Guardião disparou escada abaixo.
Moiraine andava de um lado para o outro no corredor, às vezes parando para espiar pela porta, das profundezas do capuz. Perrin não conseguia ver qualquer sinal de que Zarine estava viva. O peito dela não se movia. Ele tentou ouvir as batidas do coração da mulher, mas até para seus ouvidos aquilo era impossível.
Quando Lan retornou, segurando à sua frente um Jurah Haret muito assustado, a mão forte apertando a nuca gorda, a Aes Sedai virou-se para o homem calvo.
— O senhor prometeu reservar este salão para mim, Mestre Haret. — A voz dela era severa e precisa como uma faca afiada. — Prometeu não deixar sequer a criada entrar para limpar se eu não estivesse presente. Quem foi que o senhor deixou entrar, Mestre Haret? Diga!
Haret tremia como um pudim.
— S-só as d-duas ladies, senhora. E-elas q-queriam deixar uma surpresa para a senhora. Eu juro, senhora. E-elas me m-mostraram. Um pequeno o-ouriço. E-elas disseram que a s-senhora ficaria s-surpresa.
— Eu fiquei surpresa, estalajadeiro — respondeu Moiraine, em voz baixa. — Saia daqui! E se disser uma só palavra sobre isso, mesmo durante o sono, derrubo essa estalagem e deixo só um buraco no chão.
— S-sim, senhora — sussurrou o homem. — Eu juro! Eu juro!
— Vá!
Desesperado para chegar às escadas, o estalajadeiro acabou caindo de joelhos. Desceu fazendo uma barulhada, o que indicava que devia ter caído mais de uma vez pelo caminho.
— Ele sabe que estou aqui — disse Moiraine ao Guardião — e encontrou alguém da Ajah Negra para montar a armadilha. Mas talvez pense que caí nela. Foi um pequeno lampejo de Poder, mas talvez ele seja forte o bastante para ter sentido.
— Então não vai suspeitar da nossa aproximação — comentou Lan, baixinho. O homem quase sorriu.
Perrin encarava os dois, rosnando.
— E ela? — inquiriu. — O que fizeram com ela, Moiraine? Ela está viva? Não consigo saber se ela está respirando!
— Ela está viva — respondeu Moiraine, devagar. — Eu não posso e nem me atrevo a chegar perto o bastante para afirmar muito mais que isso, mas ela está viva. Está… dormindo, de certa forma. Como um urso dorme durante o inverno. Seu coração está batendo tão devagar que seria possível contar os minutos entre as batidas. A respiração também. Ela está dormindo. — Mesmo por detrás daquele capuz, Perrin sentia os olhos da mulher sobre ele. — Acho que ela não está lá, Perrin. Não está mais no próprio corpo.
— Como assim, ela não está no próprio corpo? Luz! Não está dizendo que eles… levaram a alma dela? Que nem os Homens Cinza! — Moiraine sacudiu a cabeça, e ele suspirou aliviado. Sentia o peito doer como se não tivesse respirado desde a última frase da Aes Sedai. — Então onde ela está, Moiraine?
— Eu não sei — respondeu a mulher. — Tenho uma suspeita, mas não sei.
— Uma suspeita, um palpite, qualquer coisa! Que me queime, onde? — Lan se remexeu com a rispidez de sua voz, mas Perrin sabia que tentaria quebrar o Guardião como ferro sobre um cinzel se o homem tentasse impedi-lo. — Onde?
— Eu sei muito pouco, Perrin. — A voz de Moiraine era como uma música fria e impiedosa. — Lembrei o pouco que sei sobre o que conecta um ouriço entalhado com Espírito. O entalhe é um ter’angreal cuja última análise foi feita por Corianin Nedeal, a última Sonhadora da Torre. Sonhar é um Talento do Espírito, Perrin. Não é um assunto que eu tenha estudado, meus Talentos seguem outros caminhos. Acredito que Zarine está presa dentro de um sonho, talvez até no Mundo dos Sonhos, Tel’aran’rhiod. Tudo o que ela é está dentro desse sonho. Tudo. Uma Sonhadora manda apenas uma parte de si. Se Zarine não retornar logo, seu corpo vai morrer. Talvez ela continue viva no sonho. Eu não sei.
— Tem muita coisa que você não sabe — murmurou Perrin. Ele olhou para dentro do salão e quis chorar. Zarine parecia tão pequena ali, deitada. Tão indefesa. Faile. Juro que só vou chamar você de Faile, para o resto da vida. — Por que você não faz nada?
— A armadilha foi disparada, Perrin, mas é uma armadilha que ainda pode pegar qualquer um que entre no salão. Eu seria pega antes mesmo de alcançá-la. E tenho trabalho a fazer hoje à noite.
— Que a queime, Aes Sedai! Que o seu trabalho queime! E esse Mundo dos Sonhos? É como os sonhos de lobos? Você disse que essas Sonhadoras às vezes viam lobos.
— Eu contei o que podia — respondeu ela, ríspida. — Está na hora de você partir. Lan e eu precisamos ir para a Pedra. Não podemos mais esperar.
— Não — interrompeu Perrin, baixinho. No entanto, ergueu a voz quando Moiraine abriu a boca. — Não! Eu não vou deixá-la!
A Aes Sedai respirou fundo.
— Muito bem, Perrin. — Sua voz era gelo: calma, suave, fria. — Fique, se desejar. Talvez sobreviva a esta noite. Lan!
Ela e o Guardião avançaram pelo corredor até os quartos. Retornaram dentro de instantes, Lan com o manto que mudava de cor, e desapareceram pelas escadas sem dizer uma palavra.
Ele olhou para Faile pela porta aberta. Preciso fazer alguma coisa. Se isso for como os sonhos de lobo…
— Perrin — o ressoar profundo de Loial fez-se ouvir —, o que foi que aconteceu com Faile? — O Ogier seguia apressado pelo corredor, em uma camisa de manga, com tinta nos dedos e uma caneta na mão. — Lan falou que eu precisava ir embora, depois contou alguma coisa sobre Faile ter caído em uma armadilha. O que ele quis dizer?
Absorto, Perrin contou o que Moiraine dissera. Pode ser que funcione. Pode ser. Tem que funcionar! Ele ficou surpreso quando Loial grunhiu.
— Não, Perrin, isso não é certo! Faile era tão livre. Não é certo aprisioná-la!
Perrin observou o rosto de Loial e de repente lembrou-se das antigas histórias que descreviam os Ogier como inimigos implacáveis. As orelhas dele estavam esticadas para trás, coladas à lateral da cabeça, e o rosto grande estava duro como uma bigorna.