— Ainda não acredito que Perrin está em Tear — dizia Nynaeve. — Tem certeza de que ele está bem?
Mat balançou a cabeça. Devia ter esperado que Perrin estivesse na Pedra na noite anterior: o ferreiro sempre fora mais corajoso do que qualquer um com bom senso.
— Estava bem quando eu o deixei. — A voz de Moiraine soava serena. — Se ainda está, não sei. A… companheira dele está correndo um perigo considerável, e talvez ele também tenha se posto em perigo.
— Companheira? — perguntou Egwene, de repente. — O que… quem é a companheira de Perrin?
— Que tipo de perigo? — inquiriu Nynaeve.
— Nada com que precisem se preocupar — respondeu a Aes Sedai, tranquila. — Verei como ela está assim que puder, em breve. Só me demorei um pouco para mostrar isso a vocês, que eu encontrei junto com os ter’angreal e outros objetos relacionados ao Poder que os Grão-lordes colecionaram ao longo dos anos. — Ela tirou algo da bolsa e colocou na mesa, diante de si. Era um disco do tamanho da mão de um homem que parecia feito de duas lágrimas encaixadas, uma negra como piche, a outra branca como neve.
Mat lembrou-se de ter visto outros como aquele. Tão antigos quanto o que via, mas quebrados, e aquele estava inteiro. Tinha visto três daqueles discos. E não estavam completos, e sim despedaçados. Mas não podia ser, ele podia lembrar que eram feitos de cuendillar, um material que não pode ser quebrado por poder algum, nem mesmo o Poder Único.
— Um dos sete selos que Lews Therin Fratricida e os Cem Companheiros puseram na prisão do Tenebroso quando a resselaram — comentou Elayne, assentindo como se para confirmar a própria lembrança.
— Mais precisamente — completou Moiraine — o ponto central de um dos selos. Mas, em essência, você está certa. Durante a Ruptura do Mundo eles foram espalhados e escondidos, por segurança. No entanto, na verdade, estavam perdidos desde as Guerras dos Trollocs. — Ela fungou com desdém. — Estou começando a falar igual a Verin.
Egwene sacudiu a cabeça.
— Acho que já era de se imaginar que encontraríamos isso por aqui. Rand já tinha enfrentado Ba’alzamon duas vezes, e pelo menos um dos selos estava presente em todas as duas.
— E desta vez está inteiro — completou Nynaeve. — Pela primeira vez, o selo está inteiro. Como se agora isso importasse.
— Acha que não importa? — A voz de Moiraine era de uma calma perigosa, e as outras mulheres franziram os cenhos para ela.
Mat revirou os olhos. As quatro estavam falando sobre coisas sem importância. Ele não gostava muito de ficar a menos de vinte pés daquele disco, agora que sabia o que era, não importava o valor de cuendillar, mas…
— Com licença? — perguntou.
Todas elas se viraram para encará-lo, como se ele estivesse interrompendo algo importante. Que me queime! Eu tiro as três de uma cela de prisão, salvo a vida delas umas dez vezes antes do dia raiar, e elas me olham com essas caras tão fechadas quanto a da Aes Sedai! Bem, e elas também não me agradeceram das outras vezes, não foi? É de se pensar que eu estava era metendo o nariz onde não tinha sido chamado, em vez de tentar evitar que um maldito Defensor cravasse uma espada em uma delas. Mas em voz alta, disse suavemente:
— Não se importam se eu fizer uma pergunta, não é? Vocês estão todas conversando sobre esses assuntos… hã… de Aes Sedai, e ninguém se deu ao trabalho de me contar nada.
— Mat… — disse Nynaeve em tom de aviso, dando um puxão na trança.
Moiraine, no entanto, apenas perguntou com a voz calma, mas com um toque de impaciência:
— O que é que você deseja saber?
— Quero saber como é que tudo isso é possível. — Ele pretendia manter o tom de voz baixo, mas sem querer foi falando mais alto à medida que prosseguiu. — A Pedra de Tear caiu! As Profecias diziam que isso não aconteceria antes da vinda do Povo do Dragão. Então isso quer dizer que nós somos o maldito Povo do Dragão? Você, eu, Lan e uma porcaria de uns cem Aiel? — Ele avistara o Guardião durante a noite. Não parecia haver muita diferença entre Lan e os Aiel quanto a quem era o mais mortífero. Rhuarc se endireitou para encará-lo, e ele acrescentou depressa: — Desculpe, Rhuarc. Escapou.
— Talvez — começou Moiraine, devagar. — Vim aqui impedir Be’lal de matar Rand. Não esperava ver a Pedra de Tear cair. Talvez sejamos. As Profecias são cumpridas quando chega o momento, não quando pensamos que deve ser o momento.
Be’lal. Mat estremeceu. Ouvira o nome na noite anterior, e não era mais agradável à luz do dia. Se soubesse que um dos Abandonados estava à solta — e dentro da Pedra —, jamais teria se aproximado daquele lugar. Olhou para Egwene, Nynaeve e Elayne. Bem, teria entrado aqui que nem a droga de um rato, pelo menos, não distribuindo socos a torto e a direito! Sandar saíra correndo da Pedra ao raiar do dia. Dissera que ia levar as notícias à Mãe Guenna, mas Mat achava que correra apenas para escapar dos olhares das três mulheres, que pareciam ainda não ter decidido o que fariam com ele.
Rhuarc pigarreou.
— Quando um homem deseja se tornar o chefe do clã, deve ir a Rhuidean, nas terras dos Aiel Jenn, o clã que não é. — Ele falava lentamente, franzindo o rosto para o carpete de franjas vermelhas debaixo de suas botas macias. O homem tentava explicar algo que parecia não ter vontade alguma de explicar. — As mulheres que desejam se tornar Sábias também fazem essa jornada, mas suas marcas, se é que elas são marcadas, são mantidas em segredo. Os homens escolhidos em Rhuidean, os que sobrevivem, retornam com uma marca no braço esquerdo. Então.
Ele ergueu as mangas do casaco e da camisa para revelar o antebraço esquerdo, a pele muito mais clara do que a das mãos e do rosto. Gravada em sua pele, como se fosse parte dela, dando duas voltas no braço, havia a mesma forma dourada e vermelha que tremulava no estandarte no alto da Pedra.
Com um suspiro, o Aiel deixou a manga cair.
— Esse nome não é pronunciado, a não ser pelos chefes dos clãs e pelas Sábias. Nós somos… — Ele pigarreou outra vez, incapaz de falar.
— Os Aiel são o Povo do Dragão — concluiu Moiraine, baixinho, mas soando o mais próximo de espantada que Mat se lembrava de ter visto. — Eu não sabia disso.
— Então está mesmo tudo terminado — comentou Mat —, como diziam as Profecias. Podemos seguir nossos caminhos sem preocupação. — Agora a Amyrlin não vai mais precisar que eu soe aquela maldita Trombeta!
— Como pode dizer uma coisa dessas? — inquiriu Egwene. — Será que você não entende que os Abandonados estão à solta?
— Sem falar na Ajah Negra — acrescentou Nynaeve, taciturna. — Só capturamos Amico e Joiya. Onze fugiram, e quero muito saber como! E só a Luz sabe quantas outra existem que nós não sabemos.
— Pois é — completou Elayne, em um tom igualmente severo. — Posso não estar à altura de enfrentar um Abandonado, mas pretendo arrancar o couro de Liandrin!
— É claro — concordou Mat, suavemente. — É claro. — Elas enlouqueceram? Querem ir atrás da Ajah Negra e dos Abandonados? — Só quis dizer que a parte mais difícil já foi. A Pedra caiu diante do Povo do Dragão, Rand está com Callandor, e Shai’tan está morto.
Moiraine lhe lançou um olhar tão severo que por um instante ele pensou ter sentido a Pedra tremer.
— Fique quieto, seu idiota! — mandou a Aes Sedai, com uma voz cortante. — Quer atrair a atenção dele para você, entoando o nome do Tenebroso?
— Mas ele está morto! — protestou Mat. — Rand o matou. Eu vi o corpo! — E o fedor que saía dele também. Nunca pensei que algo pudesse apodrecer tão depressa.